mesa eare capaDando sequência à mesa de abertura do IX Encontro Ampliado da Rede Ecovida (EARE), realizado em Marechal Cândido Rondon, no Paraná, foi realizada na tarde do dia 21 de abril uma plenária para analisar a conjuntura política e econômica do país. Os palestrantes destacaram a importância da relação entre a agroecologia e a alimentação saudável, e se mostraram preocupados com o cenário político nacional. Mais avanços na questão da reforma agrária e maior incentivo ao abastecimento de produtos orgânicos e agroecológicos foram destacados pelos debatedores.

  

De acordo com André Burigo, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), os rumos da saúde vão de acordo com o movimento agroecológico. Ele lembrou o surgimento de sua organização, no contexto da ditadura militar em meados da década de 60 quando departamentos de saúde das universidades com uma visão bastante crítica ao sistema de saúde pública começaram a se engajar nas lutas por melhorias no setor. A inclusão no artigo da constituição de 1988 garantindo a saúde como direito de todos é fruto dessas mobilizações, complementou. Nas décadas de 90 e 2000, no entanto, muitos dos avanços na construção desse sistema público sofreram ataques da privatização.

“O SUS vai se desenvolvendo muito nos espaços urbanos influenciado pelas grandes cidades, e só em 2011 se institui uma Política de Saúde Integral para os Povos do Campo e da Floresta, que tem como eixo estruturante a agroecologia. No campo da saúde temos desafios muito parecidos com a formação dos médicos, psicólogos, etc, assim como o agrônomo que desconsidera o conhecimento tradicional”, disse.

A Abrasco se aproximou da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em 2010 no Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, realizado em Salvador (BA), e desde então caminha com o movimento agroecológico. Em 2012 divulgou denúncias dos agrotóxicos, e participou no ano passado do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Fazem uma reflexão sobre o papel da ciência, e apresentam propostas de anúncios e denúncias frente ao agronegócio. Os impactos dos grandes empreendimentos nos governos do PT através do Programa de Aceleração do Crescimento (PA) sobre as comunidades tradicionais e o abandono da agenda da reforma agrária, são algumas de suas críticas.

auditorio eare“Muitas experiências agroecológicas estão sendo expulsas de seus territórios, como na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte. Em muitos lugares a convivência entre o agronegócio e a agroecologia está no seu limite. As lavouras de soja e milho transgênicas têm avançado em áreas de forma bastante veloz. O agronegócio está com várias ofensivas, como a PEC 215 com grandes interesses não só do agronegócio, mas também da mineração nesses territórios fundamentais à agroecologia. Precisamos fortalecer nossa resistência, trazer outros movimentos para a agenda. Só o setor de venda dos agrotóxicos lucrou U$ 12,2 bilhões no ano passado, isso ajuda a entender sua força dentro do governo”, alertou Burigo.

Representando o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Renata Amaral também resgatou o histórico de sua organização. A ONG atua há mais de 27 anos de forma apartidária, sem apoio do governo ou empresas, pautando as relações de consumo na sociedade. Na área da comida tem um programa forte de promoção da alimentação saudável e sustentável com vários eixos, dentre eles a erradicação dos transgênicos e a ampliação do consumo de alimentos agroecológicos e orgânicos. Começaram nessas áreas em 1998 tentando banir o plantio de soja transgênica no Brasil, e em seus estudos sobre os agrotóxicos chegaram à conclusão que em média 30% dos alimentos estão irregulares no país.

“Questionamos os limites estabelecidos pela lei, achamos que isso impacta muito nos consumidores já que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Em 2010 fizemos uma pesquisa sobre por que os orgânicos não entravam no prato dos consumidores, e vemos hoje que é mais uma questão de disponibilidade que o preço em si. Acompanhamos em 7 capitais os preços nas feiras e supermercados e constatamos que é uma falsa sensação do preço mais alto do orgânico. Temos uma gama de produtores, que afunila em 10 supermercadistas e um monte de consumidores, eles ditam o que os consumidores têm que consumir. Se a gente não atacar isso não teremos uma ampliação do acesso”, alertou.

O IDEC construiu um mapa de feiras orgânicas  (www.feirasorganicas.org.br) para aproximar o produtor do consumidor, relação que eles avaliam como grande solução para o maior consumo de orgânicos. Na pesquisa do IBGE ainda menos de 1% das famílias brasileiras consomem alimentos orgânicos, informou Renata. “O grande desafio é chegar esse alimento às populações vulneráveis nos centros urbanos, porque o acesso e a entrada de alimentos é baixíssima. Em SP temos cerca de 10 feiras e todas estão em regiões nobres da cidade, então isso elitiza o consumo. Por outro lado aprovamos o projeto de lei da merenda orgânica na capital, que é um grande canal de venda. Está crescendo esse movimento de associação da alimentação com vida saudável, porém nossa conjuntura política não está favorecendo. A agroecologia tem uma papel fundamental e transformador nessas ações”, afirmou Amaral.

mesa eareTambém abordando a alimentação saudável, para Maria Emília Pacheco, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), não há agroecologia sem uma diversidade grande de identidades: suas culturas, modos de ser, línguas, tradições e conhecimentos. Segundo ela, o movimento agroecológico e a Rede Ecovida são sinais de um novo tempo e a construção de uma nova história. Os elos estabelecidos com os consumidores, relacionando saúde e meio ambiente, é o caminho a ser trilhado.

“Estamos vivendo uma tremenda crise política e econômica, aqui é um país mega diverso mas a escolha do caminho do desenvolvimento foi de super exploração dos bens da natureza baseado na exportação de algumas mercadorias para fora do país. Grandes monoculturas com a contaminação da água e das terras, super exploração dos minérios, as grandes obras com hidrelétricas, são sinais que atendem a interesses de determinados setores da sociedade e cercando territórios de comunidades e povos tradicionais que não conseguem continuar seus modos de vida. Dentre as crises que temos atualmente a da água é a mais preocupante, precisamos fazer uma releitura sobre a maneira como se pratica a agricultura no Brasil já que 70% da água vai para irrigação. Há uma exaustão desse modelo, precisamos assumir esse compromisso histórico e rever nossa produção e consumo”, avaliou Pacheco, que também é do Núcleo Executivo da ANA.

Ela também citou a PEC 215, que atinge os direitos indígenas. É um quadro político extremamente ameaçador com iniciativas de desconstrução de direitos, avaliou a antropóloga. Maria Emília também defendeu mais avanços na questão da reforma agrária, ao alertar que reproduzir a atual concentração de terra é uma injustiça social, econômica e ambiental. A consequente concentração de produtos regionais foi um dos exemplos apontados. “Há também uma nova geografia agrária com concentração de produtos. No sul com o arroz agulhinha, e podemos ficar privados desse alimento em caso de mudanças climáticas. Temos importado feijão, alguns alimentos básicos diminuindo o consumo e produção associada a uma mudança radical em nossos hábitos alimentares. Isso explica o sobrepeso e obesidade no país, substituindo alimentos naturais de qualidade por produtos processados que duram mais tempo nas prateleiras. Aumento de diabte, pressão alta, câncer, etc, são mudanças do perfil nutricional no Brasil. Precisamos de uma alimentação adequada e saudável que nos dá sabor, referida nas características do povo e livre de químicos e transgênicos.

A pesquisa do IDEC e a atuação da Rede Ecovida reforçam sua linha de pensamento, que critica os “desertos alimentares” devido à falta de alimentos orgânicos e agroecológicos disponíveis  aos consumidores. “Reivindicamos uma política pública nacional de abastecimento de alimentos com equipamentos públicos de venda de alimentação. A agroecologia deve ser reconhecida como caminho, e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) precisa ganhar outro status no PPA (Plano Plurianual) para 2016 a 2019 porque contribui com os sistemas agroalimentares. Vai além da dimensão técnica, trata da manutenção e manejo dos ecossistemas e a relocalização do mercado. Não podemos retroceder nas inovações de mercados institucionais, e mostrar aos órgãos do governo que há regras próprias das organizações que precisam ser reconhecidas. A agroecologia vai se fortalecendo e expandindo na medida da autonomia dos agricultores”, finalizou Pacheco.