A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), instituída em agosto de 2012, firmou o compromisso do governo federal em “integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutores da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, como contribuição para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis”.

 

A importância da Agroecologia para a alimentação humana tem sido reconhecida inclusive pela ONU. Olivier De Schutter, relator especial da ONU sobre direito à alimentação, atesta como a Agroecologia contribui para tornar efetivo o direito humano à alimentação adequada em suas diferentes dimensões: disponibilidade, acessibilidade, adequação, sustentabilidade e participação social.

Apesar destas constatações, percebe-se ainda a existência de pelo menos duas concepções sobre padrões de estruturação da atividade agrícola no debate sobre a sua produção mundial. A primeira delas, calcada no modelo de agricultura empresarial, estruturado pela elevada dependência em relação aos insumos químicos, mecanização intensiva e o uso insustentável dos recursos naturais, em processos de industrialização da agricultura e, principalmente, do maior controle sobre as bases genéticas de várias culturas alimentares, a partir dos híbridos e, mais recentemente, com as variedades transgênicas.

De outro lado, a Agroecologia e produção orgânica que, em suas diferentes expressões no conjunto das agriculturas sustentáveis, emergem ou reaparecem (a agroecologia também se ancora nos conhecimentos dos povos e comunidades tradicionais) como outra perspectiva em relação ao modelo anteriormente citado, valorizando e potencializando o trabalho familiar, as relações de gênero e geração, a utilização e autoprodução de insumos naturais, as tecnologias e práticas orgânicas, a conservação da agrobiodiversidade, a valorização dos conhecimentos e saberes dos agricultores, povos indígenas e comunidades tradicionais, dentre outros elementos. Estes fazem com que o enfoque agroecológico alcance ressonância junto a amplos segmentos da sociedade e movimentos sociais, institucionalizando-se como política pública.

Nessa aparente polarização, no entanto, observa-se o aparecimento de leituras/concepções que revelam uma tentativa crescente de apropriação do discurso ambiental acerca da sustentabilidade, amparado pelos grandes alertas ao meio ambiente como as teses “neomalthusianas” em torno das consequências do acelerado crescimento populacional, ou pelas alterações climáticas já percebidas em diversas regiões do Planeta, além dos desmatamentos, escassez hídrica e perdas dos solos agrícolas para tentar harmonizar a incompatibilidade inerente aos distintos estilos de desenvolvimento.

Tais leituras buscam a construção de outra racionalidade fundamentada prioritariamente no mercado, como se todas as ações que favorecessem ou impulsionassem as dinâmicas da Natureza, pudessem ser consideradas “agroecológicas”, mesmo quando contrariam a racionalidade e a prática dos agricultores familiares que tem na autonomia, em suas diferentes vertentes, sua principal conquista. Nessa perspectiva, o status de “ecológico” ou “agroecológico” estaria, de um lado, estruturado por uma “leitura econômica dos processos da Natureza”, ou dos benefícios/serviços ambientais por eles proporcionados, ao ‘sabor’ da chamada Economia Ecológica. Ao mesmo tempo, tal leitura promove a manutenção do estilo de agricultura que estimula a dependência externa, especialmente de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos) e organismos geneticamente modificados.

Neste contexto, a Agroecologia não é apenas um estilo de agricultura que tem como princípio a não utilização de agrotóxicos ou outros insumos químicos. A Agroecologia é uma ciência que pretende contribuir para o manejo de agroecossistemas sustentáveis numa perspectiva de análise multidimensional (econômica, social, ambiental, cultural, política e ética) e constitui-se numa matriz disciplinar integradora de saberes, conhecimentos e experiências. Dessa forma o que está em jogo não é a simples decisão pelas melhores ou piores práticas agrícolas, tampouco a valorização de indicadores que meçam exclusivamente a produtividade.

Estes caminhos, aqui superficialmente destacados, além de evidenciarem a existência de diferentes matrizes de pensamento em relação à produção agrícola, apontam para a importância da compreensão sobre as formas como a economia neoclássica se apropria e se molda aos processos produtivos para fortalecer as dinâmicas do capital na agricultura. O mais importante é que isso ocorre, geralmente, de modo bem distante das perspectivas e reais interesses da grande maioria dos agricultores familiares e comunidades tradicionais, maiores responsáveis pela produção de alimentos no Brasil e no mundo.

Autores:
Fernando Fleury Curado
Edson Diogo Tavares
Amaury da Silva dos Santos
Pesquisadores do Núcleo de Agroecologia da Embrapa Tabuleiros Costeiros