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Esquerda Petista entrevistou Irene Maria Cardoso, agrônoma, professora do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa, militante petista e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia).

 

Revista Esquerda Petista – Atualmente o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O que é a Agroecologia e qual a sua importância para superação do modelo do agronegócio, já que este modo de produção é o maior responsável por este consumo?

Irene Maria Cardoso – A agroecologia não é simplesmente um modo de produzir sem agrotóxicos, ela possui três dimensões: ciência, movimento e prática. Enquanto ciência é o estudo dos sistemas alimentares e enquanto movimento contribui para que haja as transformações necessárias na agricultura brasileira, hegemonizada atualmente pelo agronegócio. Este se baseia, nas tecnologias da Revolução Verde, sendo extremamente dependente de insumos externos produzidos pelas empresas, em sistema de monocultura, e que gera graves consequências sociais, ambientais e econômicas. A agroecologia busca alternativas para esse modelo. A base dela é uma relação de parceria com a natureza. É a busca na natureza da produção dos insumos necessários para a produção agrícola, assim, a base da produção agrícola é a qualidade do solo e da água e a biodiversidade. Em síntese, isso seria a agroecologia, onde você tem um componente científico, mas articulado com a prática dos agricultores, de forma que esses dois conhecimentos se interagem para buscar essas alternativas, ou seja, uma transformação social. E a articulação da prática com o conhecimento científico. No Brasil historicamente é feita em movimento, cuja base foi o movimento pela Agricultura Alternativa.

Muitos críticos da agroecologia afirmam que esta não é capaz de alimentar o mundo, o que você pensa sobre isto?

E o modelo do agronegócio é capaz de sustentar o mundo? A gente viu que não e qual a qualidade desse produto? Já está provado em vários relatórios e documentos científicos, inclusive do Olivier de Shutter que foi o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, que a agroecologia tem potencial para sustentar o mundo. Se esse potencial vai se expressar depende de várias condições, inclusive de politicas públicas, porque não dá para o governo investir bilhões na pesquisa e produção do agronegócio, investir pouco na produção agroecológica e querer que ela responda da mesma forma que o agronegócio. A agroecologia tem condições de alimentar o mundo e é mais compatível, embora não seja exclusividade, com a agricultura familiar e, atualmente, já sabemos que quem alimenta o mundo é a agricultura familiar e não o agronegócio.

Quais são as principais políticas públicas em curso no Brasil que fortalecem a agroecologia? O que se cobra do segundo governo Dilma?

O Brasil é o primeiro país do mundo a ter uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Essa política foi construída em parceria com os movimentos e um dos principais articuladores da construção dessa política foi a ANA (Articulação Nacional de Agroecologia). Embora tenha debilidades, em si já representa um avanço, pois, foi um esforço do governo em construir com a sociedade civil essa política. Junto a isso já estavam acontecendo ações importantes para fortalecer a agroecologia, como as ações que fortalecem a agricultura familiar, como o PNAE (Política Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).  Estes contribuem para a comercialização da diversidade, pois, incentivam uma produção diversificada, já que o (a) agricultor (a) tem a oportunidade de comercializar via PAA ou PNAE não um único produto, mas vários. Ao mesmo tempo isto os incentiva a diversificar ainda mais. Isto também tem reflexo na segurança alimentar, já que se o produto está disponível para a comercialização, aumenta a probabilidade de ser consumido pela família. O PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) atualmente tem um juro menor para a produção agroecológica. Além disto, há outros projetos, como o Ecoforte que incentiva a produção e editais do CNPq que incentivam a pesquisa em agroecologia. Mas a gente acha que ainda é pouco frente ao agronegócio, embora os governos Lula e Dilma tenham aumentado muito o crédito pra agricultura familiar, ele ainda está muito aquém do crédito para o agronegócio. Este parece mais importante do que é, pois garante a pauta de exportação e a balança comercial brasileira, mas a gente costuma falar que é um gigante com os pés de barro, pois é feito à custa de muitos problemas ambientais e sociais e é dependente da importação de nutrientes, basta ver a dependência que o Brasil tem da importação de nitrogênio, fósforo e potássio. O potássio, por exemplo, é um dos dez itens da pauta de importação do Brasil. Como é que a gente inverte isso? O que a gente espera do próximo governo Dilma é que não apenas incentive mais a agroecologia, crie mais condições para seu florescimento, mas que também coíba as ações deletérias do agronegócio, por exemplo, respeitando toda a pauta da campanha contra o uso de agrotóxicos, atualmente desenvolvida pelos movimentos sociais.

O III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado pela ANA no Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena, reuniu mais de 2,1 mil agricultores e militantes, demonstrando a força e abrangência do movimento. Quais foram as principais discussões e encaminhamentos do III ENA?

O III ENA foi expressão de um grande processo de mobilização, com a realização de Caravanas Agroecológicas e Culturais e outros espaços para trocas de experiências, reunindo milhares de pessoas de todos os estados, em Juazeiro da Bahia, no mês de maio, garantindo a paridade de gênero e 70% de agricultores nas delegações. Tudo está documentado na Carta Política construída coletivamente ao longo do ENA, disponível no site da ANA(www.agroecologia.org.br) e que foi lida na íntegra para o representante da Dilma lá, o ministro Gilberto Carvalho. Reafirmamos os princípios e bandeiras da agroecologia, apontando nossas principais demandas em termos de políticas públicas e reformas estruturais. Destacamos que não é possível construir a agroecologia sem socialização das terras e gente no campo, ou seja, de Reforma Agrária, sua incompatibilidade com o modelo do agronegócio (que com sua expansão vem gerando diversos conflitos e injustiças ambientais), a necessidade de reconhecimento dos territórios dos povos e comunidades tradicionais para a afirmação da sociobiodiversidade, conservação e acesso às águas e sementes crioulas, ampliação dos investimentos em políticas públicas para agricultura familiar e agroecológica, fortalecimento das políticas de comercialização, Economia Solidária e de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) com este foco, importância da educação do campo, das plantas medicinais e seu papel para uma saúde integral, agricultura urbana, equidade de gênero… enfim, diversos temas que podem ser conferidos na Carta Política do III ENA.

Historicamente, muitos militantes petistas constroem a agroecologia nos espaços em que atuam, mas essa ainda não é uma bandeira empunhada com força pelo partido como um todo. Em sua opinião, qual o papel do PT na luta pela agroecologia?

Dever-se-ia discutir isso nas instâncias internas do PT e compreender o que é a agroecologia, qual é o papel hoje do agronegócio na economia brasileira, na saúde e na relação com o meio ambiente. Leonardo Boff já cobrou isso também recentemente, qual é a pauta ambiental do PT? Não dá pra discutir a pauta ambiental sem pensa-la também na agricultura brasileira, assim, a primeira coisa a se fazer é um debate sobre isso com encaminhamentos. O 5º Congresso do PT é o momento para ter espaços específicos de discussão desse assunto e a gente sabe que tem muitos petistas que são contrários a isso, mas tem que ser debatido dentro do PT. E é verdade que os petistas estão na base da construção da agroecologia, não só os petistas cientistas, mas os petistas agricultores, agrônomos e outros profissionais. No movimento agroecológico o partido mais forte sem dúvida nenhuma é o PT, já foi até mais, mas é exatamente por algumas ações de fortalecimento do agronegócio em detrimento da agroecologia, que muitos desencantaram, então, acho que devia olhar isso com cuidado e criar espaços de discussão dentro das instâncias internas do PT e tomar uma decisão, pois a sociedade pressiona, exige.

Como os demais movimentos e organizações populares podem construir esta pauta?

Os movimentos já estão construindo essa pauta. Hoje, o MST e a Contag discutem e participam da construção da PNAPO (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica). A gota d’água para pressionar a presidenta Dilma a decretar a PNAPO foi a Marcha das Margaridas de 2012, organizada pela Contag. Uma das bandeiras do MST é a agroecologia. Muitos sindicatos de trabalhadores rurais que são ligados à FETRAF e a Contag, constroem a agroecologia desde a década de 80, no início como agricultura alternativa. É preciso que outras organizações se juntem a esse movimento, incluindo aquelas dos movimentos urbanos. Por exemplo, os sindicatos urbanos precisam entender que a agroecologia tem a ver com suas pautas, pois tem a ver com alimentação e a saúde, “nós somos o que comemos”, logo comer alimentos saudáveis é garantia de pessoas saudáveis, muitas já disseram: “é melhor gastar com comida do que com a farmácia”. Se os movimentos urbanos passam a assumir a bandeira da agroecologia, ela se fortalece em dois sentidos: primeiro porque são movimentos fortes que vão pressionar o governo para que crie condições de produção saudável de alimentos. Segundo, a parceria com os (as) agricultores (as) permite estreitar a relação produtor-consumidor, valorizando os circuitos curtos de comercialização que garantem a chegada de alimentos saudáveis com preços justos para todos e contribuem para o entendimento do que é a agroecologia e o meio rural, a relação campo-cidade. Então é muito importante que os movimentos urbanos assumam essa luta.

Para finalizar, fale sobre a ABA e as perspectivas para o avanço do conhecimento agroecológico.

A ABA é a Associação Brasileira de Agroecologia e temos a ANA que é a Articulação Nacional de Agroecologia. A ANA é uma rede da agroecologia no Brasil, que articula os movimentos sociais, e a ABA faz parte dessa rede. A ABA tem um cunho mais científico dentro da ANA, ela constrói o Congresso Brasileiro de Agroecologia, onde os trabalhos podem ser apresentados e discutidos e tem as revistas, que é a Revista Brasileira de Agroecologia e os Cadernos de Agroecologia onde os trabalhos podem ser publicados. Quanto às perspectivas do avanço da construção do conhecimento agroecológico, tem sido criados muitos cursos de agroecologia no Brasil em vários níveis, do técnico à pós-graduação, embora a gente reconheça que tenha alguns problemas, estes podem apresentar oportunidades para esses avanços. O governo tem incentivado via CNPq em parceria com diversos ministérios, editais de construção do conhecimento agroecológico em uma interface entre pesquisa e extensão e de apoio aos Núcleos de Agroecologia, nas universidades, Embrapas e OEPAs (Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária). Os projetos de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) em agroecologia e o ProExt (Programa Nacional de Extensão Universitária) são muito importantes também. Outra força grande são os movimentos dos estudantes, que agora constroem a REGA, Rede dos Grupos de Agroecologia do Brasil, o ENGA (Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia), eles precisam inclusive ter mais visibilidade, ter mais força. A Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), a Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF), a Entidade Nacional dos Estudantes de Biologia (ENEBio), dentre outras entidades dos estudantes também são uma força na construção desse conhecimento, que não é só da academia.

O envolvimento dos movimentos sociais e o desenvolvimento das práticas e das experiências agroecológicas também representam uma dimensão muito importante da construção do conhecimento. A agroecologia, desde o seu nascedouro, foi construída em parceria com os agricultores. Essa é uma construção de todos. Todos nós consumimos alimentos. As experiências que os agricultores constroem em todos os cantos desse Brasil estão crescendo cada vez mais e cada vez tendo maior visibilidade, inclusive internacional.

(*) Entrevista publicada na página Esquerda Petista.