mesa stedile cbaPor Najar Tubino,

Porto Alegre – No último dia do evento foram discutidas as políticas públicas, com a presença do secretário de agricultura familiar do MDA, Valter Bianchini e de Selvino Heck, da Comissão Nacional de Agroecologia, e que coordenou o Planapo, do lado do governo federal. Além dos dois, Paulo Petersen, pela Associação Brasileira de Agroecologia(ABA), o braço científico do movimento, e Cláudia Schmitt, do CPDA da UFRRJ e também consultora e ex secretária executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O desafio de avançar, ressalta Petersen, é porque a conquista de um plano governamental de agroecologia necessariamente tem que evoluir. Os recursos, considerando os R$8,8 bilhões do total são pequenos comparados aos R$157 bilhões do crédito agrícola das lavouras comerciais. Mas até 2015, a primeira etapa do Planapo com verbas destinadas em vários programas tem que dar certo. Ou seja, as redes agroecológicas precisam assumir, ou como se diz hoje em dia, “se apropriar” do plano. Ele traçou um histórico da construção do Planapo, e o ambiente para aprovação não era nada favorável.

Não dentro do governo, onde alguns setores são identificados com o agronegócio. Mas a pressão externa, das entidades, como a CNA, a mídia tradicional que faz a sustentação do agronegócio, todos torcem contra o andamento do Planapo. A agroecologia é um movimento de construção social do campo, ressaltam os palestrantes, inclusive de dois outros painéis que assisti – um sobre transgênicos e agrotóxicos e outro sobre um novo modelo para a economia.

ECOFORTE a construção de redes

Valter Bianchini, que também tem um histórico de participação nos movimentos da agricultura familiar e da agroecologia expôs alguns números importantes: em 10 anos de Pronaf foram investidos R$40 bilhões, e o governo federal têm quatro milhões de agricultores familiares cadastrados, além de três mil cooperativas. Não é pouca coisa. Principalmente, porque um dos eixos do Planapo é um programa chamado ECOFORTE, que conta com uma verba de R$175 milhões para a organização de redes de agricultores e agricultoras, extrativistas, cooperativas, grupos produtivos, ou seja, toda forma de organização social que tenha ligação com o tema. Inclusive no Congresso foi realizada uma oficina sobre o ECOFORTE.

Bianchini destaca ainda: 1.733 municípios com produção agroecológica no Programa Nacional da Merenda Escolar, sendo 35% de mulheres. Em 2014, será o ano da agricultura familiar, também o ano da Copa Orgânica, onde as redes de produção, comercialização e divulgação terão espaço para divulgar a agroecologia. É um compromisso do governo federal. Aliás, o MDA contribuiu financeiramente para a realização do Congresso. Petersen também destaca a chamada da presidenta Dilma Rousseff para os grupos que fazem parte da Articulação Nacional de Agroecologia na elaboração do Planapo. “Foi uma decisão inédita e nós precisamos divulgar”, disse ele.

Novo marco para uso do dinheiro público

Dois outros dados importantes: até o ano que vem 1.500 extensionistas treinados nos sistemas agroecológicos irão a campo, para prestar assistência pela rede ATER, de 75 mil famílias. Outros 37 mil técnicos serão formados no Pronatec. Iniciativas que serão implantadas nos próximos dois anos e contarão com a participação da sociedade civil, porque metade dos 28 membros da Comissão Nacional de Agroecologia é formada por entidades do setor. Aliás, no dia 9 de dezembro, o governo federal deverá anunciar o novo marco regulatório para a participação social, que define as regras de uso de dinheiro público por entidades representativas da sociedade.

Gervásio Paulus, diretor técnico da Emater-RS considera o debate realizado nos quatro dias do Congresso mais um passo no sentido de implantar um novo modelo econômico no campo. A própria forma de organização do evento levou em conta a discussão com inúmeros grupos articulados, como é o caso da REGA (Rede de Grupos Ecológicos), reúne o pessoal mais informal do movimento, que ficaram acampados no Clube Farrapos, dos oficiais da Brigada Militar – 300 barracas, envolvendo 500 pessoas. Sem incidentes.

Leonardo Melgarejo, do núcleo de pesquisas do MDA, membro da CNTbio, é um especialista em transgênicos. Enfrenta a maioria da Comissão totalmente favorável à liberação de sementes, inclusive as próximas com o 2,4-D. Fala da batalha na audiência do dia 12 de dezembro em Brasília. Apresenta o professor Paulo Kageyama, da USP, um dos poucos pesquisadores críticos da transgenia, que já fez parte da CNTbio.”

“No dia 12 o debate será em alto nível, inclusive com a participação da senadora Kátia Abreu e do diretor da Dow Sciences para a América Latina. Nós convidamos, além do professor Kageyama , o Pablo, um filósofo também da USP, especialista em ética da ciência”.

Os transgênicos também estarão no debate, dia 3 de dezembro, no Conselho Nacional de Soberania Alimentar. Melgarejo é um articulador. Chama outros interessados na questão, no estande da Associação Gaúcha de Proteção do Meio Ambiente (AGAPAN), o pesquisador uruguaio Pablo Galeano. Ele integra um grupo que está analisando milho transgênico nos limites estabelecidos por lei – caso do Uruguai 250 metros -, para não haver contaminação de pólen, com as lavouras convencionais ou mesmo agroecológicas. A pesquisa acontece no sul do Uruguai. Eles constataram cruzamento das espécies transgênicas e convencionais a 320 metros e depois em outra situação a mais de um quilômetro. No Brasil o limite preconizado é de 90 metros, entre lavouras.

Propriedade privada da semente

 

Como comenta João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST: a última inovação do capitalismo no campo é a propriedade privada da semente, um ser natural. Isso um tribunal estadunidense concedeu à Monsanto alguns anos atrás. Por isso, todas as sementes são patenteadas. O argumento que eles usaram: a alteração genética realizada na semente é a razão da patente. Ou seja, um pedaço da semente frankestein. As mudanças incentivada pelo capitalismo industrial, que agora se torna financeiro, aliada com os proprietários de terra, sempre com a colaboração da mídia – faz parte da classe dominante -, continua João Pedro, estabelece novas relações sociais no campo. Tudo para justificar o agronegócio como a única forma possível de produzir alimentos no campo. Muito embora a comida seja responsabilidade da agricultura familiar e camponesa.

No Brasil as importações de feijão e arroz têm aumentado nos últimos anos – chegou a 440 mil em 2012, no caso do feijão e a um milhão de toneladas, no caso do arroz. Mais expressivo é que a produção desses dois alimentos tem se estabilizado. Sem contar o trigo – o Brasil importa seis milhões de toneladas, quase 60% do consumo. Algum dia, na época da ditadura, um tecnocrata decidiu que o país não tinha condições de produzir trigo, que era mais barato importar. Então vamos produzir quase 90 milhões de toneladas de soja. E dependemos de trigo importado para massas, biscoitos e pães.

Foram quatro dias discutindo um novo modelo de produção, de construção e convivência social, onde cerca de quatro mil pessoas, de todos os estados e de alguns países, apresentaram seus argumentos. O conhecimento foi discutido e retransmitido. As redes se fortaleceram e a missão de avançar continua. A agroecologia, como disse Paulo Petersen, é subversiva, é construída de baixo, localmente, depois vai se enraizando e se elevando. Por este motivo, que os batedores acadêmicos do agronegócio estão destilando veneno por todo lado em artigos na mídia conservadora, que sempre fundamentou as suas ações, mesmo que em alguns momentos, tenha que alertar a população urbana, para a contaminação de agrotóxicos nos alimentos.

(*) Matéria publicada na Carta Maior.