A produção de polpas de frutos nativos é outro potencial da região do Bico do Papagaio (TO). Seu Damião, agricultor familiar do município Esperantina, está desde 1986 em seu terreno de 10 alqueires. Quando comprou sua terrinha a história do Bico do Papagaio era meio bruta, conta. “Cortei tudo, achei que tinha feito muito mal para a natureza e decidi que tinha de resgatar sua aparência. Tem muitas frutíferas, umas plantas boas e outras ruins”, diz.
O camponês tacou fogo em tudo e não ficou uma sombra no terreno, até que começou a plantar mandioca, feijão e depois várias sementes que nasceram com várias qualidades de árvores. Atualmente produz sucos, vende polpas de frutas congeladas: cacau, jaca, laranja, acerola e, principalmente, cupuaçu e bacuri, dentre outras. As pessoas vão a sua casa para comprar o produto, mas já vendeu também pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) embora tenha parado porque perdia muito tempo e dinheiro por falta de transporte.
Na sua última safra tirou mais de mil quilos. Reclama do elevado custo com energia para manter as polpas congeladas, única forma de garantir sua fonte de renda na entre safra. No intercâmbio com os participantes da caravana algumas questões foram apontadas, como a produção de chocolate com o cupuaçu, experiência no Macapá. Todo ano tem festa do cupuaçu na região, mas é o bacuri que vem se destacando ultimamente pelo seu crescimento espontâneo nas matas.
A produção mecanizada, que é mais aceita pelo mercado, é negada pelos moradores. “No início me chamavam de louco, falavam que eu não ia comer nunca os frutos que eu estava plantando”, afirma. Seu Damião fez o inverso da lógica do PRONAF, que foi criado à época e adotado pela maioria dos agricultores, com todo seu pacote tecnológico padronizado. Muitos ficaram endividados, Seu Damião não.
“A tecnologia não faz bem para natureza, a gente acolhe porque ela está aí. Amanhã vai depender de um químico para a sustentação”, critica Cosme da Paixão, também agricultor.
As agroindústrias familiares estão concentradas no centro de Esperantina, longe da produção da agricultura familiar. As organizações locais de assessoria técnica estão promovendo núcleos familiares, contrapondo a legislação amarrada do Ministério de Abastecimento Pecuária e Agricultura voltada para o agronegócio. Estão construindo uma unidade no terreno de seu Damião, por meio de um projeto da Cooperativa de Agricultura Familiar (Cooaf), para descentralizar o beneficiamento das polpas.
“Alugo mais um freezer na época da safra, colocamos noutro lugar mas os políticos atrapalham. Então começamos a fazer aqui, só que é muito devagar por falta de recurso. Tá difícil viver com essa burocracia toda, estamos tentando adequar o beneficiamento e a estocagem mas é muito difícil. Perde a qualidade por causa das exigências, o padrão aniquila nossa cultura e direciona para uma escala inalcançável”, disse o agricultor agroflorestal.
O princípio das organizações é unir as cooperativas com a Escola Família Agrícola e as unidades familiares de beneficiamento para fortalecer os agricultores. O debate sobre a comercialização dessa produção é uma das prioridades atuais, inclusive com a necessidade de avançar nas políticas de mercado institucional.
Unidade de Produção da Farinha
As mulheres tomaram frente da produção da farinha em Esperantina (TO). Nove famílias construíram uma fábrica, através do Proambiente, programa que trouxe muitos ganhos para a região, mas que o governo federal desativou sem um análise minuciosa dos resultados do programa. O projeto fica dentro do projeto de assentamento Mulatos, do Incra. Sua necessidade veio do abandono da prefeitura às casas de farinha da região, que não eram adequadas à realidade local. Após a discussão dos moradores, foram construídas quatro unidades de acordo com a visão nativa.
“As casas do Pronaf custavam de R$ 25 a 30 mil, e construímos essa com R$ 15 mil. Mostramos ao poder público que é possível, e fica num lugar onde é plantado e não poluí a cidade. É possível mostrar esse modelo para mudar a regulação da Anvisa, de acordo com a realidade local”, disse Palmeira, assessor técnico da APA-TO.
As agricultoras cobram 10% pelo aluguel das máquinas da casa para cobrir os custos de manutenção. Descascam na faca a mandioca João Prego, nativa da região, e não têm apoio com transporte para escoar a produção. Apesar das péssimas condições das estradas, a mulherada entrega sua produção de moto.
Estão pressionando a prefeitura para viabilizar as
feiras e mudar as leis, de modo a garantir sua fonte de renda. Criticam os atravessadores e lutam por uma feira exclusiva para os agricultores, além de lembrar que o programa Pronaf A trouxe caminhões e tratores para região mas não atendeu os pequenos agricultores na roça.
Da guerrilha do Araguaia a produção de sucos nativos
A comunidade Campestre, parte do Assentamento Santa Cruz, uma agrovila criada desde 1986, fica colada no latifúndio do senador Nei Maranhão (PB), onde há inclusive uma pista de avião. São 112 famílias associadas no local, que tem sistemas agroflorestais, roça de mandioca, apicultura e produção de sucos, dentre outros produtos. O terreno foi palco nos anos 70 de suporte a uma base da Guerrilha do Araguaia, promovida por jovens em resistência à ditadura militar.
“A campestre era ao lado da base B dos guerrilheiros. Em 1983 o Padre Josimo ajudou a manter a comunidade, chegaram a tocar fogo nela. Em 1984 houve tiroteio e em 1986 mataram ele, depois o Incra regularizou em 1995. É uma conquista dos agricultores com os movimentos”, diz Cícera Soares, vereadora e liderança comunitária.
A resistência continua até hoje. O sonho é tornar o lugar patrimônio histórico e cultural. A energia que chegou contribui muito para conservar os produtos, mas o valor das taxas pelo serviço é critica pelos moradores. A diversificação da produção é uma estratégia dos moradores para aproveitar mais a terra em menos espaço. Começaram a produção de polpas em 2013 com a chegada dos congeladores e despolpadeiras: produziram mais de 500KG, inclusive na compra direta dos mercados institucionais (cajá, murta, açaí, acerola, etc). A alimentação dos moradores também mudou nesse processo. Como não utilizam mais venenos, estão valorizando a produção de mel das abelhas como fonte de renda. Tudo isso depois de o governo lançar uma política de estímulo ao pasto que endividou muitas famílias da região.