Foi lançado na semana passada o edital Nº 81 doConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com a chamada pública para apoio a Núcleos de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica. Para entendermos melhor os avanços e gargalhos desses projetos, conversamos com Irene Cardoso, vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Na entrevista, a professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV) fala sobre a dificuldade na descontinuidade dos trabalhos e elogia a diversidade territorial da nova chamada. Para ela, o conhecimento agroecológico tem crescido bastante no país, mas as iniciativas do poder público ainda são insuficientes para avanços nesse campo.
Qual a origem desse edital?
Surge de uma iniciativa do Departamento Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DATER/MDA) , em conjunto com o CNPq,para formatar editais não exclusivamente voltados à pesquisa e à inovação tecnológica. Este editais procuram fomentar pesquisas em interface com a extensão permitindo aos pesquisadores desenvolverem trabalhos junto às comunidades rurais. Essa construção entre os órgãos permitiu lançar alguns editais buscando esse enfoque inovador, coerente com a perspectiva agroecológica. Foram lançados o edital 36, o edital 33, e mais recentemente o edital 58, que fomenta abordagens metodológicas inovadoras na relação entre as instituições científico-acadêmicas e as comunidades, além de apoiara criação de núcleos de agroecologia nas universidades. São mais de cinquenta núcleos no Brasil inteiro. Só na região Sudeste foram treze núcleos e em Minas Gerais são seis.
Já dá para ter uma avaliação desses trabalhos?
O edital 58 foi há dois anos e meio. No ano passado o MDA promoveu seminários de avaliação desses núcleos em todas elasas regiões brasileiras. A avaliação da região Sudeste foi na Universidade Rural do Rio de Janeiro, onde representantes da maioria desses núcleos estavam presentes. A avaliação foi muito positiva. Os projetos apoiados pelos editais conseguiram superar as metas estabelecidas nos projetos, e permitiu vários avanços inclusive na pesquisa, no entendimento da realidade, na articulação com as comunidades rurais. Além disso, novas questões para a pesquisa e demandas de trabalho surgiram.Então reivindicamos que outro edital fosse lançado nessa mesma linha de apoio aos núcleos, porque os projetos estavam encerrando no final do ano passado ou no meio desse ano e haveria uma descontinuidade dos trabalhos. Na semana passada foi lançado o edital 81, uma ação conjunta do CNPq com vários ministérios (MCTI/MAPA/MDA/MEC/MPA). Recebemos o edital com muito entusiasmo. Este traz ainda a novidade de fomentar articulações regionais, o que esta sendo chamado de rede de núcleos. Isso é essencial para a socialização dos aprendizado comumdos núcleos envolvidos nessas práticas inovadoras de pesquisa e extensão e para avançarmos na construção do conhecimento agroecológico.
Os recursos financeiros alocados nesses editais correspondem às expectativas do campo agroecológico?
Não. Sempre é disponibilizado muito menos do que esperamos. Foram R$ 15 milhões (Linha 1 – universidades) para dois anos e meio de projeto. Isso é muito pouco se avaliarmos a demanda efetiva. Mas o mais complicado é a forma de distribuição desse montante: será feito um ranqueamento por região (Norte, Sul e Sudeste ficam cada uma com 20%; Centro Oeste 10% e Nordeste 30%). Segundo o edital, “as propostas recomendadas quanto ao mérito pelo Comitê Julgador serão primeiramente ranqueadas por Unidade da Federação (UF) e será atendida a proposta de maior pontuação em cada UF”. Se algum estado não aprovar porque o projeto não estava com uma qualidade boa, o restante do dinheiro será divididoentre os outros projetos ranqueados no segundo ou terceiro lugar. O que vai acontecer? Em Minas, por exemplo, onde nós temos seis núcleos, vamos conseguir aprovar um ou quem sabe dois. Então muitos núcleos que tinham sido apoiados financeiramente não serão mais, vai ocorrera descontinuidade que não queríamos.
Por causa dos critérios de qualificação?
Não, por causa do ranqueamento. A avaliação da qualidade técnica será feita de acordo com os critérios acordados entre o CNPq e os ministérios. Uma equipe de pesquisadores irá fazer a avaliação dos projetos.. Com o ranqueamento será incentivada a criação de núcleos em todos os estados da Federação. Diversificar os núcleos apoiados é o lado positivo. O negativo é que haverá uma descontinuidade dos núcleos que foram apoiados anteriormente. E não por que o projeto não foi bom, mas por que tem uma limite de recursos vinculado a ao critério do ranqueamento por região que ao nosso ver não faz sentido.
Qual o cenário dos núcleos de agroecologia no Brasil?
Tem crescido o interesse e uma das formas de perceber isso é a criação de mais de 50 núcleos com o apoio do edital 58, além da criação de vários cursos de agroecologia, inclusive, de pós-graduação. Isso mostra que tem crescido a importância da agroecologia nas instituições de ensino e pesquisa. No I Encontro Mineiro de Agroecologia (01/10), foi lançamento o Grupo de Trabalho para formular o programa de pesquisa da Empresa de Pesquisa Agroepecuária de Minas Gerais (Epamig). É a primeira vez que isso acontece nessa empresa.
Quais são as principais reivindicações dos que militam por avanços nessa área?
Primeiro o entendimento institucional de que a agroecologia é realmente uma ciência e tem como contribuir para reverter esse estado de degradação e insustentabilidade da agricultura brasileira. Ampliar o respeito pela agroecologia no meio científico-científico. Para issoé necessário que se entenda que a agroecologia não é só necessária e urgente. É preciso também compreender que o modelo de agricultura atual é insustentável. Outra coisa é ter recursos, porque sem eles não fazemos pesquisa em articulação com as comunidades. Na agroecologia, é muito importante valorizar o conhecimento dos agricultores e agricultoras das populações tradicionais, o conhecimento popular, e não tem como fazer esse tipo de pesquisa sem recursos. O recurso é importante nesse sentido, mas não é a única coisa. É preciso também que a ciência comece a repensar as suas formas e métodos de fazer pesquisa e de construir conhecimento
Como a ABA tem visto esses editais?
Houve uma discussão na diretoria sobre esse tema, e fizemos uma carta com o posicionamento da ABA junto com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e reivindicamos o lançamento do novo edital de apoio aos núcleos de agroecologia. Essa carta é um documento importante.
O Seminário Nacional de Educação em Agroecologia, que ocorreu em Pernambuco, trouxe elementos para essa área?
O I SNEA foi de construção de conhecimento do campo agroecológico. Nele foram elaboradas várias propostas em relação à construção do conhecimento agroecológico. No VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em novembro, Porto Alegre (RS) continuaremos a discussão. Este é um processo cumulativo apoiado pela ABA-Agroecologia.
Em relação ao Plano Nacional de Agroecologia (Planapo), há avanços nessa área?
Houve. A construção do conhecimento agroecológico está presente no Plano, com objetivos, diretrizes e metas. Mas precisamos de mais professores, pesquisadores e técnicos empenhados nessa construção. Precisamos do empenho das Unviversidades, da EMBRAPA, das Empresas Estaduais de Pequisa, das EMATERs, dos IFEs, enfim de todos, na construção do conhecimento agroeocológico. O conhecimento tem que ser construído de forma coletiva, contra a transferência de conhecimento. Temos hoje muitas críticas à Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), porque ela volta a essa história da hierarquia de que o professor, o pesquisador ou o técnico sabem e o agricultor não. Na agroecologia a gente trabalha de forma contrária a isso.
(*) Entrevista publicada no site da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).