Mais de setenta pessoas de todas as regiões do país, representando diversos segmentos da sociedade, sobretudo do meio rural brasileiro, participaram do Seminário Convocatório do III ENA, realizado entre os dias 11 e 13 de dezembro, em Luziânia (GO). Durante três dias houve uma intensa troca de informações e debates, na perspectiva da construção do III Encontro Nacional de Agroecologia (III ENA). Foram realizadas palestras com membros da ANA e estudiosos da agroecologia e do desenvolvimento rural, como Maria Emília Pacheco, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), e o economista Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), para fazer uma análise da conjuntura sociopolítica no Brasil. Depois os participantes se reuniram em cinco grupos, divididos pelas regiões do país, para sistematizar propostas para os encontros preparatórios locais e para o encontro nacional. Até o momento está prevista para o início de 2014 a realização do III ENA, e três lugares estão em estudo: Amazônia, São Paulo e Brasília. Uma carta convocatória do encontro será produzida nos próximos meses, fruto do processo de discussão durante o seminário.
De acordo com Silvio Almeida, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e do núcleo executivo da ANA, o seminário guardou uma grande coerência com a trajetória da articulação nesses dez anos de existência. Os principais focos, segundo ele, foram reforçados: a centralidade das experiências agroecológicas, que cresceram nos últimos anos, as políticas públicas como ferramenta para disseminação e democratização da agroecologia na perspectiva de transformação do modelo de agricultura hegemônico e a ampliação das alianças do campo agroecológico com diferentes setores da sociedade, como saúde e segurança alimentar e nutricional, para analisar e denunciar as ações do agronegócio e apoiar movimentos agroecológicos de resistência.
“Chegamos ao III ENA juntando todos esses componentes acumulados nesses 10 anos para fazer um movimento de extroversão da proposta agroecológica para o conjunto da sociedade. Devemos perguntar agora por que as pessoas devem estar interessadas em apoiar a agroecologia. Tanto como um sistema de organização do mundo rural, como um sistema através do qual são produzidos alimentos saudáveis, sem veneno, que não colocam em risco a saúde da população. São também de menores custos, portanto alimentos mais acessíveis que escapam do regime de produção e comercialização monopólica do agronegócio. Além da comunicação social e informação deve ser também um processo educativo para dizer a que vem a agroecologia”, afirmou Almeida.
A avaliação dos participantes do seminário é que o III ENA será um espaço de comunicação com a sociedade. Se o primeiro encontro foi de construção de uma identidade de diversos movimentos sociais com a agroecologia, e o segundo de denúncias dos impactos deletérios do agronegócio, o próximo evento apresentará a agroecologia como uma alternativa ao modelo hegemônico, concreta, já em curso por meio de várias experiências em todo o Brasil. Será uma atividade de afirmação do campo agroecológico para a população e os governos, levantando dados e apresentando informações sobre suas centenas de experiências. Algumas perguntas chaves vão nortear a apresentação dessas ações de resistência como uma alternativa viável de modelo de desenvolvimento. É importante ressaltar, conforme observaram no seminário, o caráter processual da construção desse encontro que não vai se esgotar em si mesmo. Faz parte de um processo desenvolvido há 10 anos e seguirá adiante na resistência dos povos e populações tradicionais.
“A agroecologia é capaz de abastecer os mercados com produtos saudáveis em qualidade e quantidade suficiente tal como é requerido pela sociedade? Ao responder essas perguntas devemos também responder quais são os principais obstáculos ao desenvolvimento da agroecologia hoje. Essa resposta incorpora a crítica ao agronegócio, à sua perspectiva universalista, de desterritorialização, de empobrecimento do campo, introdução de alimentos contaminados e de poluição ambiental. Por outro lado, devemos analisar o impacto das políticas públicas na produção a agroecologia: foi analisado pelo seminário que elas hoje são ferramentas de consolidação e expansão do agronegócio”, complementou Silvio.
De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da ANA, o encontro deve afirmar a agroecologia como parte fundamental da solução aos diversos problemas enfrentados hoje em função da grave crise ambiental vivenciada no mundo, que se manifesta também no Brasil e tende a se agravar. “Em tempos de mudanças climáticas que provocam enchentes e secas, de aumento dos índices de desmatamento, assoreamento de rios, perda de solos, poluição ambiental e contaminação dos alimentos, aumento dos custos dos insumos industrializados, a agroecologia tem muito a dizer. Produz alimentos de qualidade, reforça os mercados locais em oposição aos impérios alimentares, recupera a capacidade produtiva dos solos, conserva a biodiversidade, as sementes locais e as fontes de água, resgata o patrimônio inestimável de conhecimentos dos povos e comunidades. Queremos mostrar isso no III ENA, e convocar amplos setores da sociedade a apoiar as propostas do campo agroecológico, pois temos a clareza que os desafios principais são de natureza política, e se construirmos força política, o que só se faz com apoio da sociedade, podemos avançar muito mais, envolvendo muito mais agricultores e agricultoras e ampliando a escala das experiências agroecológicas no Brasil, o que exige apoio efetivo do Estado, o que não acontece hoje em dia”, afirmou.
A expectativa é de avanços no campo agroecológico, sobretudo na ampliação e consolidação das redes, e nas políticas públicas. Os movimentos, no entanto, reconhecem algumas limitações para a realização dos eventos, como a falta de recursos. Outra fragilidade apontada até o momento é a participação ainda tímida de indígenas e extrativistas, que fortaleceriam ainda mais a agroecologia. Por outro lado, os movimentos estudantis e da juventude estão se aproximando da ANA e devem participar de forma mais efetiva. A questão de gênero, em relação à importância das mulheres na construção da agroecologia, também deve ser ressaltada nesse processo.
O objetivo do III ENA, segundo as conclusões tiradas coletivamente no seminário, é chamar a população para apoiar a agroecologia no plano político e valorizar a produção de alimentos saudáveis. Entrar em sintonia com a sociedade para ampliar a agroecologia no país. Foi constituída uma comissão organizadora do III ENA com 19 representantes de todas as regiões do país, composta pela diversidade que retrata a ANA: camponeses, quilombolas, sindicalistas, acadêmicos, movimentos sociais, povos tradicionais, etc. Essa comissão está encarregada do processo preparatório, cujas atividades estão previstas para os âmbitos estaduais e regionais.
“É um processo de sistematização de experiências, de debates, produção de conhecimento, de divulgação e, sobretudo, de sintonia do campo agroecológico com diferentes segmentos da sociedade. Através de instrumentos de comunicação criativos, que não passam necessariamente pela grande mídia, para que a gente possa pensar em novos instrumentos e circuitos de comunicação que sejam mais amplos e efetivos”, concluiu Silvio Almeida.