Antes do diálogo entre os participantes na sistematização das propostas para o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), foi realizada na manhã de ontem (12) uma análise sobre os primeiros encontros e o processo de construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), além da questão da participação das mulheres nesses processos. Até o final do Seminário Convocatório do III ENA, realizado entre os dias 11 e 13 de dezembro, em Luziânia (GO), serão definidas as diretrizes, metologias, datas e local do maior evento de agroecologia que ocorre no Brasil. Mais de setenta representantes de diversas organizações estão participando do evento.
Destacaram que o I ENA, em agosto de 2002, ocorreu por causa da necessidade das redes se conectarem, e assumiu o caráter de um grande reconhecimento nacional entre entidades que estavam dispersas lutando por um modelo de desenvolvimento. Esse processo deslanchou na constituição da ANA, que foi fundada em dezembro de 2002. No II ENA, em 2006, as experiências agroecológicas estavam com uma plataforma de denúncia do agronegócio e construção de alternativas locais. Foi estabelecida uma unidade política em torno de um projeto com base em experiências concretas. Logo depois em 2010 houve o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, que foi um marco para o campo agroecológico ao estabelecer conexão com outros segmentos, como o de saúde e gênero. Apesar da hegemonia do agronegócio permanecer junto ao estado, houve um grande acúmulo das experiências agroecológicas nos últimos anos com novas forças nas universidades, ONGs, políticas públicas, pesquisas, que apontam a agroecologia como alternativa à crise civilizatória.
De acordo com Silvio Almeida, da AS-PTA, é preciso reafirmar que a ANA é uma rede aberta em busca de convergências com comunidades e organizações em torno de um projeto comum de desenvolvimento rural no Brasil que responda às maiorias rurais e urbanas. Para ele, os encontros cumpriram um papel de mobilização, pensamento e experiências que foram sintetizadas para fazer um balanço, pensar no futuro e criar uma identidade. O momento agora é de diálogo com a sociedade e visibilização das alternativas agreocológicas, complementou.
“Nos reencontramos num momento de afirmar a agroecologia como alternativa viável e necessária não apenas para o mundo rural, mas para o conjunto da sociedade. Precisamos de interlocução com setores mais amplos, e o primeiro desafio é conectar essas experiências concretas, sistematizar suas propostas e impactos. Criar referências, porque as experiências estão fragmentadas. É necessário mostrar, através de estudos, a vantagem comparativa da agroecologia nos vários domínios. O grande desafio é falar com o grande público sem passar necessariamente pela grande mídia. Fazer uma afirmação da ANA no conjunto da população”, afirmou.
Segundo Eugênio Ferrari, do núcleo executivo da ANA, é importante destacar o processo de construção da PNAPO na perspectiva de fortalecimento dos movimentos e reconstrução da própria articulação. Identificar os desafios e oportunidades dentro do atual governo, na sua opinião, torna mais clara a conjuntura para atuação dos movimentos. É preciso também, ainda segundo o agrônomo, reconhecer o avanço de algumas políticas (PAA, PNAE, etc) que contribuiram para agroecologia e pressionar outras que continuam com o enfoque da difusão de tecnologias e não reconhecem os saberes e experiências locais.
“Os governos Lula e Dilma estão deliberando um modelo de desenvolvimento que vai contra tudo que a ANA defende, mas precisamos avançar nesse diálogo sem abdicar do nosso papel crítico. Temos a clareza que uma PNAPO vai ter limites nesse contexto, mas vamos continuar tensionando nos temas estruturais e avançar em temas possíveis. A PNAPO deve ser um instrumento de desenvolvimento da diversidade da agricultura familiar nos territórios, a territorialização das políticas como pré condição para o desenvolvimento, que também deve ser a base do III ENA”, observou.
A avaliação de Ferrari é que a PNAPO não deve ser uma mera política ambiental, de técnicas ou de mercado, e sim centrada na promoção da agricultura familiar como base social e econômica do desenvolvimento rural. É preciso ampliar a escala das experiências, e seguir os princípios e premissas que foram propostos coletivamente durante o processo de construção da PNAPO, como a função social da terra. A ANA fortaleceu sua expressão política nesse processo, e agora é preciso melhorar o debate com os governos locais na preparação do III ENA e aproveitar a entrada da agroecologia na agenda de muitos movimentos após o último encontro unitário das organizações populares.
A participação das mulheres na construção do campo agroecológico foi abordado por Noemi Krefta, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Ela destacou que o gênero feminino contribue com a agroecologia desde a descoberta da agricultura, devido ao seu poder de percepção do cuidado com a sua prole e o desenvolvimento da natureza. Ela sempre construiu saberes que foram difundidos pelas gerações, que foram ampliados e melhorados oralmente através do tempo, complementou.
“Há o risco disso se perder, e com a questão da ciência e a disputa capitalista é preciso reconhecer o saber tradicional. Além disso, sempre foi negada a possibilidade das mulheres estudarem e escreverem, embora elas tragam a preocupação com a produção do auto sustento: a horta, o pomar, as plantas medicinais, o jardim, tudo o que faz parte do meio ambiente e do bem estar das pessoas. Quando ela cuida das crianças cuida também da biodiversidade, das sementes e constrói um processo de preservação e melhoria da produção contra o modelo convencional, que utiliza agrotóxicos e adubos químicos”, concluiu.
O monocultivo não é capaz de prover toda alimentação, garante a barriga cheia mas sem a diversidade alimentar necessária para o equlíbio do organismo humano, disse Krefta. Esse modelo é também altamente patriarcal, as políticas são pensadas para o homem, de modo que as mulheres enfrentam dificuldades de acesso aos instrumentos. A PNAPO, nesse sentido, precisa contemplar a necessidade das mulheres como um todo: “A agroecologia precisa repensar a cultura camponesa para ter sustentabilidade”, concluiu.