Por Verônica Pragana, da Asacom
Na semana passada, a proposta defendida pela sociedade civil para o desenvolvimento sustentável do Semiárido – a convivência com a região, ao invés de ações de combate à seca – foi tema central de discussão no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em Brasília.
Representantes de vários ministérios e a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Tereza Campello, estavam presentes na plenária que teve a participação inédita de uma agricultora familiar do Semiárido. A forte presença do governo federal é um termômetro que indica que o tema ganha cada vez mais espaço na pauta política dos nossos governantes.
O Consea é uma instância formada pela sociedade civil e governo, que discute políticas públicas relacionadas com a temática da segurança alimentar e nutricional para aconselhar ações da presidência da República.
A plenária resultou na produção e aprovação de um documento que defende alguns princípios e ações pautados na convivência com o Semiárido. Este documento é endereçado à presidente Dilma e funciona como uma orientação para a atuação do poder público federal na promoção da segurança alimentar e nutricional no Semiárido.
Segundo Naidison, este texto assinado pelo Consea é forte e apoia praticamente todas as ações que a ASA desenvolve. “Agora ao invés de citar a ASA, vamos citar o Consea”, diz ele para evidenciar o respaldo do Conselho para a ação da rede.
Confira a entrevista!
Asacom – Qual a sua avaliação desta primeira plenária do Consea para discutir o projeto de desenvolvimento para a região semiárida, defendida pela ASA, que é a convivência com o Semiárido?
Naidison – Eu avalio que tivemos uma plenária muito boa com a presença de autoridades do governo, a ministra Tereza Campello [do Ministério do Desenvolvimento Social], a secretária Maya Takagi [de Segurança Alimentar e Nutricional, do MDS], o diretor Marcos Del Fabro, dos secretários do Desenvolvimento, da Integração Nacional, do MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], do MMA [Ministério do Meio Ambiente], em suma de representações boas de espaços governamentais que trabalham no Semiárido. Desse ponto de vista foi muito boa e da representatividade da sociedade civil também.
O Consea em peso estava presente. O Conselho tem dois terços de pessoas da sociedade civil, tinha o representante da ASA e de outras organizações e todos estavam ao redor do tema Semiárido. E a avaliação foi muito positiva porque o debate foi muito bom e a exposição de motivos que vai ser entregue à presidente da República foi centrada na perspectiva da convivência com o Semiárido e da cultura do estoque e também de algumas ações emergenciais. Não podemos esquecer que estamos numa dimensão de emergência com esta seca e precisamos ter respostas também emergenciais. Foram tratados dois leques de assuntos – os emergenciais e os estruturantes – e o enfoque era dizer que era importante trabalhar os emergenciais, mas o mais importante ainda era trabalhar os estruturantes para que outra seca que possa acontecer pegue o Semiárido mais preparado para conviver com ela.
Asacom – Como aconteceu a construção da Exposição de Motivos e qual a força política deste documento?
Naidison – O Consea atua por recomendações e por exposição de motivos. São as duas modalidades de atuação formal do Conselho, que tem o papel de aconselhar à presidência da república sobre questões de segurança alimentar e nutricional. Nesse campo, a estratégia básica do Consea quando ele quer discutir algum tema de segurança alimentar é a seguinte: pedir ao governo que explicite suas ações naquele campo específico. Então o governo levou um documento mostrando quais são suas ações no campo da segurança alimentar e da convivência com o Semiárido e, ao mesmo tempo, encarregou um grupo de pessoas do Consea para elaborar uma minuta prévia de uma exposição de motivos, que passa pelas comissões de trabalho do Conselho na véspera da plenária; é aperfeiçoado e, então, se leva para plenária. Essa exposição de motivos é lida e debatida, cortada elementos, debatidas questões e esse documento final vai ser entregue à presidente da república.
O documento tem uma força política pelo fato de sair do Consea, que convocou várias autoridades políticas para debater o assunto e elas ficaram lá dois dias debatendo a convivência com o Semiárido. Isso nunca aconteceu! Essa força política já aconteceu e já está gerando questões. Questiona outros, recomenda ampliação de outras ações e tem a força política de ir para a presidente da república. Agora o que chega lá e o que sai de lá… às vezes chega uma resposta positiva, às vezes, negativa. O Consea rebate, rediscute. É um processo que vai gerando discussões e a gente vai gerando acúmulo e ganhos políticos com isso.
Asacom – Qual a importância da participação de uma agricultora num momento importante de reflexão e proposição de políticas públicas que garanta vida digna e justa para as famílias agricultoras do Semiárido?
Naidison – Houve um convite para a ASA para expressar o seu pensamento de convivência com o Semiárido, ligado ao processo de sua prática. Então, a coordenação executiva [da ASA] escolheu [Antônio, sociólogo e coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas] Barbosa, para que ele expressasse esse pensamento, e Joelma [Pereira], de Pernambuco, que expressou a vida dela a partir da dimensão da convivência com o Semiárido. Nós estamos construímos políticas a partir da prática, da intervenção, da concepção, da expressão da sociedade civil e a partir da vivência das pessoas da sociedade civil. A participação de Joelma foi muito boa, inclusive, testemunhos dela com relação a isso que mostraram fundamentalmente uma coisa: que a convivência é boa e é possível.
Asacom – Com sua participação ativa no Consea Nacional e nesta discussão sobre a convivência com o Semiárido, o que se evidencia com relação à disputa de poder entre o projeto hegemônico de desenvolvimento do Semiárido e o projeto proposto pela sociedade civil?
Naidison – É muito claro que temos um governo e propostas em disputa dentro do governo. Então, as coisas não estão dadas. As coisas estão a caminho de serem conquistadas ou a caminho de serem perdidas a depender de como você intervêm, trabalha ou faz. Ficou muito claro, em determinados momentos, a defesa do governo do projeto de transposição do São Francisco. E do lado de cá, a gente dizendo que isto não era convivência com o Semiárido. Isto era combate à seca. Isto era um pouco mais do muito que já se fez de enriquecimento dos mesmos, que era dirigida à concentração da água e da terra. Então, os argumentos que temos e que nos levam a concluir que [a transposição do] São Francisco não é convivência com o Semiárido e outras ações que nós classificamos como não convivência com o Semiárido. Este momento é de explicitar discursos e convergências, há convergência forte sobre cisternas, sobre tecnologias variadas de captação de água para produção, sobre quintais produtivos, sobre agroecologia… Há um conjunto de convergências que já são conquistas. Agora o que a gente tem que prestar atenção é que estas conquistas não escapulam pelos dedos, não desapareçam e prestar atenção como isso se amplia, como buscar mais aliados, como debatemos. E nós, da ASA, temos também que nos preparar melhor para determinados debates nestes espaços. Às vezes, nós nem sempre fazemos o debate que é o mais adequado. Então, precisamos também olhar, refletir, avaliar o que fizemos.
Mas eu avalio que foi um ganho muito forte e uma perspectiva muito significativa para o Semiárido porque é um conselho da presidência da República, que vai emitir um texto, que é um texto forte, de apoio à praticamente todas as ações que a ASA desenvolve e mais algumas e de apoio à dimensão da convivência com o Semiárido. Isso nos respalda, e muito, de ações, de debates, de presenças nos espaços. Porque passamos a citar não a ASA, mas sim o Consea. E o fato da nossa prática, da nossa experiência sistematizada começar a fazer parte de um processo político amplo para o Brasil. E isso é de uma validade impressionante para o Brasil.
(*) Entrevista reproduzida da Asa Brasil.