Uma urgente transformação em direção a cultivos ecológicos é o único caminho para colocar fim à fome e enfrentar os desafios da mudança climática e a pobreza rural, disse Olivier De Schutter, Relator Especial das Nações Unidas para a alimentação, depois de apresentar seu informe anual (que teve como foco a agroecologia e o direito à alimentação) ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

 

“Os processos industriais não imitam a natureza, a agroecologia sim o faz. Substitui os insumos externos como o fertilizante por saberes de como combinar plantas, árvores e animais de tal forma que se reforce a produtividade da terra”, disse De Schutter e enfatizou que “a produtividade aumentou até 214% em 44 projetos em 20 países da África Subsaariana mediante técnicas de agroecologia em um período de 3-10 anos … muito mais do que qualquer cultivo geneticamente modificado alguma vez já tenha conseguido”.

Outras avaliações científicas recentes mostraram que os camponeses de 57 países que utilizam técnicas agroecológicas obtiveram aumento de até 80% na produtividade. O aumento médio dos africanos é de 116%. “Hoje, a evidência científica demonstra que os métodos agroecológicos são muito melhores do que os fertilizantes químicos para aumentar a produção de alimentos em regiões onde vivem os famintos”, disse De Schutter.

A agroecologia aplica a ciência ecológica no desenho de sistemas agrícolas. Ressalta a produtividade do solo e protege os cultivos contra as pragas através de elementos naturais.

Os cultivos ecológicos não requerem agrotóxicos nem fertilizantes de base fóssil, nem maquinaria e nem híbridos. Os esforços dos governos e dos principais doadores, como a Aliança para uma Revolução Verde na África (conhecida como AGRA, por sua sigla em inglês) que investem 400 milhões para subsidiar sementes híbridas e fertilizantes químicos para intensificar a produtividade, não são sustentáveis em longo prazo, disse De Schutter.

Fundações como a Gates e a Rockefeller julgam que o Malawi é uma história de sucessos, e subsidiaram ao país níveis enormes de fertilizantes, provocando uma melhora na produção de alimentos. No entanto, o país não pode se dar ao luxo de continuar com esses subsídios e está mudando sua estratégia para uma produção agroecológica. “O governo de Malawi agora subsidia os camponeses para que plantem árvores fixadoras de nitrogênio em suas lavouras visando garantir um crescimento sustentável na produção de milho”, disse o Relator Especial.

De Schutter diz que a AGRA busca resultados rápidos e os consegue. Foi difícil para ele apagar as suspeitas que os proponentes da AGRA mantêm com relação à agroecologia, em que pese a evidência crescente, “porque é de se esperar que os países expressem ceticismo diante de soluções que não concordam com o paradigma dominante”.

A visão dominante da agricultura é o enfoque industrial “de maximizar a eficiência e a produtividade. Entretanto, tal sistema é tremendamente dependente dos combustíveis fósseis e nunca lhe são cobradas contas da degradação ambiental e de outros impactos. Dos menos reconhecidos são os brutais impactos sobre a mudança climática. É justo dizer que entre 45 e 50% de todas as emissões humanas de gases de efeito estufa provêm das formas atuais como se produzem os alimentos”, disse De Schutter.

As emissões danosas ao clima que provêm da agricultura industrial são muito mais do que só o dióxido de carbono dos combustíveis fósseis utilizados nos agroquímicos. Incluem quantidades maciças de metano proveniente da criação intensiva de animais e óxido nitroso dos fertilizantes químicos. Se acrescentarmos o desmatamento – que é o que ocorre quando se aumentam as terras agricultáveis para implantar monocultivos – teremos aí cerca de um terço de todas as emissões. Se acrescentarmos as emissões de todo o processamento de comida e as enormes distâncias implicadas no transporte de alimentos por todo o mundo estamos próximos de quase a metade de todas as emissões.

Mas o sistema alimentar poderia não ser uma fonte importante de emissões. O problema é que agora se baseia em uma energia fóssil barata, disse. Uma prática ecológica de cultivos pode produzir mais comida para as pessoas mais pobres do mundo e reduzir as emissões. Pode, no processo, voltar a capturar carbono nos solos.

O movimento internacional de milhões de camponeses conhecido como Via Campesina tem insistido nesse ponto pelo menos desde 2009. “Os camponeses da Via Campesina e outros camponeses podem esfriar a terra”, disse à IPS Chavannes Jean Baptiste, um camponês haitiano.

 “A evidência é irrefutável. Se podemos mudar a forma de cultivo e a forma como produzimos e distribuímos os alimentos contamos com uma poderosa solução para combater a crise climática”, afirma Henk Hobbelink, coordenador do GRAIN, que em 2009 produziu um informe que mostra que a agricultura industrial e seu sistema alimentar associado é a maior fonte de gases de efeito estufa. “Não há remendos técnicos que nos façam obter esses resultados. É um problema de vontade política”, diz Hobbelink.

De Schutter afirma que com evidências tão sólidas, o papel que ele tem é conseguir que os governos mudem suas políticas para respaldar essa transformação. “As companhias não investirão tempo e dinheiro em práticas que não lhes dêem patentes ou não lhes abram mercado para suas sementes ‘melhoradas’ e seus produtos químicos”, disse o Relator.

 “Se não transformamos radicalmente a direção do sistema alimentar mundial nunca poderemos alimentar o bilhão de famintos, nem a nós mesmos no futuro”. http://ipsnews.net/news.asp?idnews=54768

(*) Matéria reproduzida da página Grain