Desafios da agroecologia – por Raquel Torres
Agricultura familiar, agronegócio, alimentação saudável, educação do campo, uso de agrotóxicos e alimentos transgênicos foram alguns dos temas discutidos durante o 2o Encontro de Agroecologia do Rio de Janeiro, realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) entre 5 e 7 de agosto. Mais de 300 pessoas se reuniram durante o evento, cujo tema foi ‘Caminhos da transição agroecológica pela soberania alimentar’.
Paulo Petersen, coordenador-executivo da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), aponta a agricultura familiar como uma das saídas para a crise de alimentos e para a degradação do meio ambiente. Ele participou do painel ‘Conjuntura da transição para a agroecologia’, em que apresentou uma série de reportagens publicadas no Brasil e em outros países desde os anos 1970 e que tratavam da questão dos alimentos. A análise do material mostrou que, enquanto 30 anos atrás se acreditava que a fome no mundo seria superada com a maior produção de alimentos, hoje se percebe que, embora a produção seja mais que suficiente, há quase um bilhão de pessoas passando fome.
Em família
Para Petersen, uma das razões para isso é que os países que produzem insumos agrícolas o fazem, em grande parte, para exportação, e não para consumo da população. “No Brasil, vemos cada vez mais a expansão da cultura de soja e cana – e o pior é que se espera aumentar ainda mais essa produção”, comentou, completando: “A produção está muito afastada do consumo, e essa é uma das causas da crise. É por isso que há monoculturas. Se produzíssemos para consumo, com base na agricultura familiar, teríamos maior diversidade”. Ele citou as soluções propostas pelos “ideólogos do agronegócio”, publicadas recentemente no jornal Financial Times: promover ajuda humanitária aos que sofrem com a fome; deixar de lado a proteção aos mercados internos; e expandir a produção de produtos transgênicos. Petersen acredita que isso não apenas não resolve o problema da fome – já que, por essa lógica, as monoculturas continuam prevalecendo – como também compromete cada vez mais o meio ambiente. “O avanço do agronegócio devasta reservas ambientais e está baseado em um modelo afastado da natureza, com cada vez mais artificialidade química”, afirmou, dizendo que a solução do problema passa pela agroecologia e pela soberania alimentar, energética e tecnológica.
Ele também criticou duramente o apoio financeiro público que se dá aos grandes ruralistas, em detrimento dos pequenos produtores. Segundo Petersen, cada vez mais crédito é disponibilizado para o agronegócio, ao mesmo tempo em que as dívidas são constantemente perdoadas: ele citou uma reportagem deste ano da Radioagência NP que afirma que o governo deixaria de receber R$ 9 bilhões por conta do perdão a dívidas desses produtores – enquanto disponibilizaria mais de R$ 120 bilhões em crédito. “A produção familiar ocupa apenas 24% das terras, enquanto soma 84% dos estabelecimentos agrícolas. Precisamos lutar para mostrar que existimos”, ressaltou, apresentando dados que indicam que o investimento em agricultura familiar seria mais eficiente para a geração de riqueza para o país: “A agricultura familiar produz anualmente R$ 54 bilhões, menos que os R$ 84 bilhões do agronegócio. No entanto, isso ocorre porque há menos terra nas mãos dos pequenos produtores – quando se analisa a produção por hectare, vê-se que a agricultura familiar gera R$ 677 por ano, contra R$ 358 dos grandes produtores”.
No mesmo painel, Marina Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, apresentou o vídeo ‘A agroecologia no Rio de Janeiro’, que mostra a realidade dos pequenos produtores no estado. Entre os participantes do encontro, era recorrente a reivindicação por maiores espaços de divulgação da agricultura familiar e dos problemas do agronegócio. As feiras realizadas em alguns municípios têm se mostrado uma boa estratégia para isso, segundo os produtores: resgatam-se produtos que não são mais encontrados em mercados tradicionais, enquanto o consumidor fica mais próximo do produtor, sabendo de onde veio o alimento que irá adquirir e como ele foi produzido.
Houve também críticas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Segundo os participantes, o Estado não está preparado para garantir direitos que já estão institucionalizados: muitas vezes, recursos previstos para os pequenos agricultores não conseguem ser operacionalizados em tempo hábil e acabam tendo que voltar para os cofres públicos. Além disso, em geral os recursos disponibilizados terminam sendo gastos com sementes e agrotóxicos, numa lógica que se impõe pelo agronegócio. A alternativa seria fazer a capacitação de trabalhadores para começarem uma transição agroecológica. Durante o encontro, pequenos produtores de diversos municípios do estado distribuíram sementes uns aos outros, numa prática que, segundo eles, deve se tornar mais comum. Denis Monteiro, um dos organizadores do evento, explica: “É preciso garantir aos agricultores o direito de usar a biodiversidade. Parece fácil, mas não é o que o modelo do agronegócio faz – nesse modelo, a biodiversidade é propriedade, não é de uso livre dos povos. E, nessa lógica, a semente é mercadoria. Já na lógica da agroecologia, ela é vida, pois serve para produzir alimentos e desenhar um sistema de produção equilibrado do ponto de vista ecológico”.
Educação
“Não vou sair do campo para poder ir à escola, educação no campo é direito, e não esmola”. Os versinhos acompanhados pelo violão traziam mais uma demanda dos participantes do encontro: a educação no campo, tema de um dos seminários apresentados. A UFFRJ vai começar, já em setembro, um curso de licenciatura em educação no campo, voltado principalmente para assentados e filhos de assentados – é a primeira experiência desse tipo no estado do Rio.
Elisângela Carvalho, integrante do MST que já concluiu um curso semelhante na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), participou da mesa, contando suas experiências e dificuldades. Para ela, o mais importante quando se pensa em escolas públicas de qualidade nas áreas rurais é não deixar de pensar “a pessoa do campo, no seu contexto”: “Campo, política pública e educação: não dá para pensar esses três itens separadamente”, disse.
Ela afirmou também que as escolas do campo hoje são em sua maioria sucateadas, com educadores que vêm das áreas urbanas e não estão preparados para lidar com a identidade rural de seus educandos – daí a importância de cursos de licenciatura especializados.
Troca de experiências
Além dos painéis e seminários, o encontro teve ainda cerca de 20 oficinas para troca de experiências entre os participantes, que passaram a última manhã do encontro em grupos como os de agricultura urbana agroecológica, artesanato com sementes, associativismo e organização social, economia solidária, ervas medicinais, apicultura, irrigação e saneamento ecológico.
Fernando de Souza, agrônomo formado pela UFRRJ, foi ao encontro buscando participar das conversas sobre os saberes, métodos e dificuldades de outros trabalhadores, e com o objetivo de fazer parte da oficina de práticas agroflorestais. As expectativas foram alcançadas, mas ele acabou se interessando ainda por outra área: “Agora estou pensando em fazer a licenciatura em educação no campo”, contou, após as discussões sobre o tema. “Não vim com esse objetivo, apesar de já me interessar pelo assunto, mas estou ficando animado. Ainda preciso saber mais sobre o curso, mas fiquei com muita vontade de fazê-lo”, disse.
No fim do encontro, uma carta de reivindicações foi lida e aprovada pelos participantes, com demandas como a reforma agrária, o fim da criminalização dos movimentos sociais, a inclusão da agroecologia na educação do campo e a massificação do acesso aos créditos rurais.
Leia aqui o documento na íntegra.
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