A presidenta Dilma Rousseff lançou na tarde de ontem (03/05), no Palácio do Planalto, em Brasília, o Plano Safra da Agricultura Familiar 2016-2017, com um orçamento de R$ 30 bilhões. Com a presença de mais de dez ministros, também foram anunciados o I Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, a regulamentação da Lei 13.001/14 que consolida normas de seleção para permanência e titulação das famílias no Programa de Reforma Agrária, o II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e um decreto de reformulação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), dentre outras iniciativas.
Segundo a presidenta, a agricultura familiar é muito importante tanto para os que vivem dela quanto para os consumidores, e é uma atividade econômica importante para o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Tem condições de gerar emprego, renda e é estratégica para o Brasil, acrescentou. “Desde o início do governo Lula tivemos uma imensa evolução. A primeira parte diz respeito ao financiamento: se no início eram R$ 2,5 bilhões, hoje são R$ 30 bilhões. Hoje temos financiamento adequado, com juros subsidiados, o que muitas vezes irrita bastante aos que acreditam que a agricultura familiar poderia ser deixada às livres forças do mercado. Agora os agricultores são capazes de viver da renda do seu trabalho de forma digna”, disse.
A presidenta fez questão de destacar a importância do diálogo qualificado entre o governo e os movimentos sociais. Ressaltou também que as políticas de compras governamentais, tais como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) são fundamentais para sustentar o crescimento dos mercados para os agricultores familiares.
“Estamos muito felizes com esse Plano nessas bases, mas temos sempre de avançar. Qualquer conquista é só o começo, e tivemos algumas: a assistência técnica vai fazer diferença para a agricultura familiar brasileira, definimos e asseguramos recursos para que 600 mil famílias continuem recebendo Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) com foco na agroecologia e parte dela direcionada às mulheres. Tivemos a consciência de construir a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) e o PAA junto ao PNAE, e essa decisão de que 30% de todas as compras da união sejam da agricultura familiar constrói uma demanda muito forte. Esse processo está em curso e afirmamos que, além de existir no presente, tem futuro”, defendeu a presidenta.
Em relação à conjuntura política, Dilma afirmou que a democracia brasileira sofre um assalto e está sendo vítima de uma fraude de um grupo que quer chegar ao poder através do caminho fácil, que não passa pela constituição que prevê o voto direto e secreto do povo brasileiro. Reafirmando que não renunciará, ela disse que não vai colocar a injustiça para debaixo do tapete, pois seria extremamente confortável aos golpistas a sua invisibilidade.
“Se eu for comparar todos os presidentes que me antecederam, a situação é extremamente estranha. Quem fez mais decretos foi o FHC com 101. Falaram que eu não estava cumprindo a meta fiscal. Esses decretos não são de autoria minha. É claro que as razões do impeachment são outras. Não tinham o que acusar, e estão construindo acusações. Mesmo com pautas bombas, de quanto pior melhor, conseguimos garantir o Minha Casa Minha Vida, o Plano Safra e não estamos deixando o país parar. O pior é que as propostas que eles apresentam para a sociedade são todas contrárias à eleição e à chapa que ganhou. Está em curso um golpe contra os mais de 54 milhões de votos, até mais, porque o restante respeitou o resultado”, criticou.
De acordo com o Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Patrus Ananias, apesar do cenário econômico e político do país o novo plano atesta o elevado compromisso do governo com a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável para o Brasil. É um legado ousado, acrescentou Ananias, construído a partir do início de 2003 com o governo Lula, quando o MDA contava com apenas uma política pública: o crédito Pronaf, que tinha menos de 10% dos recursos atuais.
“O Plano Safra da Agricultura Familiar 2016-2017 mantém o compromisso de continuar avançando, não só mantendo o que já foi conquistado, como dando novos e importantes passos em direção a um projeto de desenvolvimento rural sustentável, com base na agricultura familiar e na reforma agrária como principais fornecedores dos alimentos que promovem a segurança alimentar dos brasileiros”, disse.
Segundo ele, através do diálogo com os governos estaduais e municipais, o parlamento e a sociedade civil e movimentos sociais foi feita uma verdadeira revolução. A reconstrução da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, a criação de políticas de compras públicas, como PNAE e PAA, o aumento em doze vezes no crédito a um perfil mais diversificado de beneficiários, bem como o avanço da política territorial e da governança fundiária, foram alguns exemplos nesse sentido. A intenção do governo é que os alimentos do povo brasileiro sejam mais baratos, com mais qualidade e sustentáveis, acrescentou o ministro.
“Serão destinados R$ 30 bilhões para o crédito do Pronaf para financiamento da produção de alimentos saudáveis com redução de juros de 5,5% para 2,5% ao ano nas operações voltadas à produção de alimentos. O limite de crédito por ano agrícola passa de R$ 250 mil no custeio, e chega a R$ 330 mil em investimentos. Aumenta o apoio às cooperativas, e o seguro da agricultura familiar terá a cobertura de 80% da renda bruta esperada. Consolidamos a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) com 18 metas para 20016, com R$ 31 milhões de recursos para realizar contratos e serviços: um marco histórico da agricultura familiar. O MDA e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) continuarão com 600 mil famílias atendidas com base agroecológica, além de 11.800 na convivência com o semiárido”, exemplificou o ministro.
Movimentos em defesa da democracia
Durante a cerimônia foi divulgado o “Manifesto em Defesa da Agricultura Familiar e da Agroecologia”, assinado por 67 movimentos sociais e redes da sociedade civil, incluindo a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). No documento, as organizações ressaltam que “não serão admitidas quaisquer tentativas de desmonte das estruturas que sustentam a efetivação de referidas políticas públicas, nem mesmo propostas que atentem contra a existência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e contra os processos de demarcação dos territórios indígenas, ameaçados pela PEC 215, e de regularização dos territórios das comunidades tradicionais.” E destacam “a necessidade de manutenção do MDA e das politicas por ele executadas, bem como do seu modelo de participação social através do CONDRAF, sem que se altere o seu conteúdo original que fez do Brasil um modelo defendido inclusive pela FAO. Os milhões de beneficiários destas políticas não permitirão que as mesmas sejam eliminadas ou deturpadas sem uma forte reação de caráter nacional.”
Segundo Anderson Amaro, da Via Campesina e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), os movimentos têm construído uma frente ampla de luta e unidade popular em defesa da democracia. É necessário, segundo ele, construir uma governabilidade com o povo e se apoiar nos trabalhadores com a participação popular por mais direitos e alargando a nossa jovem democracia.
“Esse equilíbrio pode ser buscado através do Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pronara), do limite das propriedades, com a implementação do Programa Camponês, que significará a inclusão de 2 milhões de famílias que estão fora do Brasil Sem Miséria e do Pronaf, e da retomada do PAA, além do fortalecimento do PNAE e da ATER. Também com o fortalecimento da moradia camponesa dentro do Minha Casa Minha Vida 3. Queremos fortalecer a relação com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e não queremos a extinção do MDA, como prega a bancada ruralista. Esse equilíbrio é muito importante para que não morram mais pessoas, como em Eldorado e recentemente no Paraná, assassinados por aqueles que detêm o poder e o latifúndio”, afirmou.
Amaro defendeu ainda a demarcação de terras indígenas, quilombolas e pesqueiras que, na sua visão, são seus verdadeiros donos e parte da base cultural e material para um projeto de Brasil. “Foi através do nosso suor que esse país cresceu. Impeachment sem prova é golpe, e não aceitamos. A Via Campesina esteve e ficará ao lado certo da história pela democracia. Lutaremos com ousadia, sem trégua contra os golpistas e em defesa da reforma agrária popular”, concluiu.
Ao fazer um balanço dos mais de dez anos de construção do Plano Safra, Elisangela dos Santos Araújo, representante da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), destacou o reconhecimento de um segmento tão importante para produção de alimentos e a riqueza do país. Muitas ações políticas valorizaram e deram visibilidade ao setor, e os movimentos de mulheres estão indignados com o golpismo das elites e políticos que não têm responsabilidade com o país, complementou.
“A indignação é muito maior para nós mulheres, porque o que acontece com a presidente em sua honestidade é fruto de uma sociedade patriarcal, machista e conservadora. Sabemos o quanto é difícil ter uma mulher liderança, e nossa luta por igualdade dos direitos das mulheres vai aumentar porque o movimento social popular não vai dar trégua nem permitir o retrocesso no Brasil. Lutamos por outra perspectiva, se avançamos tirando milhões de pessoas da pobreza, vamos continuar lutando pela igualdade social. Pelo Brasil que respeita as mulheres e pensa na juventude e que acredita na agricultura familiar como um segmento que produz alimento saudável e contribui para o desenvolvimento econômico e social do país. Não dá para aceitar o golpismo da mídia brasileira e dessas elites que nunca tiveram compromisso com o desenvolvimento”, criticou.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, disse que o lançamento ocorre durante uma enorme crise política que desenha um processo muito sério de interrupção da democracia. Após muito suor, sangue e luta do povo brasileiro, segundo ele, é em cima dos trabalhadores, acampados, assentados, dentre outros setores da agricultura familiar, que caem as forças conservadoras, mas haverá resistência.
“Este ato de lançamento é importantíssimo para o país e a agricultura familiar, por isso devemos destacar os avanços e inovações: apoio ao cooperativismo, linhas de crédito para produção de alimentos, juros baixos nos investimentos etc. São avanços importantes para agricultura familiar brasileira, como a medida de apoio à juventude rural que é quem vai produzir alimentos nos próximos 20 anos, incentivando sua livre permanência no campo. Apelo ao Banco do Brasil, aos governos estaduais, municipais, dentre outros, que se empenhem para divulgar e qualificar esses créditos para continuar a produzir alimentos tão importantes para o nosso país. Não vamos aceitar a eliminação das políticas, o fim da Conab e do MDA. Vamos lutar pela democracia e melhoria das políticas públicas e não aceitaremos retrocessos”, concluiu.
Fotos: Roberto Stuckert Filho/PR