Rodas de conversa organizadas pelo movimento agroecológico e da agricultura urbana carioca promovem o debate sobre agricultura urbana na capital fluminense. O terceiro encontro aconteceu no dia 22 de novembro.
Lívia Bacelete, comunicadora da iniciativa Agroecologia nos Municípios.
“Se o campo não planta, a cidade não janta” tem sido uma máxima repetida pelo movimento camponês, agroecológico e de luta pela terra nos últimos anos. Afirmar a importância da agricultura familiar na alimentação das brasileiras e dos brasileiros é essencial, mas o município do Rio de Janeiro vem reivindicando uma pauta também central para a soberania e segurança alimentar: a importância da agricultura urbana.
Através de quatro rodas de conversa com o tema “A cidade também planta”, a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), a Rede Carioca de Agroecologia Urbana (Rede Cau) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), por meio da iniciativa Agroecologia nos Municípios, estão fomentado a discussão de diversas questões que permeiam a importância da valorização e da promoção de políticas públicas voltadas para a agricultura urbana. No dia 22 de novembro, foi realizada, de forma virtual, a terceira roda de conversa com o tema “Agricultura Urbana”.
O consultor estadual da iniciativa Agroecologia nos Municípios, Talles Reis, explica que a escolha do nome das rodas foi fruto de um processo coletivo de reflexão que questionou o pensamento hegemônico de que a cidade é um espaço somente de consumo de mercadorias: “O desenvolvimento da cidade capitalista exige e impõe várias alienações que nos impedem a visão da totalidade, uma dessas é a de que a produção de alimentos é restrita ao campo e que o urbano é local da produção industrial e do consumo generalizado”.
Segundo Talles, afirmar que “a cidade também planta” é um grito contra-hegemônico que carrega em si uma outra concepção de cidade e, consequentemente, de sociedade também. “Nas grandes cidades, isso é mais necessário ainda, pois significa refletir sobre o uso público e privado das áreas urbanas. O que é mais importante num bairro populoso, a construção de um prédio ou de uma horta agroecológica para sustento das famílias?”, questiona. Ele afirma que “a cidade também planta” é o sonho de uma outra cidade: “um desejo que já é praticado no dia a dia por centenas de famílias produtoras que resistem e carregam consigo essa esperança”.
Rodas de conversa
Com o tema “Plano Diretor do Rio de Janeiro”, a primeira roda de conversa foi realizada no dia 19 de setembro de forma virtual, com a participação de cerca de 70 pessoas. Na programação, as/os participantes refletiram sobre o território e os sistemas alimentares; a organicidade do território com agricultura; os desertos alimentares; e os territórios quilombolas carioca.
A atividade teve início com uma contextualização feita pela integrante da Rede Cau, Bernadete Montesano, sobre a reelaboração do Plano Diretor e a participação da sociedade civil organizada nesse processo. A partir da perspectiva das agricultoras, agricultores e das organizações do movimento agroecológico, Bernadete destacou quatro pontos que não foram tratados no Plano: a invisibilidade dos territórios quilombolas; a não inserção de territórios de agricultura na área urbana do município; o abastecimento e os sistemas alimentares; e os desertos alimentares.
Ressaltando que a palavra alimento sequer aparece na minuta do Plano, Bernadete destacou que os gestores públicos querem dividir a cidade, inserindo algumas zonas agrícolas para a prática da agricultura: “A gente não concorda com isso! Achamos que a agricultura tem que ser praticada em toda a cidade. São várias agriculturas, então a gente vem em um processo bem maior. Trouxemos para a discussão a questão dos sistemas alimentares, porque não é só a agricultura que queremos tratar, mas também da segurança alimentar, da soberania alimentar, da questão do abastecimento”.
Leonídia Coelho e Alice Franco, moradoras da comunidade quilombola Dona Bilina, afirmaram com indignação que a ausência dos quilombos no Plano Diretor não é novidade, uma vez que o documento reflete o racismo estrutural da sociedade brasileira, que nega os quilombos, sua identidade, sua memória e, também, sua agricultura. “Quando a zona oeste foi tomada pelo urbanismo, que foi ocupando todas as áreas de plantio, foram nos maciços, onde hoje estão presentes os quilombos, que a agricultura se manteve mais fortemente e que impediu que essa área, chamada de Parque da Pedra Branca, fosse ocupada. Então, o que produz a resistência é exatamente a agricultura e, hoje, a agricultura quilombola é invisibilizada pelo Plano Diretor”, destacou Alice.
Alice destaca a resistência das comunidades com a produção comunitária, que pensa no outro, no alimento saudável, sem agrotóxico: “De uma horta vai surgindo outra. As sementes de uma horta vieram lá do morro de outra horta e vão se multiplicando. A gente vai doando e reproduzindo outras hortas dentro ou fora do maciço. Vamos fazendo esse exercício de continuidade”.
Assista AQUI a 1ª roda de conversa “A Cidade Também Planta”:
A segunda roda de conversa integrou a programação da Semana da Alimentação Carioca (SAC) e teve como tema “O abastecimento e comercialização no Rio de Janeiro”, realizada no dia 19 de outubro de forma virtual. Com transmissão pelo Youtube, a atividade contou com a participação de 80 inscritos e mais de 350 visualizações. Entre os temas discutidos, estavam as feiras, as compras institucionais, a comunicação e a organização de consumidoras/es.
Assista AQUI a 2ª roda de conversa “A Cidade Também Planta”:
Durante a atividade, a consultora nacional da Agroecologia nos Municípios, Emília Jomalinis, explicou sobre a importância de se compreender a ideia de abastecimento alimentar a partir de uma visão ampla, não apenas como encadeamento de atividades ou de um enfoque parcial, focado apenas na produção ou em alguma outra etapa que o compõe: “não é simplesmente uma questão de produção, armazenagem e distribuição, é um sistema integrado que se estende da produção ao consumo e no qual, tanto o Estado como a sociedade civil, figuram como atores relevantes”.
A integrante da UNACOOP (União das Associações e Cooperativas de Pequenos Produtores Rurais do Estado do Rio de Janeiro), Margareth Teixeira, apresentou o trabalho das/os agricultoras/es urbanas/os cariocas durante a pandemia e reforçou que o Rio de Janeiro tem uma grande produção de alimentos. Margareth destacou a importância de políticas públicas de Estado para o incentivo a essa produção: “Se queremos alimentos saudáveis, se queremos uma alimentação de qualidade, um preço médio onde toda a população possa ter acesso a esse alimento, precisamos, principalmente, de assistência técnica e de extensão rural, precisamos que as pesquisas contribuam, de capacitação, de políticas públicas permanente. Não são aquelas políticas públicas de governo, tem que ser política de Estado e de incentivo para a produção”.
A integrante da Associação AFA (Associação dos Agricultores da Feira Agroecológica de Campo Grande), Juliana Braga, apresentou o trabalho no âmbito da comunicação popular, destacando a importância de se fazer comunicação nos espaços das feiras agroecológicas. Juliana explicou que o trabalho de comunicação nas feiras tem sido feito não como forma de divulgação, mas como formação política de consumidora/o e de lógicas de abastecimento. Para ela, “toda feira agroecológica é representação de um projeto de uma sociedade de bem viver, rumo à eliminação de explorações, então, a feira é uma das atividades desse projeto”.
A terceira roda de conversa aconteceu nesta segunda-feira, dia 22 de novembro, na qual se discutiu “A Agricultura Urbana”. A atividade também foi realizada virtualmente, aberta à participação dos interessados.
Assista AQUI a 3ª roda de conversa “A Cidade Também Planta”:
A quarta e última atividade terá como tema “Terra e Territórios”, na qual se aprofundará a reflexão sobre a produção de alimentos nos diferentes territórios cariocas, a relação com a cultura e as violências urbanas. A atividade acontecerá em dezembro, em data a ser confirmada.