Por Globo Ecologia,
Uma produção agrícola que se preocupa não apenas com a conservação do meio ambiente, mas também com a igualdade entre sexos, preservação de comunidades tradicionais e com o bem-estar do consumidor. Essa é a agroecologia. Aliando conceitos de ecologia e preocupação social com técnicas de agricultura, essa forma de trabalho ganha cada vez mais adeptos e pode transformar o modo de cultivo dos alimentos no país.
A agroecologia pode ser definida como um campo de conhecimento interdisciplinar, que alia a produção agropecuária com conceitos ecológicos. Assim como a agricultura orgânica, essa forma de produção dispensa o uso de agrotóxicos e adubos químicos industrializados, utilizando elementos naturais para produzir alimentos, sem degradar o solo, lençois freáticos ou cursos de água da região. Porém, as preocupações dos adeptos da agroecologia vão muito além da preservação do meio ambiente.
Secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia, Dênis Monteiro explica que ela é um campo de conhecimento interdisciplinar. Junto da preocupação com o meio-ambiente, a agroecologia trabalha com questões de sustentabilidade econômica, social, política e ética. Ela luta por questões como melhoria do acesso à terra, preservação de comunidades tradicionais, inclusão de populações pobres e segurança alimentar, entre outras.
Além disso, ainda atua na melhoria de técnicas de produção, que podem ajudar a expandir ainda mais essa forma de produção agrícola. “Podemos defini-la como uma ciência, mas também como prática social. É um movimento social que junta pessoas, redes e organizações preocupados com um desenvolvimento mais sustentável”, comenta Dênis.
Prática social
Um dos focos principais da agroecologia é a luta a favor da reforma agrária. “O modelo de desenvolvimento rural no país é baseado numa grande concentração da propriedade de terra. É pouca gente com muita terra”, critica Dênis. Ele destaca que a manutenção da agroecologia depende de pequenas plantações familiares, que acompanham o crescimento dos vegetais mais de perto e sem a necessidade do uso de agrotóxicos. Portanto, de acordo com ele, quanto mais famílias tiverem acesso à terra no Brasil, maior será a produção agroecológica.
Outro ponto de ação da agroecologia é na defesa de comunidades tradicionais, como grupos indígenas e quilombolas. “O conhecimento desses grupos é uma verdadeira enciclopédia da ecologia, que não pode ser perdida”, comenta Monteiro. Essas comunidades desenvolvem uma agricultura mais natural, observando plantas, animais e até o clima da região, e aproveitam esse conhecimento, dispensando o uso de produtos químicos.
Enquanto a agricultura tradicional segue um modelo mecanizado, com pequena participação humana, a agroecologia é focada na produção familiar, com participação ativa das pessoas. “As mulheres têm um papel importantíssimo na família, cuidando da saúde e alimentação dos outros integrantes”, comenta Dênis.
Portanto, de acordo com o secretário executivo, as mulheres desempenham uma função primordial na agroecologia. “Elas devem ter espaço, voz nas decisões tomadas. Não a opressão que existe hoje”, destaca Monteiro. Por conta dessa importância, a igualdade entre sexos é defendida pela agroecologia.
Valorizando o trabalho dos agricultores, a agroecologia também trabalha na maior aproximação entre o produtor e o consumidor. Dênis explica que é estimulada a distribuição de alimentos em mercados locais, diminuindo o número de intermediários entre a produção e a venda, e dispensando os gastos e poluição envolvidos no transporte de alimentos por grandes distâncias. “Na agroecologia, o retorno financeiro aos produtores é maior, visto que a venda é feita de forma mais direta”, conta Monteiro.
Participação do Estado
Dênis comenta que, apesar de pequena, a participação do Estado a favor dos produtores agroecológicos está aumentando. “Nos últimos anos, surgiram políticas públicas que apoiam nosso trabalho”, conta. Hoje, 35% do dinheiro destinado à compra de alimentos para segurança alimentar é destinado à produção familiar. Creches, asilos e outras instituições que distribuem alimentos são abastecidas por produtores locais, o que fortalece os mercados regionais.
Atualmente, existe grande expectativa ao redor da Política Nacional de Agroecologia e Alimentos Orgânicos (Pnapo). A política do governo, que deverá ser colocada em prática a partir de setembro, estabelece uma série de instrumentos e procedimentos que deverão beneficiar os produtores orgânicos e agroecológicos.
O governo deverá estimular a criação de créditos rurais para esse tipo de produção, além de assistências técnicas, promoção de pesquisas e modelos de distribuição que beneficiem o produtor familiar, entre outros estímulos. “Se a política for seguida à risca, fortalecerá bastante a agroecologia. Em três anos, teremos mais agricultores, maior produção, maior participação de mulheres e jovens”, prevê Dênis.
Mas o secretário é realista: existe um grande caminho a ser percorrido. Ele explica que, para que o Pnapo se transforme em realidade, é preciso haver uma grande mudança estrutural e política na agricultura brasileira. “O modelo político sempre beneficiou os agroexportadores. Precisamos mudar isso, para beneficiar também o pequeno produtor”. Questões como maior distribuição das terras, diminuição no uso de agrotóxicos e de sementes transgênicas, são os principais desafios que precisam ser enfrentados para que a política seja implementada.