Por Helen Borborema / Articulação Nacional de Agroecologia – ANA
Esta declaração é da jovem estudante Sarah Almeida, moradora de um assentamento na região do Baixo Sul da Bahia, mas poderia ser também de milhões de outras crianças, adolescentes e jovens brasileiros/as da rede pública de ensino que, frequentemente, estão expostos à violação do direito à alimentação de qualidade, previsto na Lei nº 11.947/2009. Para fortalecer e fiscalizar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e reunir fatos e depoimentos como esse, foi lançado o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), no último dia 10 de fevereiro.
De acordo com Sarah, que hoje tem a oportunidade de fazer o curso de Técnico em Agroecologia na Escola Luana Carvalho, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não tem como não criar vínculo com a alimentação escolar porque são muitos anos que se passa diariamente na escola. “Porque a gente que é de classe baixa, que é pobre, de escola pública, a gente tem uma relação muito forte com a alimentação escolar e quando a gente é principalmente do campo, a gente tem uma relação mais forte ainda, porque tem vários desafios, vem vários obstáculos na nossa frente para a gente continuar a estudar”, desabafa, referindo-se às grandes distâncias que obrigam os/as estudantes a gastarem parte significativa do tempo no trajeto, muitas vezes, feito a pé. “A gente ia para a escola almejar aquele lanche das 10h…10h30 da manhã. Então, todas essas horas [ antes de ser servido o alimento ] a gente ficava com fome”, conta relembrando o passado.
Infelizmente, durante a pandemia, as violações ao direito à alimentação escolar se tornaram ainda mais comuns. Muitos gestores municipais ignoraram a Lei 13.987/20 que garantia a distribuição da alimentação escolar às famílias dos estudantes, cujas aulas presenciais foram suspensas. Outros gestores limitaram a distribuição com critérios injustos ou até chegaram a distribuir alimentos, mas não se importaram com a qualidade, deixando de adquirir produtos das famílias agricultoras, prejudicando a renda delas justamente nesse momento frágil da economia, e claro, comprometendo a nutrição dos/as alunos/as.
Ainda sobre as consequências para a agricultura familiar – responsável por garantir cerca de 70% dos alimentos na mesa dos/as brasileiros/as – o cancelamento da aquisição desses produtos, além de fragilizar o PNAE, também contribuiu para o cenário de vulnerabilidade do setor que acabou acarretando no aumento dos preços dos alimentos, afetando toda sociedade. Um dos motivos cruciais para essa conjuntura que impacta tanto o povo do campo, como também a população da cidade, foi o desprezo do presidente Jair Bolsonaro ao vetar todos os apoios às famílias agricultoras que o Congresso Nacional, juntamente com os movimentos sociais, haviam construído dentro do Projeto de Lei 735/2020 para minimizar os impactos da pandemia diante das privações de comercialização e logística como, fechamento e/ou limitações de público nas feiras, perda de produtos perecíveis, etc.
As violações na execução do PNAE aconteceram em vários municípios brasileiros, a exemplo de Itaboraí, no interior do Rio de Janeiro. A prefeitura limitou a distribuição apenas para famílias de estudantes que recebiam o Bolsa Família, fazendo com que muitas ficassem desprotegidas, inclusive, diversas que tiveram o Auxílio Emergencial negado.
Ao enxergar esses absurdos e desrespeito aos direitos, mães da cidade resolveram se unir para reivindicar que a lei fosse cumprida, daí nasceu o “Coletivo Mães de Itaboraí – Nenhum direito a Menos”. Segundo Viviane Ferreira, coordenadora do movimento, durante a mobilização o grupo constatou situações de extrema pobreza e vulnerabilidade social. “Tinha famílias que só tinham fubá, sal e água e mais nada”, lamentou. Enquanto isso, ao contrário do que a Prefeitura informava, no Portal da Transparência constavam 15 milhões de contratos para a alimentação escolar. “Nesse momento a gente abriu o olho para poder ver que era um recurso que estava lá e que as famílias não precisavam estar passando por isso”, revelou a líder do Coletivo. Enquanto o movimento fazia as denúncias, foi preciso até arrecadar alimentos pela internet para aliviar de imediato famílias que estavam totalmente desamparadas.
“Queria deixar bem claro que o PNAE é um programa importantíssimo, só que ele precisa de fiscalização. A gente vive um período onde os conselhos estão muito corrompidos, eles estão sendo estruturados de forma eleitoreira”, denunciou. “É um programa que resolve a situação da fome daqueles que são mais humildes, mas eles precisam ficar bem atentos para a fiscalização”, alertou. Viviane contou que procurou não só os vereadores, autoridades e órgãos, mas também os conselheiros e muitos estavam cumprindo o papel apenas por indicação política. “É a mesma coisa de acordar no meio de um pesadelo. A pandemia foi isso”, lamentou.
Essas experiências de quem vivencia na prática a importância do PNAE foram algumas das histórias trazidas durante o evento de lançamento do Observatório. De acordo com Mariana Santarelli, membro do núcleo executivo do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), relatora nacional do Direito Humano à Alimentação da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil e que faz parte da organização do ÓAÊ, o objetivo deste trabalho “é ampliar a voz dos sujeitos de direitos. A gente entende que os sujeitos de direitos são os estudantes, mães, pais, responsáveis, famílias agricultoras, fornecedores do PNAE. A gente quer ouvir mais para entender o que está acontecendo na ponta para fazer reverberar essas percepções tão importantes. E além de fazer essa escuta, a gente criar um movimento grande, nacional, coletivo, descentralizado de defesa dessa política pública.”
A pesquisadora Maria Emília Pacheco, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do FBSSAN também esteve presente no lançamento. Segundo ela, “a liderança das mulheres na luta pela alimentação escolar precisa ser reconhecida e apoiada em permanência”, se referindo à importante luta do Coletivo das Mães de Itaboraí. Ainda segundo Maria Emília, “a ANA está desenvolvendo também uma pesquisa-ação sobre Alimentação Escolar nas várias regiões do país, em parceria com o FBSSAN, que também propiciará um frutífero diálogo”.
O Observatório é resultado de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do PNAE. Quem quiser saber mais informações e acompanhar mais de perto as ações desse importante trabalho, pode acessar o site www.alimentacaoescolar.org.br e aproveitar para conferir a Carta Política.
Edição Viviane Brochardt