Por Eduardo Sá
Edição Viviane Brochardt
Após 12 anos de muita mobilização e luta em Sobrado, no norte de Minas Gerais, zona de transição entre o Cerrado e a Caatinga, a reivindicação dos moradores virou a Lei Municipal Nº 1.629/2015, que reconhece como território tradicional a Comunidade Geraizeira de Sobrado. Com a garantia jurídica, foi possível proteger o território e o modo de vida local, vistos como patrimônio material e imaterial. Essa é mais uma iniciativa sistematizada pela campanha Agroecologia nas Eleições. Desenvolvida pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a campanha busca evidenciar a importância das mobilizações em diálogo com os poderes Legislativo e Executivo municipais.
Vendo as águas cada vez mais escassas por consequência do desmatamento das árvores nativas nas cabeceiras das nascentes da Bacia do Rio Pardo, a qualidade delas diminuir em função do pisoteio de animais nos minadouros, além do assoreamento dos pontos de captação de água da comunidade, as famílias foram à luta por seu território. Após várias tentativas frustradas de diálogo e negociação com o empresário e a desilusão com os órgãos ambientais, as 85 famílias da comunidade fizeram o enfrentamento. Embora o posseiro tenha interrompido a produção de carvão e se retirado do local, a disputa fundiária permanece na Justiça.
De acordo com Moisés Dias de Oliveira, geraizeiro da comunidade e técnico agrícola formado pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas (IFNMG-Salinas), com mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UNB), mesmo com a finalização do estudo e reflexão da movimentação dos moradores da comunidade em defesa dos recursos essenciais à reprodução física e social do coletivo, ainda há muita luta pela frente. Apesar da importante vitória na construção da aprovação da lei municipal, a pressão jurídica e fundiária ainda permanece como um gargalo, complementou.
“Como nos ensina o professor e autor de diversos livros sobre essa temática Joaquim Shiraishi Neto, as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades tradicionais, ao serem mantidas sob regime de uso comum dos recursos naturais, contrariam a regra básica do mercado de terras, pois não são passíveis de atos de compra e venda e não fazem parte dos diferentes circuitos mercantis de troca. Atualmente, tramita na Vara de Conflitos Agrários, em Belo Horizonte (MG), um processo de reintegração de posse em desfavor da comunidade. Assim, permanece o conflito: de um lado, a identidade e o território amalgamados através de um sujeito de direito e do outro, um empresário que defende a posse privada da terra”, explicou o pesquisador.
Os povos geraizeiros são comunidades tradicionais dispersas pelo norte de Minas Gerais, oeste da Bahia, Tocantins e Goiás, na região fronteiriça entre o Cerrado e a Caatinga. Foram reconhecidos pelo governo federal pelo Decreto nº 6.040, de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A partir desse reconhecimento, a comunidade Sobrado buscou fortalecer sua luta por meio de um processo coletivo com apoio de universidades, entidades sindicais, ONGs, vereadores aliados e outros parceiros, para garantir a preservação dos seus territórios e fazer valer as leis ambientais e a garantia dos seus direitos. A partir da articulação regional com outras comunidades e os setores aliados, foi possível a proposição de um projeto de lei municipal.
A lei os ajudou a preservar as nascentes de água do território, disse Zé Sabiá, uma liderança local. A partir da legislação, foi possível garantir projetos, como o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, ao disponibilizar R$ 55 mil, viabilizou a construção de duas caixas d’água e outras melhorias na comunidade. Graças à mobilização da comunidade, acrescentou, foi possível impedir a plantação de eucalipto nas terras devastadas pelo empresário vizinho, que saiu do terreno por volta de 2012.
“Fizemos cartilhas, na época, com pesquisas e apoio do sindicato, da prefeitura e, com a venda das publicações, deu para mobiliar o salão e a cozinha comunitários. Ocorreram reuniões até que os 1.280 hectares fossem reconhecidos por lei como territórios dos geraizeiros. Tinha um posseiro dentro que, desde 2001, devastou as madeiras nativas para fazer carvão e queria plantar eucalipto para continuar sua produção. Então, teve uma audiência em Belo Horizonte e, até hoje, a questão não foi resolvida. Ele havia se apossado de uma área com nove nascentes”, criticou o presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais da Comunidade Tradicional Geraizeira de Sobrado.
A proposta de lei da comunidade Sobrado foi acolhida e apresentada como sendo um projeto de iniciativa do Legislativo, no dia 27 de abril de 2014, a partir do presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Rio Pardo de Minas. Devido aos poderes locais e interesses econômicos das empresas da região, não foi possível contemplar todas as comunidades do município. O projeto foi sancionado pelo Executivo com alguns vetos na proposta original, mas manteve a água como elemento principal. A comunidade continua negociando e resistindo, inclusive com a luta para a inclusão das áreas em que se localizam as cabeceiras dos rios Caiçara e Nogueira como sendo de uso comum como estava na primeira versão da lei. A comunidade vem realizando caminhadas, passeios e festas com as crianças, buscando passar à frente a necessidade de cuidado e manutenção daqueles ambientes vitais para comunidade.
Reportagem originalmente publicada no site Mídia Ninja. Para acessar, CLIQUE AQUI.