O Brasil ocupa, desde 2008, a liderança internacional no consumo de agrotóxicos. Se por um lado as empresas lucram e o governo privilegia o modelo agroindustrial, de outro a sociedade se organiza na luta por alimentos mais saudáveis e uma produção mais harmônica com a natureza. Neste contexto foi criado o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, que conta com a participação de diversos setores da sociedade. Segundo o procurador regional do Trabalho, Pedro Luiz Serafim, coordenador do Fórum, o atual modelo de desenvolvimento no campo gera passivos ambientais e sociais muito sérios para o futuro da sociedade. Na entrevista ele conta qual o objetivo do Fórum, e fala sobre o crescente interesse da sociedade sobre o tema.
Quando o Fórum foi criado e com quais propósitos?
O Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos foi criado em outubro de 2008, e nos seus primeiros anos estabeleceu três eixos de atuação: direito à informação, que é muito importante; estimular e ajudar na criação de fóruns ou grupos de trabalho nas regiões ou estados na federação; e a questão da tutela, da saúde do trabalhador, do meio ambiente e da saúde do consumidor em relação aos agrotóxicos. O Fórum já tem como resultado várias ações, mais especificamente no primeiro eixo com a realização de seminários. Hoje o tema agrotóxicos tem bem mais visibilidade, e a partir da criação do Fórum surgiram outras iniciativas da própria sociedade, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que é muito importante. Surgiram dois fóruns importantes, o do Rio de Janeiro e o mais recente da Bahia. O Rio Grande do Sul mostrou seu interesse em criar um fórum, a partir de atores que trabalham com o tema. A Paraíba e o Ceará também, essas são algumas ações importantes. Alguns estados têm um trabalho mais pontual, mas a problemática é a mesma.
No que diz respeito à tutela tem dois aspectos importantes, eu vou citar apenas um porque o outro estamos investigando. O caso da liberação pelo Ministério da Agricultura de produto não registrado, que é o benzoato de emamectina, para combater uma lagarta no oeste da Bahia. O Fórum se articulou e finalmente o Ministério Público do Estado da Bahia, junto ao Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal, entrou com uma ação e o uso dessa substância doi suspensa. O governo brasileiro, através do Ministério da Agricultura, autorizou a importação a pedido do estado da Bahia e colocou sobre ele o encargo do uso e as responsabilidades em face do produto. A justiça suspendeu o uso desse produto que foi importado. O Ministério Público entende que é ilegal, porque não era registrado e não atendia as exigências para uma importação ou uso extraordinário diante do problema de contaminação.
Você citou a mutação de uma lagarta. Quais são as implicações ambientais do uso de agrotóxicos?
O setor produtivo no oeste da Bahia argumentou perante o governo do Estado para obter essa autorização de importação de um produto não registrado no Brasil, a utilização inadequada de vários outros produtos para o manejo da terra em grande escala e alguns agrotóxicos, etc. Para alguns setores, a justificativa para vinda desses produtos é que a lagarta passou por uma mutação para outra forma mais voraz que não só consome determinada cultura, como o algodão e a soja. Eles diziam que essa alteração tinha acontecido a partir da Embrapa, inclusive por força do uso inadequado de outros agrotóxicos. O inseto se tornou resistente e veio nessa outra modalidade, então isso é uma prova que o agrotóxico e o seu uso excessivo só traz prejuízo. Você vai buscar um cada vez mais forte e não resolve, além do sério passivo ambiental e social que fica. Tem a questão da saúde do trabalhador, mas também do meio ambiente. Neste caso, só vai se revelar mais adiante porque se apresenta depois num efeito já crônico em que você tem dificuldade de estabelecer o nexo de causalidade.
Vários estados e movimentos estão manifestando interesse pelo tema, mas os gestores públicos estão ficando mais sensibilizados e ampliando as políticas para o setor?
O tema ganhou mais visibilidade não só por causa do Fórum, mas pela própria sociedade atuando. Eu vejo que está crescendo lá fora do Brasil uma tendência cada vez mais restritiva, estão gastando mais tempo com isso e estabelecendo mais rigor. No Brasil, infelizmente, tem sido diferente. Na medida em que o tema vai se tornando mais visível ou vão sendo anunciadas contaminações e a sociedade está se alertando, a contrapartida não tem vindo das agências reguladoras. Esses órgãos do setor público estão esvaziados, não têm pessoal suficiente e aqueles que trabalham e levam a questão seriamente, como a Anvisa, vêm encontrando dificuldades no seu papel e atuação. Então do setor público não há uma resposta que corresponda ao que vem acontecendo inclusive lá fora. Na União Eruopeia, EUA e Canadá há cada vez mais normas restritivas para reduzir a agressividade dos agrotóxicos. Se fala do alternativo, de uma agência de agrotóxicos, e hoje o sistema é tripartite: três ministérios atuam de forma muito singular, e se funcionasse seria muito eficaz. Então não há do setor público uma resposta, mas a sociedade está alerta e cobrando. Os fóruns estão surgindo, isso significa que tem cada vez mais a participação da sociedade.
O objetivo central do Fórum Nacional é articular o tema, criar esta rede e funcionar como um instrumento de controle social. E o Ministério Público fazendo o link entre sociedade e governo, sociedade e órgãos reguladores e setores econômicos. Protegendo a vida, o meio ambiente, que são os bens maiores, mais do que interesses puramente econômicos.
Por que e de que forma se dá esse envolvimento do Ministério Público?
Nesses fóruns que estão sendo criados, como o Fórum Nacional, ele é o coordenador e funciona como fiscal da lei. Ele articula para que a lei seja cumprida: temos uma boa legislação, ambiental, do agrotóxico, que precisamos corrigir algumas coisas e avançar em outras, mas a questão é fazer com que se cumpra a lei em relação à sociedade. O Ministério Público faz com que a sociedade participe das decisões, das agências reguladoras, traga as questões, seja ouvida mas também tenha uma resposta dos órgãos do poder público. A participação do Ministério Público não é outra senão o cumprimento da lei.
E quais setores estão articulados nesse movimento?
Saúde, meio ambiente e consumo são os três eixos também do Fórum. A saúde do trabalhador e do consumidor, e também o meio ambiente porque hoje sabemos, por exemplo, que os aquíferos como o Guarani estão sendo contaminados pelo excesso de agrotóxicos. Já tem provas no Ceará de que isso ocorre nos subterrâneos. São os grandes projetos e o avanço que tem sido positivo para a economia no momento, mas quando você vê a perspectiva de futuro se preocupa porque o passivo social e ambiental é muito grande.