Por Eduardo Sá,
O final da década de 80 foi marcado pela ascensão do modelo neoliberal, que no meio rural se traduziu na chamada “revolução verde”. No Brasil isso representou, com a ausência do Estado, a entrada de grandes empresas de insumos agroindustriais, transgênicos e outros elementos propagados pela “modernização do campo”. A reforma agrária, no entanto, avançou muito pouco.
A migração dos camponeses para a cidade seguiu crescendo nos anos 90. O cenário, em termos de direitos sociais e preservação ambiental não era dos melhores. Não à toa que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), nos últimos 25 anos, se tornou o maior movimento social da América Latina, efeito do modelo de desenvolvimento excludente e predatório. Reflexo dadesigualdade no país.
Apesar dessa hegemonia do agronegócio, com forte apoio do governo aos latifundiários e empresas, sustentada ideologicamente pelos meios de comunicação, um modelo alternativo construído pelos agricultores e movimentos, em parceria com a academia, vem crescendo gradativamente nas últimas décadas. Experiências locais, baseadas na agroecologia, têm feito contraponto a esse arranjo dominante. É um método que, através da técnica, faz o embate político. É uma luta econômica e política com base na cultura local. Uma concepção ampla sobre a natureza, em busca da harmonia. Mistura de conhecimento tradicional, herdado secularmente pelos camponeses, com os acadêmicos que acreditam em outra forma de produção no campo. É uma disputa de sociedade.
Segundo alguns integrantes do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), uma rede de movimentos sociais, camponeses e acadêmicos e outros setores da sociedade, criada em 2002, que está na vanguarda da luta política nessa área, é possível sintetizar a agroecologia na seguinte fórmula: “Agroecologia como campo do conhecimento interdisciplinar, fundado na aplicação da Ecologia ao estudo dos agroecossistemas, visando à otimização de relações sinérgicas entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, eficiência econômica e equidade social”. A segurança alimentar e nutricional da população está associada a essa perspectiva, que é de transformação do modelo de desenvolvimento.
É fundamental ressaltar a importância da agricultura familiar na alimentação da população. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, do IBGE, ela é responsável pela produção de 70% da alimentação que vai para a mesa dos brasileiros. E sem ela a agroecologia não é possível. É a única saída sustentável para o meio urbano e, sobretudo, o rural, segundo seus defensores. Apesar de distorções do modelo hegemônico, que privilegia a produção de soja para exportação ao invés do feijão para alimentação nacional, a agricultura familiar garante a comida na mesa das pessoas. Ela combate a monocultura, que degrada o solo e a fauna, e compreende os malefícios dos insumos químicos. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2008, ao preço da contaminação dos solos, doenças dos trabalhadores do campo e dos consumidores. O modelo atual já mostrou sua inviabilidade ambiental, social e cultural, embora seja o mais interessante do ponto de vista econômico para uma poderosa minoria.
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
O governo brasileiro tem, ainda que insuficientemente, promovido algumas iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia. É o caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante a compra de 30% da agricultura familiar nos colégios, e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no avanço de temas como o das sementes crioulas. A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), foi instituída pela presidenta no dia 21 de agosto de 2012. As primeiras reuniões oram realizadas nos últimos meses. A sociedade civil está representada por 14 organizações, assim como o governo, num grupo interministerial. Apesar da ausência de temas essenciais, como a função da terra e a questão da água, há expectativa de avanços nos movimentos, principalmente no fomento às sementes nativas. Centenas de bancos comunitários de sementes crioulas estão articulados em todo o Brasil pelos camponeses e organizações. Embora o governo, em nome da governabilidade, adote uma linha hegemônica em parceria com os grandes empresários e latifundiários, há um processo alternativo crescente em curso.
De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), é preciso destacar o atraso histórico do Estado brasileiro em implementar uma política preocupada com a produção de alimentos saudáveis e com a preservação de recursos naturais. Desde a década de 60, explica o agrônomo, todas as instituições criadas para apoiar a agricultura, como o crédito e a pesquisa, se voltaram para o modelo agroquímico com a utilização de fertilizantes industriais, agrotóxicos e o desmatamento de florestas para o plantio de monoculturas, dentre outros fatores.
“Essa política é uma dívida histórica do estado brasileiro com a sua população, um direito das populações tanto do campo quanto da cidade. Mas ela será implementada num contexto bastante difícil, por causa da hegemonia do modelo do agronegócio, da produção em larga escala para exportação. As bandeiras históricas dos movimentos sociais, como a reforma agrária e o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e outros tradicionais, não vêm sendo respeitados. No entanto, é uma oportunidade para se construir políticas públicas e iniciativas que fortaleçam a agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais”, afirmou.
No momento está em discussão a elaboração de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, cuja execução está prevista entre os anos de 2013 e 2015. A proposta dos movimentos é construir políticas voltadas para a preservação, disseminação, e valorização das sementes crioulas, que são produzidas pelos próprios agricultores. Uma assistência técnica voltada para a agricultura familiar de acordo com as características locais e em trajetórias de transição agroecológica. Créditos e financiamentos que não induzam os agricultores à compra de insumos industriais. Ampliação das possibilidades de venda nos mercados institucionais e estímulo às feiras de agricultura familiar e agroecológicas.
“Todas essas possibilidades estão sendo discutidas no âmbito do plano. Temos feito um esforço de apresentar as nossas propostas, fazer uma avaliação crítica do andamento dessa construção dentro do governo. Achamos que o governo tem proposto algo muito aquém do que a gente reivindica e do que a sociedade precisa. Apontamos essas deficiências, e fazemos um esforço de que as nossas propostas sejam incorporadas nesse plano”, afirma.
Nesse sentido, a primeira versão do plano elaborada pelo governo sequer citou a questão do uso de agrotóxicos mesmo diante do quadro de liderança do país em seu uso. Os movimentos defendem que há uma incompatibilidade na criação de uma política nacional de agroecologia com o uso indiscriminado e descontrolado de venenos químicos. Está sendo reivindicado um plano nacional de redução de agrotóxicos para viabilizar a promoção da agroecologia, que foi recolocado na pauta e está em negociação junto ao governo. A questão das sementes crioulas também voltou para mesa de negociação, pois os movimentos avaliam que seu tratamento no plano é insuficiente, na medida em que as sementes são fundamentais para a autonomia dos agricultores e a realização da agroecologia. As organizações da sociedade civil também estão propondo ações mais efetivas em relação ao acesso à água, pois na primeira versão do plano apresentado pelo governo não tem nada que garanta seu acesso para as comunidades como um bem da natureza de domínio público.
Existem algumas possibilidades de data do lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, de acordo com o governo: junto com o Plana Safra da Agricultura Familiar 2013, no dia do Meio Ambiente (05 de junho), ou em alguma cooperativa ou associação dos agricultores. A expectativa, segundo o secretário executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, Selvino Heck, que representa a Secretaria-Geral da Presidência da República, é que até o final do semestre esteja pronto o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
“Ainda não tem nada decidido, até porque não depende só de nós. Está tudo em negociação, nenhuma pauta foi totalmente retirada. No dia 03 de abril a Câmara Interministerial vai se reunir para concluir a proposta do plano nacional externo e interno do governo. A proposta será entregue para a sociedade nos dias 11 e 12 de abril. Concluindo, vai para os ministérios e depois passa pelos setores técnicos. Então segue para a Casa Civil, que encaminha à presidenta. Até o final de maio deve ter uma aprovação final presidencial”, afirmou Heck.
(*) Reportagem publicada originalmente na edição de abril da revista Vírus Planetário/Fazendo Media.