Uma mística das camponesas, com o entusiasmo e a poesia de João Bello e Susi Mont Serrat, e o tom reivindicatório dos movimentos marcaram a abertura na tarde de ontem (21), em Brasília, da II Mostra Nacional da Produção das Margaridas. Mais de vinte estandes separados por estados estão vendendo artesanatos e produtos agroecológicos das mulheres do campo e da floresta no Complexo Cultural da Funarte durante o final de semana. A abertura contou com a participação de autoridades e representantes de organizações rurais. Ocorreu um minuto de silêncio pela morte de uma sindicalista combativa no Mato Grosso do Sul, que foi brutalmente assassinada a tiros na última quinta-feira (20).
De acordo com Alberto Broch, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a marcha das margaridas foi a maior mobilização de mulheres da história desse país e América Latina. Mais de 100 mil mulheres carregavam consigo o símbolo de luta por justiça, legado de nossa saudosa Margarida Alves, complementou.
“Esse evento mostra para a sociedade brasileira que as mulheres do campo e da floresta são capazes de transformar, beneficiar e comercializar o que extraem da natureza de forma responsável. Essa produção muitas vezes se torna invisível, apesar de sua importância econômica, social e cultural. É preciso lutar por um conjunto de instrumentos que garantam condições de industrialização e comercialização dos produtos, só assim conseguiremos um desenvolvimento sustentável, com justiça, autonomia e liberdade para as mulheres do campo”, afirmou.
Com elas empoderadas, disse o presidente da Contag, as organizações se fortalecem e se torna possível romper com esse modelo perverso que aumenta as desigualdades sociais. É um desafio enorme, segundo Bloch, mas não impossível: “Só será possível esse desenvolvimento sustentável com a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar. Gerar um novo paradigma de produção, perder esse título de maior consumidor de veneno, uma cultura que caminhe para a agroecologia e valorize a natureza”.
A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, lembrou de sua trajetória com as agricultoras rurais desde João Pessoa (PB), antes de entrar para a Central Única de Trabalhadores (CUT), época em que conviveu com Margarida Alves, a mártire que inspira esse movimento de campesinas. Com ela, homenageou a ministra, aprendeu tudo sobre o campo brasileiro e a luta das mulheres.
“Aquilo nunca saiu da minha memória, e me deu força para seguir adiante e ser obcecada na retirada da invisibilidade das trabalhadoras rurais do nosso país. Uma das prioridades do ministério é a consolidação e ampliação dos direitos humanos para as mulheres trabalhadoras do campo e da floresta. Esse evento é fundamental para o avanço os seus e da agricultura familiar do país. Não existe desenvolvimento sem a mão, corpo e suor das trabalhadoras rurais. Podemos constatar a enorme qualidade e diversidade de sua produção”, elogiou.
Destacando os programas do governo, como as políticas em defesa da economia solidária e da produção agroecológica, quase um milhão de mulheres recebendo documentação, avanços no combate à violência contra a mulher, dentre outras iniciativas, a ministra ressaltou a importância dos movimentos na luta pelas políticas públicas. “Tudo é fruto da demanda da sociedade civil organizada, e o governo federal tem o compromisso de responder. Contamos com a força dos movimentos para que não façamos mais um minuto de silêncio porque uma mulher foi assassinada. Não existe país rico e sustentável que conviva com a violência contra as mulheres”, concluiu.
A abertura foi encerrada por Carmen Foro, secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, entidade que está promovendo o evento, com um tom reivindicatório para o governo. Reconhecendo todos os avanços apontados pelas autoridades, ela alertou que uma dívida de mais de 500 anos com as mulheres não se paga em pouco mais de uma década.
“Não precisamos provar nossa capacidade de mobilização, só com conseguimos muitas conquistas nos últimos anos. Temos certeza que só assim é possível construir políticas públicas e transformações nesse país. Precisamos enfrentar questões que estão incrustadas na sociedade, como a violência e a divisão sexual do trabalho. Precisamos reforçar essa autonomia, e melhorar os equipamentos de creche no meio rural, que ainda são um sonho e não realidade. Nossa presença aqui está revertida de muitos significados, com uma agenda política que temos em aberto com a presidenta Dilma. Temos que ir às ruas, não tem outro caminho. Continuamos marchando para construir um país diferente”, concluiu.
“Essa marcha é muito importante e simbólica para nós. Um segmento da sociedade que na década de 90 lutava pela sua profissão, e hoje representa um dos maiores movimentos da américa latina. Todas as conquistas são fruto dessa grande mobilização. Viemos a Brasília novamente dizer que somos as principais responsáveis pela conservação da biodiversidade e segurança alimentar, e temos um papel fundamental na economia de nosso país. Temos também de romper com a violência no campo, principalmente a dentro dos lares, e romper a cultura de uma sociedade machista que ainda prevalece no nosso meio. Estamos em marcha por um projeto de sociedade mais justa, feminista e agroecológica”, observou
Maria Verônica de Santana, representante do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE).)
Toda a comissão nacional de trabalhadoras rurais da Contag estava presente no palco com as autoridades. Lucio Valadão, secretário de agricultura do Distrito Federal, apresentou em nome do governador as melhorias realizadas pelo governo em favor da agricultura familiar. Representando a superintendência de Habitação Rural da Caixa Econômica, Noemi de Aparecida Leme também relatou os avanços nessa área para o campo brasileiro.
(*) Fotos: Gabriella Avila.