Brasília (DF) – Cerca de duzentas camponesas acompanharam ontem (21) a mesa sobre Políticas Públicas para as Mulheres Rurais, na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em Brasília. A atividade faz parte do Seminário Nacional da Mostra das Margaridas “Mulheres Construindo Autonomia”, que se encerra hoje antes da abertura da II Mostra Nacional da Produção das Margaridas. O Complexo Cultural da Funarte, também em Brasília, receberá até o dia 24 de março oficinas, exposições, debates e muitas realizações culturais. O objetivo é dar visibilidade ao trabalho produtivo das mulheres do campo e das florestas, na promoção da alimentação saudável, e sua participação na agricultura familiar.
De acordo com Karla Hora, diretora de Políticas para as Mulheres Rurais e Quilombolas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é preciso entender o que é o estado levando em consideração sua história patriarcal e latifundiária. Para ela, é reflexo da sociedade atual, capitalista, que se apresenta com diferentes marcos de desigualdade, tanto de renda quanto de gênero. No entanto, segundo ela, o estado avançou bastante a partir da década de 80 no que diz respeito à participação da sociedade na construção das políticas públicas.
“O estado reflete essas contradições da sociedade. Mas da década de 80 para cá tem um estado com novos pressupostos. Dialoga muito com os trabalhadores rurais e as camponesas. Recentemente as pautas das mulheres do campo foram aceitas no governo, toda a luta das mulheres trabalhadoras rurais. A gente convive hoje com um estado em transformação, tentando superar as barreiras e amarras que foram construídas historicamente”, afirmou.
O desafio, complementou Hora, é garantir direitos de modo a reconhecer o trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres e dialogar com os princípios da economia feminista. Ela falou da importante iniciativa do governo ao criar um programa de documentação para as mulheres proporcionando a cidadania, graças à pressão dos movimentos. Mas ponderou que é preciso aproximar essas políticas das comunidades. “Primeiro é ter acesso a terra, significa acessar políticas de desenvolvimento econômico, de crédito, assistência técnica, ampliar sua produção para acessar os mercados institucionais. Reconhecer que as mulheres estão numa situação de desigualdade, e dialogar com a agroecologia”, disse.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) busca dar autonomia financeira e auto estima, valorizando e dando visibilidade à produção das mulheres, sustentou Ana Luisa Muller, coordenadora de aquisição e distribuição de alimentos do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). A qualidade, em sua opinião, tem sido prioridade do programa com a agroecologia e a valorização dos territórios, além do resgate de hábitos alimentares saudáveis.
“Cerca de 3 mil itens sendo comercializados no PAA, busca valorizar e discutir a qualidade do alimento. Queremos chegar com mais agilidade para as pessoas que precisam, como os povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, etc. Facilitação para as mulheres, acesso a políticas de comercialização, como o PNAE, as feiras, os mercados institucionais”, observou.
Em 2012 houve o avanço da participação para 28% de mulheres no PAA, mas ainda está abaixo do que os executores previram. “Acreditamos que o PAA deve ter mais participação das mulheres, por causa do reconhecimento que elas têm maior cuidado com os alimentos. E uma produção diversificada, com um importante trabalho de educação alimentar com as crianças. A política visa o fortalecimento econômico da família e segurança alimentar num patamar de quantidade e qualidade, além de uma educação alimentar e sociabilidade”, concluiu.
É preciso pensar uma economia que não seja baseada somente no lucro, com a perspectiva do mercado capitalista, defendeu Rejane Medeiros, da Marcha Mundial de Mulheres. Ao invés de só gerar bens e lucros nas mãos de poucos, lutar por uma economia feminista que tenha como ponto central a sustentabilidade da vida humana, criticou Medeiros.
“Dizer que a vida das pessoas está em primeiro lugar, tirar o mercado do centro das atenções, e mostrar que existe uma divisão sexual do trabalho. Nós mulheres não somos consideradas como produtoras em nossa história. Muitas vezes o trabalho produtivo é prejudicado pelas tarefas domésticas. Quanto mais filhos, menos elas estão no trabalho da produção considerado mercantil e na participação política”, destacou.
Para mudar essa realidade é necessária a atuação no movimento, pois os avanços nas políticas partem da pressão dos movimentos, complementou Rejane. Ela criticou o confronto diário contra o monocultivo, o uso intensivo de agrotóxicos e a substituição do trabalho pelas máquinas, além da ausência de creches no campo. “Precisamos dar visibilidade às nossas pautas, da infraestrutura, da agroecologia, demandas gerais e específicas das mulheres. Para mudar o modelo de produção para um mais sustentável tem que ter ação do estado. Tivemos mudanças e avanços, mas é um governo complexo formado por um bloco de alianças. Precisamos de políticas universais, e a legislação brasileira não é adequada à agricultura familiar e sim para as grandes empresas”, criticou.
A consolidação das propostas coletivas para os campos, florestas e cidades é fundamental, destacou Daniele Braz, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). “Precisamos de muitas leis e que as atuais funcionem, como a lei Maria da Penha. É prioridade ter avanço em políticas públicas e economia solidária e feminista, porque mais de 70% são compostas por mulheres. Lutar por um novo modelo de desenvolvimento, pois este oprime, divide sexualmente, explora nossos recursos naturais”, criticou.
A dificuldade para conseguir a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), principal via para acessar as políticas públicas no meio rural, e o apoio de uma assessoria técnica adequada foram apontadas por Braz. “Acreditamos que a produção familiar não é só importante para a emancipação das mulheres, mas também para segurança e soberania alimentar. É importante continuar pautando a produção livre de agrotóxicos. Acreditamos também que precisamos de políticas de enfrentamento à dupla jornada de trabalho, e garantir a implementação de creches públicas de qualidade considerando a localidade. Potencializar a luta para diminuir os retrocessos que estamos enfrentando”, concluiu.
Ao final a plenária foi aberta para as mulheres no auditório, e muitas questões foram colocadas pelas camponesas: a influência negativa dos meios de comunicação, que não contribuem para a inteligência da população e criminalizam os movimentos do campo; a apropriação indevida por políticos de conquistas da organização popular; o difícil acesso a mulheres que conquistam espaços de poder; burocracia que inviabiliza o acesso a terra, crédito e assistência técnica às mulheres; fortalecer a produção agroecológica; combate mais eficiente à violência contra a mulher; fechamento de creches no campo, etc.
(*) Leia a matéria da abertura do seminário, realizada pela Contag.