Com uma rica programação em torno do tema: “Trabalho, cuidados e bens comuns”, o III Colóquio Internacional Feminismo e Agroecologia possibilitou o compartilhamento de distintos saberes e experiências das mulheres na construção da agroecologia, expressando e impulsionando a crescente luta internacional em torno dessa agenda.

Por Andrea Butto, Emanuela Marinho e Wanessa Marinho 

De 8 a 11 de abril, Recife sediou o “III Colóquio Internacional Feminismo e Agroecologia: trabalho, cuidados e bens comuns”, que reuniu pesquisadoras, agricultoras e assessoria técnica para aprofundar debates e discutir estratégias de atuação, a partir de reflexões sobre bens comuns, etnicidades, ancestralidades, alimentação e os cuidados. Também houve discussões a respeito da produção e reprodução social, com base nas contribuições da economia feminista e solidária, e sua relação com indicadores de gênero e estatísticas agropecuárias.

Para o Comitê local, realizar o III CIFA, no atual contexto político do Brasil, ganhou um sentido de grande relevância. “Primeiro, pelo forte ataque que a educação no país vem sofrendo, em especial as universidades, sob distintas formas: ideológica (com todas as investidas da mentira da Escola sem Partido), financeira (com o corte de verbas anunciado na semana passada) e a liberdade de cátedra. Também pelos ataques aos processos auto-organizativos (como as associações de docentes), a perda de direitos das trabalhadoras rurais no Brasil, o desmonte das políticas públicas e as reformas neoliberais em curso”. Nesse sentido, este é um momento chave para a reafirmação de direitos e fortalecimento das resistências – a exemplo da Marcha das Margaridas, que também realizou um ato político ao final do evento.

Uma das representantes do Comitê Internacional, a pesquisadora francesa Isabelle Hillenkamp acredita que foi muito importante o Colóquio também ter uma dimensão internacional, com representantes de diversos países. “Se pensarmos nas declarações, nos modelos de agricultura, na dominação e opressão que as mulheres sofrem e nas suas formas de resistência e de autonomia, são todos aspectos globais. Embora tenham expressões mais locais, não deixam de ser ameaças causadas globalmente, então as respostas também devem ter uma articulação global”.

A presidente da “Unidad de la Fuerza Indigena y Campesina” (UFIC – México), Rocio Perez, ressalta que “o III CIFA constituiu um círculo virtuoso para as mulheres participantes”. Para Rocio, este encontro com diversas mulheres, “da academia, líderes militantes do feminismo mundial e ampla participação de mulheres camponesas e indígenas, possibilitou a troca entre teoria e práxis social tão necessária para a construção coletiva do conhecimento”.

Também nesse sentido, Isabelle Hillenkamp destaca o quanto o evento foi inspirador para os participantes internacionais, ao demonstrar a “força da militância”: “Este aspecto parece muito especial para quem vem de fora e está acostumado a um formato bem mais limitado e convencional de Colóquio – que não abre as portas da Universidade nem para os movimentos sociais, muito menos para as agricultoras. Conversando com colegas, percebi que esse realmente foi um fato que chamou muita atenção”, disse.

Programação

 

Nos quatro dias de evento houve debates sobre a epistemologia, com referência na relação entre conhecimento, movimentos e academia, além de temas relativos à construção das resistências dos movimentos sociais frente ao cenário de ofensiva neoliberal. Os grupos de trabalho, por sua vez, aprofundaram reflexões sobre o feminismo e a agroecologia no contexto dos sistemas alimentares urbanos, da comunicação e cultura, da soberania alimentar, das ancestralidades, dos sujeitos políticos e dos espaços de comercialização de produtos agroecológicos. Já os minicursos abordaram a extensão agroecológica; a comunicação agroecológica feminista; os corpos-território e o trabalho de cuidados; a economia feminista; a construção da agroecologia, a partir do feminismo camponês e popular; além da apresentação da Campanha da Divisão Justa do Trabalho Doméstico.

A programação contou também com lançamentos de três livros: ¨Mujeres rurales y programas de compras públicas en América Latina y Caribe¨, uma publicação da FAO; “Agroecología en Femenino”, de Gloria Zualaga; e “Teoria y práxis do ecofeminismo en Argentina”, de Silvia Vidal. Houve ainda a entrega do Prêmio “Saberes e Sabores: o protagonismo das mulheres rurais no resgate da alimentação tradicional e na proteção da biodiversidade”, realizado pela FAO, que premiou a agricultora brasileira Zenilda Maria da Silva.

Protagonismo das Agricultoras

Um dos destaques deste Colóquio foi a grande presença e participação de agricultoras (141 no total) nos diversos espaços do evento. Elas também foram as protagonistas na “Feira de Saberes e Sabores Dona Dijé”, que contou com a participação de 55 barracas de comercialização de produtos variados das agricultoras, redes de produtoras, movimentos sociais, mulheres negras e da economia solidária. Neste espaço ainda aconteceram atividades auto-gestionadas, a partir de suas experiências.

A cultural ficou por conta da “Mostra Dona Lia de Cinema”, em homenagem à Dona Lia, trabalhadora rural do movimento sindical e do MMTR-NE que faleceu ano passado e foi responsável por importantes conquistas das mulheres do movimento – a exemplo da aprovação do direito a sindicalização delas. Na Mostra foram exibidos filmes e curtas de distintos lugares, diretoras e instituições brasileiras, como também da Suíça e da Colômbia. A cultura ainda foi fortalecida com a presença de grupos de mulheres populares e culturais de Pernambuco – que agraciaram o público com suas vozes, cantos, danças e poesias.

“A participação das agricultoras foi muito importante para esse encontro de saberes –, seja em grupos de trabalhos, mesas, na programação da feira e também nos vídeos, que foram linguagens audiovisuais muito importantes justamente para visibilizar o trabalho e a forma de vida dessas mulheres. Essa foi uma metodologia bem especial que impactou muito a todos os convidados e provavelmente ainda mais a quem veio de longe. Além disso, eu acredito que as próprias agricultoras se fortalecem nesses espaços, onde encontram pessoas aliadas e interessadas em fazer parcerias e reforçar as suas lutas”, avalia Isabelle Hillenkamp. “Reconhecer o valor da ancestralidade, tanto na produção quanto na cultura, representa um futuro promissor no qual mais mulheres poderão seguir levantando as suas bandeiras de luta em defesa dos territórios”, acrescenta a líder camponesa mexicana, Rocio Perez.

Sem Feminismo Não Há Agroecologia

A iniciativa do III Colóquio Internacional Feminismo e Agroecologia começou a partir da proposição das organizadoras dos dois primeiros CIFAS (realizados na Universidade de Toulouse e de Lyon na França), que sugeriram o Brasil como sede da terceira edição – pelo lugar de destaque que esta agenda ocupa no país quando comparado a outros países. Embora campeão no uso de agrotóxicos, forte concentração da terra e influência do agronegócio, o Brasil tem um movimento agroecológico pulsante que se destaca pela presença de feministas que tornaram a agroecologia não apenas uma luta contra o modelo depredador dos bens comuns do agronegócio, mas também contra o patriarcado no campo. “Sem Feminismo Não Há Agroecologia” é a expressão das transformações em curso na prática, no movimento e na ciência.

“É importante que o feminismo e a agroecologia andem de mãos dadas como filosofia de vida e como instrumento técnico e social para garantia do bem viver e da construção de políticas públicas, que sejam includentes e equitativas, na busca por uma realidade mais justa e igualitária nos nossos países”, avalia Rocio Perez.

Construção Coletiva do CIFA

A realização do III CIFA foi uma iniciativa conjunta de universidades, ONGs e movimentos sociais, que estiveram envolvidos com o Departamento de Ciências Sociais (UFRPE), o Laboratório de Estudos Rurais do Programa de Pós-graduação em Sociologia (UFPE), o Núcleo de Agroecologia e Campesinato e o Núcleo de Estudos da Mulheres – Economia Doméstica, em articulação com a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Contribuíram para o Colóquio: a Casa da Mulher do Nordeste, o Centro Sabiá, MPA, MST, Fetape/Contag, Marcha Mundial de Mulheres, MMTR-NE, MMC, MIQCB, CONAQ, Apib, Apoime, ANA, GT Mulheres da ANA e Marcha das Margaridas. Já o Comitê Internacional foi constituído por pesquisadoras europeias que atuam em países da Ásia, África e América Latina – de distintas instituições de ensino e redes de pesquisa, como CLACSO, Rede Ama/AWA e ALASRU na América Latina.

Além da UFRPE e da UFPE, o III CIFA contou ainda com o apoio de várias parcerias, como: CNPQ, IRD, Embaixada Francesa, Cese, ActionAid e FAO – o que tornou possível a presença de mais de 180 estudantes, 141 agricultoras, 70 professoras e pesquisadoras, e 41 assessoras. Em um total de 441 participantes inscritas. Entre elas, estavam representantes de 12 países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai, Espanha, França, Reino Unido, Suiça, México, Senegal e Índia). Do Brasil participaram representantes de 18 estados brasileiros, além do Distrito Federal.

Como encaminhamentos do III CIFA, pode-se destacar: a constituição de uma associação internacional; a produção de uma revista internacional, com foco nos resultados dos debates; e a realização de um próximo encontro em 2 anos (Índia e México já apresentaram candidaturas para sediar o IV CIFA). De acordo com a organização, segue “o desafio de continuar aprofundando metodologias que propiciem diálogos de saberes distintos, buscando descentralizar a preparação do evento com a realização de encontros continentais, em articulação com experiências nacionais, e de estratégias de comunicação”.