Anne-Kristin Berger/Heinrich Boll

 

Com a presença da chef de cozinha natural Bela Gil, do apresentador Gregorio Duvivier e do secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia Denis Monteiro, publicação foi lançada nesta terça (dia 04/09) no Rio de Janeiro. O Atlas, iniciativa das fundações Heinrich Böll e Rosa Luxemburgo, aborda – com riqueza de dados – diferentes aspectos da cadeia do agronegócio e da indústria da alimentação no Brasil e no mundo. Concentração do setor, controle de mercado, desregulamentação, violação de direitos, lobby e ataques à biodiversidade são alguns dos temas analisados

Propagandas de TV tentam vender a ideia de que o “Agro é Tudo”: motor da economia nacional, moderno, movido à alta tecnologia, gerador de empregos e divisas para o País. Há, no entanto, uma face obscura do agronegócio brasileiro que coloca o País no topo de outras listas, bem
menos favoráveis.

O Brasil é campeão mundial na produção de alimentos geneticamente modificados, no consumo de agrotóxicos, no desmatamento de ecossistemas nativos e em assassinatos de defensores e defensoras de territórios tradicionais e do meio ambiente. É este o lado B do setor, uma realidade da qual o Brasil deveria se envergonhar profundamente.

Anne-Kristin Berger/Heinrich Boll

Com riqueza de dados, mapas e infográficos, o Atlas do Agronegócio – Fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos apresenta artigos de especialistas nacionais e estrangeiros que desvendam a cadeia do agronegócio no Brasil e no mundo e fazem um raio X da atuação das grandes corporações transnacionais que dominam o setor.

A publicação, uma iniciativa dos escritórios brasileiros da Fundação Heinrich Böll e da Fundação Rosa Luxemburgo, foi lançada nesta terça, dia 04 de setembro no Rio de Janeiro com debate com a presença da apresentadora e chef de cozinha natural Bela Gil, do secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia Denis Monteiro e da  coordenadora da Fundação Heinrich Böll e editora do Atlas Maureen Santos, sob mediação do apresentador Gregorio Duvivier.

Segundo Maureen Santos, a tendência crescente de concentração da produção e distribuição da cadeia faz com que as definições sobre qualidade, preço e acesso sejam determinadas pelas grandes corporações do setor. “Um exemplo é o mercado de sementes que, depois de fusões bilionárias, é dominado mundialmente por apenas quatro empresas transnacionais que impõem a utilização de transgênicos e a padronização da produção para atender as necessidades da indústria alimentícia”.

O resultado é o cultivo cada vez mais raro de espécies nativas e sementes crioulas que garantem a diversidade e variedade de espécies, colocando
em risco as tradições alimentares de diferentes culturas e regiões do Planeta.

“Diversidade é algo fundamental, é preciso entender que temos uma infinidade de espécies comestíveis no mundo e hoje estamos expostos a basicamente três grãos: milho, soja e trigo”, lembrou a chef Bela Gil. Ela afirmou que enxerga a alimentação como uma ferramenta de transformação política, ambiental e nutricional e salientou que é preciso ter políticas públicas para incentivar alternativas como a agroecologia.

Para Denis Monteiro, que também elaborou um artigo para o Atlas abordando a Agroecologia no Brasil, o momento de lançamento da publicação é bastante oportuno. “O Atlas chega a um mês das eleições, e isso tem um significado importante. O agronegócio tem atuado politicamente, fazendo debates com os candidatos a Presidência da República, com a bancada ruralista.Teve uma participação ativa no Golpe de 2016 votando a favor do impeachment e levando para o Congresso Nacional uma série de pautas, de projetos de lei contrários aos interesses dos povos e comunidades tradicionais e a favor dos agrotóxicos. O agronegócio tem uma ação política muito intensa, muito forte que busca perpetuar o modelo de desenvolvimento pautado na concentração da terra”.

O Atlas aborda ainda a realidade brasileira ao desvendar o lobby dos ruralistas em governos e no Congresso Nacional, a alta concentração de terra no País e os impactos da recente reforma trabalhista nas relações no campo, que podem aumentar os índices de trabalho escravo.

Produção a que custo?

Longe de se preocupar com a erradicação da fome ou garantir alimentos acessíveis e saudáveis para a população mundial, a cadeia do agronegócio busca aumentar produtividade e lucros de forma acelerada e com altos custos ambientais e sociais, aponta o Atlas.

Perda de fertilidade de solos, redução de biodiversidade, morte de oceanos e aumento crescente da emissão de gases de efeito estufa são algumas das consequências relacionadas à disseminação de novas tecnologias no campo e ao desmatamento.

No que diz respeito aos trabalhadores rurais e pequenos produtores, a situação não é diferente: postos de trabalho no campo estão sendo erradicados e produtores estão sendo expulsos de suas terras para dar lugar às grandes plantações de monocultura.

Temas como sementes, fertilizantes, maquinaria, marcas e cadeia de varejo, agrotóxicos, transgênicos, patentes, comércio global, lobby, investimentos, biofortificação, resistência e conflitos no campo, agroecologia e gourmetização da alimentação saudável são tratados de maneira direta, apontando os impactos desta realidade na alimentação da população mundial.

Embora a situação seja complexa e possa parecer desanimadora, há saídas e alternativas possíveis. O Atlas aponta ações de resistência de pequenos
produtores, povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, e apresenta alternativas já aplicadas no Brasil e no mundo, como a agroecologia.

Para Verena Glass, coordenadora da Fundação Rosa Luxemburgo e co-editora do Atlas, seu mérito é ter reunido em uma publicação uma grande diversidade de informações sobre a macro cadeia produtiva da alimentação o que alimenta a humanidade, e de como estes processos ocorrem. “Há uma tendência global de reduzir o ato de plantar e alimentar os seres humanos a sistemas mecanizados, informatizados e complexamente tecnológicos (e caros). A sabedoria de entender a terra, cuidar e firmar com ela uma parceria para a reprodução da vida está definitivamente na mira do capital”, diz.

“O lucrativo é um campo sem gente, sem diversidade, homogêneo e digitalizado? Penso que teríamos que nos questionar se o eficiente, em longo prazo, realmente é um plantio computadorizado, que pode colapsar, ou um camponês que conhece as deficiências da planta só de olhar ou tocar. O que temos visto, até agora, é que a Natureza reage ao que a agride. Assim como as populações nos territórios, que ainda vivem nela e dela”, avalia.

A íntegra do Atlas do Agronegócio está disponível para download em pdf no site das Fundações Heinrich Boll Brasil (https://br.boell.org/pt-br) e Rosa Luxemburgo (https://rosaluxspba.org/).

Fotos do lançamento e infográfico com dados do Atlas no link (crédito: Anne-Kristin Berger/Heinrich Boll): https://www.dropbox.com/sh/gwkyr2v08ffcau8/AACOVgZKU7tQoCp4aW9mP0kpa?dl=0

A íntegra do debate de lançamento está na página da Fundação Boll no Facebook: https://www.facebook.com/bollbrasil/videos/242802166397437/

Versões impressas podem ser solicitadas por email: [email protected].