Tema foi discutido em Seminário no segundo dia do IV ENA
Por Manoela Vianna
“Quem nunca tomou um chá? Quem nunca foi benzido? E quem nasceu de mãe de umbigo [parteiras]?” Essas foram as perguntas provocadoras que abriram o “Seminário Temático Saúde Integral e Medicina Tradicional”, realizado na tarde desta sexta-feira (01), com a tenda 10 do IV ENA lotada. O seminário enfatizou às conexões entre saúde e agroecologia.
Lourdes Laureano, coordenadora da Articulação Pacari, afirmou que a medicina tradicional tem um lugar na agroecologia porque as pessoas que praticam essa medicina são as mesmas que cuidam do meio ambiente. Segundo ela, trata-se de um conhecimento intangível que sobrevive na prática e reside no atendimento solidário, mas que ainda não é atendido por políticas públicas. “De 2002 a 2013 foram criadas muitas políticas públicas, mas nós queremos uma específica para a medicina tradicional”, explicita.
Homeopatia Popular
Os destaques do seminário ficaram para as apresentações de experiências ligadas a essa temática, que estão acontecendo em diferentes lugares do País. Homeopatia popular foi uma delas. Neusa representa uma iniciativa de Rondônia que existe há mais de 30 anos e hoje tem 600 multiplicadores, que disseminam as práticas da homeopatia popular em diversos municípios da região.
Um desses multiplicadores é Cláudio do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e morador de Alto Paraíso (RO). Ele é responsável por divulgar em sua região tratamentos de homeopatia na agricultura e na pecuária, mas disse que há muita desconfiança: “Sempre surge a dúvida: como algumas gotinhas podem curar um ser-humano? Dizem que é o efeito placebo”. Cláudio disse que essas questões se resolveram no caso das vacas que foram curadas de infestação de carrapato. “A prática da homeopatia popular deve ser conhecida por todos porque é simples e barata”, disse Claúdio.
Raizeira de BH
O público também conheceu a história de Aparecida Ana de Arruda Vieira, uma raizeira mais conhecida como Tantinha, de Belo Horizonte (MG). Ela começou a produzir medicamentos caseiros para tratar um filho que tinha broquite e seu primeiro remédio foi um xarope de folha de bananeira. A partir daí ela deixou de ser costureira e nunca mais parou com as práticas que já eram feitas pela sua avó. Tantinha venceu a resistência inicial de seu marido, que acabou se envolvendo nas práticas intensamente: “somos mulheres e resistimos!”, disse ela sobre ao se remeter à como conseguia se organizar para cuidar dos filhos para frequentar o curso de medicina tradicional.
Quando o marido de Tantinha também se tornou parte deste movimento da medicina tradicional, o casal transformou o quintal de entulho que tinham em casa em um quintal com mais de 180 ervas medicinais e montaram sua primeira farmácia caseira. Hoje ela viaja o Brasil todo contando sua história, disseminando a prática das raizeiras e foi uma das responsáveis pela elaboração do “Protocolo Comunitário Biocultural das Raizeiras do Cerrado – Direito consuetudinário de praticar a medicina tradicional”.
A Articulação Pacari publicou, em 2015, este Protocolo que é um instrumento político para garantir os direitos daqueles que fazem uso tradicional e sustentável da biodiversidade brasileira para a saúde comunitária. O documento inclui acordos elaborados pelas comunidades locais, sobre temas relevantes aos seus modos de vida. “Para a Vigilância Sanitária é inconcebível remédio em casa, por isso temos esse protocolo que registram nossas boas práticas,” explicou Tantinha.
Tantinha também reforçou um elemento essencial do trabalho das raizeiras: a intenção. “Gosto de trabalhar a intenção. Se eu não estou bem, não posso fazer o remédio”. E concluiu sua fala reforçando que o conhecimento tradicional é passado de geração para geração: “é um conhecimento que não tem dono, só tem herdeiros”.
Para resistir é preciso conhecer nossa história: “Precisamos saber quem somos nós”
Do município de Exu, na Chapada do Araripe, veio mais uma experiência com medicina tradicional apresentada no Seminário. Exu fica na divisa de Pernambuco com o Ceará e é conhecido por ser o local onde nasceu o músico Luiz Gonzaga. A apresentação foi feita por Silvanete Sousa, membro da Rede Agroecológica da Chapada do Araripe (PE). “Sou benzendeira e rezadeira e meu primeiro chá, eu fiz com 8 anos para a minha mãe que estava com uma hemorragia”.
Para Silvanete, as pessoas precisam conhecer sua história para se fortalecerem e é preciso colocar essa discussão dentro da agroecologia porque muitos ainda não fazem esta reflexão. Se isso for feito a resistência aumenta. “Somos da terra e a terra somos nós. Se há uma proibição para fazer um chá, na verdade estão proibindo nossa forma de existir.”
A Rede Agroecológica da Chapada do Araripe promoveu encontros na região com benzendeiras, raizeiras e parteiras e passou a dar destaque para a discussão sobre a educação. Eles incentivam os jovens a fazerem cursos universitários que possam fortalecer a garantia de direitos do uso da medicina tradicional: “O cientista pode ser nosso filho, pode ser nossa voz, nos apoiar na resistência e dar mais qualidade para o nosso trabalho,” explicou Sivanete.
As experiências narradas mostraram a valorização de diferentes saberes, da agrobiodiversidade, dos cuidados com os bens comuns e do protagonismo das mulheres. O Seminário foi encerrado com falas de outros/as agricultores/as, raizeiras, benzendeiras e parteiras que reforçaram a relação da medicina tradicional com os valores da agroecologia. No ENA esta medicina tem lugar de destaque não só nas rodas de conversa como na Tenda da Saúde onde todos os/as participantes podem receber atendimento e conhecer mais as diferentes práticas.
Revisão: Elka Macedo