Eleito presidente do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), Joaquim Belo tomará posse a partir de janeiro de 2013. Seu mandato será de três anos, e as demandas do movimento não param de crescer. Belo reconhece que a tarefa é árdua, e destaca que sua liderança será baseada nas resoluções do III Congresso Nacional de Populações Extrativistas, que ocorreu em Macapá (AP), onde ocorreu a eleição na semana passada.
Nesta entrevista Joaquim faz um balanço do encontro e aponta as próximas lutas do movimento. Segundo ele, a prioridade atual é a regularização fundiária e a educação dos povos das florestas. O êxodo rural, em sua opinião, precisa ser interrompido de modo a valorizar o conhecimento tradicional para as novas gerações.
Qual a sua avaliação sobre o evento e quais as expectativas do CNS daqui para frente?
O nosso balanço é extremamente positivo, no sentido do debate, do compromisso assumido com o governo federal. Foi um cenário muito interessante, com a participação de muitas mulheres e a juventude. Conseguimos mobilizar o governo federal com uma estrutura grande para vir dialogar conosco e, acima de tudo, se comprometer. É uma luta de 27 anos do que há de mais bonito na conjuntura atual, porque é um público que pensa o futuro diante do cenário de mudanças climáticas, degradações, etc. Muitos nos vêem como atrasados, mas somos o público do futuro que sempre conviveu com a sustentabilidade no seu modo de vida. Aquilo que é visto como atrasado a gente começa a ver que é o que temos de mais moderno, isso para nós tem um valor muito grande. Vamos descobrindo que a nossa luta pela sobrevivência e a economia extrativista do nosso povo tem um papel central em tudo que está acontecendo nesse planeta, no ponto de vista do desequilíbrio ambiental nesse momento. A conjuntura atual nos remete a um bom planejamento porque até muito pouco tempo tínhamos poucas reservas extrativistas, projetos de assentamento e reservas de desenvolvimento sustentável. O CNS tem que redefinir seu plano estratégico, pois o pacote é muito grande e o momento é oportuno em termos do que a gente construiu de alianças e reconhecimento para dar resposta a essa demanda.
Vocês têm alguma estimativa de quantas organizações participam do CNS?
A gente acha que são mais de 700 entidades vinculadas. No congresso começamos a organizar isso para vermos o tamanho dessa responsabilidade. Esse público, através das nossas regionais, precisa se empoderar muito bem para fazer esse debate no local e estar extremamente bem representado e apoiado por esse povo. Temos 59 reservas extrativistas criadas por decreto pelo presidente, embora ainda não tenham sido regularizadas. Mas temos mais de 200 processos impedidos no ICMBio. Nós achamos que nesses territórios de reservas, assentamentos e unidades de preservação estão em torno de 70 mil famílias. Temos essa estimativa, mas não uma coisa real. Vai começar um censo que haverá um cadastramento, e a gente vai saber isso de forma bem concreta. Em nível de Amazônia isso é muito mais sério, porque não temos esses dados, não sabemos quem somos, de quantas famílias estamos falando. São 500 mil convivendo com as florestas tendo essa economia como parte da sua vida? Ninguém tem essas informações. O IBGE não consegue saber porque estamos catalogados como agricultor familiar, mas já começa a dar um sinal de que quer chegar nesse público que tem um papel importante para a floresta.
Temos que estar fortes nessas regiões e com direções empoderadas, porque o conflito hoje é diferente do passado. Tínhamos o conflito direto pelo controle da terra, e hoje é pelo da biodiversidade. Há uma nova estratégia dos madeireiros de cooptação das nossas lideranças nessas áreas que têm esse potencial. Então tem todo um processo, e a gente acredita que a nossa estratégia se aperfeiçoe nesse novo momento. A nossa economia extrativista ainda caminha na informalidade, e isso também nos fragiliza. Aqui no Amapá, por exemplo, a economia do açaí é uma das principais do estado. O seu PIB é maior que o da mineração, mas ela vai na informalidade. Essa identificação é feita por aquele que faz um mestrado ou doutorado, mas o estado ainda não conseguiu criar um instrumento que declare isso oficialmente. Conquistamos muita coisa, passos interessantes, mas temos muita coisa ainda para fazer. Precisamos fazer pressão e construir alianças nos diversos segmentos: jornalistas, ONGs ambientais, governos municipais, estaduais e federais. Por isso o congresso tem um papel central, é a chance desse povo falar por ele mesmo. Agora é comigo com as autoridades, e a gente vai negociar a partir do que eles foram tensionando. A resolução do congresso será nossa cartilha e orientará todo o nosso trabalho.
O que ficou claro pelos relatos no Congresso em termos de prioridade das reservas extrativistas?
Nossa primeira estratégia é continuar lutando para criar reservas, e de forma que inicie o processo de regularização. Na criação do decreto já defina o perímetro, e depois regularize para garantir nossos direitos. Lutar pela regularização fundiária das reservas é uma prioridade nossa. Depois tem o plano de manejo, que é o nosso zoneamento, como vai organizar nossa posição e pacotes de produtos dentro daquele espaço. Nisso o SNUC (Sistema Nacional das Unidades de Conservação) tem sido uma peça que não tem ajudado, porque diz que uma reserva com 5 anos tem que ter plano de manejo. Só que tem reserva com 20 anos e nunca foi feito isso. Então o governo precisa organizar melhor para que os SNUCs sejam cumpridos.
Tem também a questão da educação, que é muito importante para nós: é o bem mais precioso que podemos dar a esse povo. Precisamos adequá-la e fazer com que a nossa juventude, que se apresentou reafirmando sua posição enquanto extrativista, faça um ensino médio e uma faculdade. Assim você terá um empreendedor, um técnico, uma pessoa com conhecimento. A relação de compra e venda será de outra forma, então a questão da educação para nós é central. A nossa tradição e o nosso costume de manter as florestas em pé têm que estar dentro do recorte da formação. A educação não pode promover o êxodo rural da nossa juventude, porque eles estudam e não voltam mais para ajudar na comunidade. Estaremos atacando a educação daqui para frente.
Em termos de políticas públicas, foi anunciado o Minha Casa Minha Vida para os assentamentos de reforma agrária em 2013, e o PAA e o PNAE chegaram a Marajó, no Pará. Quais são as expectativas em relação a esse cenário?
Temos uma estratégia de fazer com que essa política pública que já existe chegue, e construir novas ou aperfeiçoar algumas já existentes. Se chegasse a gente avançaria muito. Percebemos que às vezes dentro do governo federal tem ministérios que não conhecem profundamente a política que outro ministério tem, então temos um problema muito sério. Deduzimos que os municípios são piores ainda, e eles têm um papel importante nesse pacto federativo e na responsabilidade dessas políticas. Por isso foi anunciada a comissão do Comitê Interministerial, para a gente ver esses dados todos e as políticas públicas para traçar uma estratégia para elas chegarem. Com esse compromisso assumido com os ministérios vamos trazer essas políticas para perto das comunidades. A gente estima que até 40% desses prefeitos nunca foram nem a Brasília, então nós temos um papel de ir aos municípios conversar, ajudar, propor seminários, aproximá-los dos assentamentos. Nossa estratégia é ver essas políticas e tentar trabalhar de forma conjunta com os governos, dialogar direto elas com as comunidades.