Por Eduardo Sá,
Cresce no Brasil o interesse pelas plantas medicinais, em especial as nativas, e o conhecimento tradicional associado ao seu uso. No entanto, as legislações nacionais têm caráter impeditivo à livre circulação de muitos produtos elaborados a partir das plantas. São óleos, chás, raízes, cascas, resinas, argilas, dentre outros recursos naturais, manejados para a confecção da medicina popular.
As farmacinhas caseiras ou comunitárias e as pequenas hortas são desenvolvidas em diversos municípios do país, e vendem remédios sem a indicação terapêutica para driblar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que fiscaliza os medicamentos registrados. A inviabilidade financeira e jurídica dificulta a regularização das fórmulas. Segundo a Anvisa, as solicitações de registro de medicamentos fitoterápicos passam por criteriosa análise técnica e geram o maior índice de indeferimentos (43%).
Somos signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), das Nações Unidas (ONU), que conta com a adesão de 188 países e prevê a promoção e conservação da biodiversidade. Em paralelo a esse patrimônio genético inigualável, existe a biopirataria. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, estima que até 80% da população que vive nos países em desenvolvimento dependem das plantas para seus cuidados primários de saúde.
As legislações e a repressão
A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 48/2004, da Anvisa, dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. A planta medicinal, no entanto, não é objeto de registro ou cadastro. A medida provisória 2.186-16, editada em 2001, regula a bioprospecção sob os conceitos de justiça e ética. Busca a soberania do Estado sobre os recursos biológicos, mas acabou criando grandes barreiras a essa atividade estratégica. O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, autoriza ou não projetos de pesquisa.
Várias políticas e programas de governo contemplam as plantas medicinais. A mais importante delas é a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, instituída pelo Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Regulamenta a produção, manejo, beneficiamento e comercialização de plantas medicinais, bem como o uso popular de medicamentos fitoterápicos pelas indústrias. O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos será elaborado por um Grupo de Trabalho Interministerial junto a um Comitê Nacional. Há expectativa dos produtos serem referendados pela tradição e serem inseridos no Serviço Único de Saúde (SUS).
Atualmente o SUS financia 8 fitoterápicos industrializados. A Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus) foi divulgada pelo Ministério da Saúde (MS) em 2009 e é constituída por 71 espécies vegetais, e busca orientar e subsidiar os estudos para inovação. De 2003 a 2010 o MS financiou 108 pesquisas relacionadas às plantas medicinais/fitoterápicos, investindo R$ 10 milhões. Para a tecnologia ser incorporada ao SUS é preciso analisar a eficácia, efetividade e custo-benefício dos medicamentos, acompanhando as regras de indicação e forma de uso, para garantir a segurança do paciente e a conduta dos profissionais da saúde. Em 2010 foi instituída a Farmácia Viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Movimentos sociais e o Comitê
Uma mobilização nacional por parte da sociedade civil, com movimentos sociais, acadêmicos e ONGs formou o Comitê Brasil em defesa das florestas e do desenvolvimento sustentável pelo uso popular e tradicional de plantas medicinais. Cada um dos 5 biomas brasileiros tem dois interlocutores, um titular e um suplente, para levar a demanda de suas regiões às autoridades.
De acordo com lideranças dos biomas, o principal objetivo é colocar os “invisibilizados” na legalidade. Eles reconhecem que o MS está trabalhando algumas experiências pilotos no país, mas as dificuldades enfrentadas pelos pequenos empreendedores ainda é brutal. Aquele que for pego vendendo ou produzindo medicamento com indicação terapêutica sem ser registrado ou autorizado, fica enquadrado na Lei nº 6437, de 20 de agosto de 1977. As penalidades vão desde advertências e multas até fechamentos de estabelecimentos e apreensão de mercadorias.
“Não há fomento público, e várias pequenas iniciativas são fechadas. O MS não acha seguro, apesar de algumas plantas serem usadas há séculos sem nenhum malefício à saúde. As formas de reconhecimento são muito burocráticas, procedimentos quase impossíveis, e dificulta a legalização dos pequenos empreendimentos. Os critérios de controle não podem ser os mesmos das indústrias farmacêuticas, é preciso um novo marco, com conceitos culturais, antropológicos, etc”, defendem lideranças no Comitê.
Farmacopéia Popular
As farmacopéias são livros oficiais do governo para a identificação dos medicamentos e o controle de sua qualidade. Uma lista das substâncias utilizadas na preparação dos medicamentos. A última edição foi finalizada em 2006 com a publicação de 6 fascículos por uma comissão vinculada à Anvisa, com registro de 47 espécies medicinais. O decreto Nº 96.607, de 1988, obriga o uso da Farmacopéia Brasileira em diversos setores relacionados à medicina para a segurança do consumidor.
A Farmacopéia Popular do Cerrado, criada pela Articulação Pacari, é fruto de uma pesquisa popular realizada, entre 2001 e 2005, em quatro estados. O objetivo é, através da linguagem local, disponibilizar o conhecimento tradicional para o uso legítimo desses medicamentos. Cerca de 262 raizeiros e representantes comunitários em conjunto com o suporte técnico participaram. É um instrumento político de proteção à apropriação indevida dos recursos naturais da região e conhecimentos tradicionais. Está em andamento a 2ª edição do livro.
Experiências da medicina popular
O Quilombo do Cedro, em Mineiros, no Goiás, trabalha com plantas medicinais há mais de 150 anos. Mesmo assim já passou por dificuldades com a Anvisa, segundo Lucely Moraes, moradora da comunidade. Mestre em fitoterapia pela UNB, ela provou em sua monografia a eficácia das plantas medicinais para curar determinadas patologias. Segundo ela, a vigilância sanitária não conhece o processo e a cultura desses métodos.
“Vemos que precisa de uma capacitação também do governo com essas novas legislações. Como não têm conhecimento e formação, preferem proibir que estudar. É um avanço para nós populações tradicionais, mas o que está exposto nessa política de plantas medicinais ainda não atende às nossas demandas e sim aos grandes laboratórios”, criticou.
Hoje também existe uma lei que viabiliza a comercialização de plantas medicinais em mercados, mas são vendidas como alimentos, complementou a pesquisadora. No SUS ainda não está liberado, só depois de implantado nos municípios para a secretaria de saúde entrar em contato com essas comunidades e fazer convênio. Poucas prefeituras têm prestado esse serviço no SUS, o que garantiria renda com compra de determinados remédios.
A quilombola concluiu com tristeza, porque muitas das comunidades tradicionais estão deixando de usar a planta e sua cultura por causa da chegada das aspirinas, como a dipirona. “É triste, até porque a eficácia é melhor pois não tem nenhuma química no seu organismo com a planta in natura. Ela oferece risco, mas as comunidades têm a maneira correta de colher e usar. O angico e jatobá, por exemplo, são as duas melhores plantas utilizadas para gripe, bronquite, dentre outras doenças, porque elas expectoram”, advertiu.
Corrupção e multinacionais
Um dos maiores gastos no Brasil em remédios é dedicado a analgésicos e anti-inflamatórios, apesar de várias plantas terem a mesma função, afirma Celerino Carriconde, Coordenador do Centro nordestino de Medicina Popular. Ao invés da aspirina, é possível utilizar o alho, alecrim, a hortelã graúda, dentre outros elementos naturais. Mas não há vontade política, e continuamos dependentes das multinacionais, complementa. Segundo ele, o principal problema é que as prefeituras não têm interesse em melhorar o produto fitoterápico, porque remédio é ralo de corrupção. Segundo o Ministério da Saúde, são gastos R$ 10 bilhões em medicamentos por ano no Brasil.
São mais de 15 farmacinhas só no grande Recife. Tem trabalhos que chegam a vender 700 remédios por mês, por preços simbólicos a quem mais necessita. O governo do Estado de Pernambuco, através do Instituto de Tecnologia do Estado de Pernambuco (Itep), quer que o laboratório do Estado produza o remédio com essas plantas.
“Mas tem a máquina da burocracia das legislações impostas pela Anvisa, que está ligada às multinacionais que fazem lobby no congresso. O MS e a Anvisa estão comprados pelas multinacionais. Todos sabem os malefícios da Coca Cola e o governo não faz nada, mas fala em segurança alimentar. É tudo pressão internacional. O Brasil quer fazer uma legislação para entregar nossa planta à biopirataria”, critica indignado.
Celerino afirma que a justifica tecno-científica da repressão às pequenas iniciativas com plantas nativas é um mito, pois o problema é político e econômico. Defende ainda que há medicamentos populares mais eficientes e baratos, chegando a 30% na redução dos gastos, e com o seu fomento reduziria o internamento hospitalar e desoneraria o SUS. Esse dinheiro, conclui o médico, pode ser direcionado à atenção primária do povo.
De acordo com o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Ambiente, Roberto Cavalcante, a legislação que envolve a biopirataria está evoluindo e a Convenção de Biodiversidade é extremamente sólida pois garante aos países o patrimônio de seus recursos. Segundo ele, no Brasil vem crescendo a preocupação devido à crescente pressão dos interesses das empresas estrangeiras em nosso país.
“O melhor incentivo à bioprospecção é a parceria entre as comunidades, instituições científicas e eventualmente empresas, para quantificar e qualificar as plantas. Isso existe no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cegen), para licenciar e assegurar a propriedade intelectual e o direito da biodiversidade brasileira. Se é detectado em outro país o uso de um produto brasileiro, segundo a convenção de biodiversidade podemos acionar a empresa. E em caso de violação de direitos, tem de haver reparação”, afirmou.
Em caso de evidências de biopirataria o Brasil tem exigido dos países o reconhecimento de seus direitos. Fomos protagonistas na proposição do protocolo de Nagoya, que reconhece internacionalmente o acesso e repartição de benefícios aos países detentores da biodiversidade. No entanto, não há registro de reparações. Por outro lado, ocorreram avanços na área de genoma e biologia molecular, o que permite determinar se há acesso ilegal e conformidade com a legislação brasileira. Porém, de acordo com o secretário, além de também cultivamos plantas de outros países, a maioria dos países não tem restrições ao fluxo de recursos genéticos e não há um sistema internacional sobre o tema.
“O Brasil tem se posicionado no registro de patentes no exterior de produtos que sejam claramente brasileiros. Teve o caso célebre, por exemplo, do cupuaçu que houve uma tentativa internacional de patentear. Tem que ter um acordo recíproco com países sobre esse tipo de reconhecimento, então na verdade hoje não existe ainda uma legislação internacional reciprocamente aceita de acesso a recursos genéticos. Não basta você ter uma lei doméstica, o governo brasileiro tem que fazer valer acordos internacionais que instituem isso”, concluiu.
Anvisa está VISADA, defende os interesses dos grandes laboratórios que lucram com a doença, tanto fitoterápicos quanto terapias alternativas, comprovadas sem contra indicação como a auto hemoterapia, são proibidas pois diminuiriam a venda de remédios nas farmácias.
A bandeira da anVISA é “é melhor remediar”, isso tem que acabar um dia, enquanto isso produtos bons tem que driblar as normas, como um produto ótimo para expectorar feito com mel, eucalipto, guaco, propolis, agrião e oleo de copaiba teve que mudar seu rótulo para “aromatizante bucal”.