Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 6299/2002, de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos ícones do agronegócio brasileiro também conhecido como o rei da soja, é fonte de preocupação para organizações ambientais e movimentos sociais. Com sua aprovação serão facilitadas ainda mais a comercialização, utilização, armazenamento, transporte, dentre outros mecanismos que a nossa atual lei de agrotóxicos prevê.
De acordo com Fernando Prioste, advogado popular e assessor jurídico da Terra de Direitos, é necessário lutar para que o interesse por lucro das grandes empresas transnacionais produtoras de transgênicos e agrotóxicos não se sobreponha ao direito de produzir e se alimentar sem transgênicos e agrotóxicos. Na entrevista a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ele fala sobre o projeto de lei e aponta alguns retrocessos possíveis com sua aprovação.
Prioste é integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e mestrando em direito socioambiental e sustentabilidade pela PUC/PR. Também coautor do livro “Empresas transnacionais no banco dos réus: violações de direitos humanos e possibilidades de responsabilização” e “coorganizador do livro “Direito constitucional quilombola: análises sobre a ação direta de inconstitucionalidade nº 3239”
Quais os principais aspectos por trás dessas propostas de mudança na lei de agrotóxicos?
As mudanças que querem fazer na atual lei dos agrotóxicos atende a interesses das empresas produtoras de transgênicos e agrotóxicos, assim como os grandes produtores de commodities agrícolas. Assim, não é por acaso que caso o PL do Veneno (Projeto de Lei nº 6299/2002) seja aprovado ocorrerão mudanças que facilitarão a utilização de agrotóxico em quantidade maior que a atual, bem como com maior potencial de causar danos ao meio ambiente e à saúde.
São muitas as mudanças propostas pelo PL do Veneno, mas podemos destacar três principais alterações; a) Criação da CNTFito, instituição semelhante à CTNBio e que teria a função de avaliar quais agrotóxicos seriam liberados para utilização, facilitando muito a liberação dos agrotóxicos. b) Atualmente agrotóxicos que causam graves danos à saúde (teratogênicos, carcinogênicos, mutagênicos) são totalmente proibidos. Contudo, a lei pretende que esses agrotóxicos possam ser liberados desde que não haja um “risco inaceitável” na sua utilização. Mas existe risco aceitável para agrotóxico que pode causar câncer? c) A nova lei também limita a atuação dos estados no tema, para dificultar que sejam criadas leis estaduais que restrinjam mais a utilização de agrotóxicos.
Esses são apenas alguns elementos da proposta de mudanças, que deixam explícitos que a mudança não tem objetivo de assegurar melhoras à saúde e ao meio ambiente no tema dos agrotóxicos, já que os benefícios são quase que exclusivos para as empresas que produzem agrotóxicos e para quem os utiliza no campo. Enfim, com o PL do Veneno o lucro vem antes da saúde e do meio ambiente.
A atual legislação atende adequadamente às demandas sobre o tema?
A Lei 7.802/89 é resultado de uma longa luta de movimentos sociais para regular por lei o uso de agrotóxicos no Brasil. Desde a década de 1960 utiliza-se agrotóxicos de forma massiva no Brasil, sem que houvesse uma lei especifica para tratar do tema, pois a lei federal utilizada era de 1934, quando praticamente não se utilizava, e muito pouco se conhecia sobre agrotóxicos no Brasil.
A primeira lei específica para agrotóxicos do Brasil foi aprovada no Rio Grande do Sul, em 1982, e foi fruto de muita luta de movimentos sociais populares e de militantes ambientalistas. Depois do Rio Grande do Sul vários estados passaram a regular por lei a utilização de agrotóxicos, até que em 1989 uma lei federal regulamentou o processo nacionalmente.
A atual lei de agrotóxico é fruto da luta popular, mas não é a melhor lei possível tendo como referência a necessidade de garantir a preservação do meio ambiente e o respeito à saúde humana na produção agrícola. Isso, porque desde a época da aprovação da primeira lei de agrotóxico as empresas produtoras atuaram de forma a tentar conter os avanços populares.
Atualmente o campo popular luta pela implementação do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara), que contém mecanismos para realizar uma transição a um modelo de agricultura que não utilize agrotóxicos. Contudo, para implementação do Pronara é necessário que a atual lei de agrotóxicos não seja alterada.
Como os movimentos e organizações da sociedade civil estão vendo a possibilidade de criação de uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CNTFito)?
A criação desta Comissão tem por objetivo acelerar a liberação de agrotóxicos no Brasil, retirando do IBAMA e da ANVISA a atribuição de realizar o processo de avaliação de pedidos de liberação comercial de agrotóxicos.
Essa estratégia é semelhante à utilizada no tema dos transgênicos, onde a CTNBio é o órgão responsável pela liberação comercial de transgênicos, e praticamente retira de todos os outros órgão públicos a possibilidade de monitorar e avaliar os impactos dos transgênicos que podem ser liberados para comercialização. Destaca-se que desde a criação da CTNBio nenhum transgênico foi impedido de ser liberado pela CTNBio, fato que pode acontecer com os agrotóxicos caso seja criada a CNTFito.
Assim, a criação da CNTFito tem o evidente objetivo de criar um caminho mais fácil para a liberação comercial de agrotóxicos no Brasil, facilitando o lucro das empresas e trazendo mais riscos à saúde e ao meio ambiente.
Quais as principais reivindicações e críticas dos movimentos sobre os agrotóxicos no Brasil?
Os agrotóxicos não são essenciais para a produção de alimentos no campo. Há possibilidade de desenvolver modelos de produção que viabilizem alimentos saudáveis para quem consome, e renda digna para quem produz.
Contudo, hoje o mercado está totalmente voltado para um modelo de produção que é pouco acessível à agricultura familiar tradicional, pois tem por base a utilização de grandes maquinários, agrotóxicos e sementes transgênicas. A imposição desse modelo de agricultura dificulta, quando não impede, o desenvolvimento de outras formas de produção no campo, a exemplo da agroecologia.
É necessário lutar para que o interesse por lucro das grandes empresas transnacionais produtoras de transgênicos e agrotóxicos não se sobreponha ao direito de produzir e se alimentar sem transgênicos e agrotóxicos. Essa luta é longa e o desafio é grande, pois as empresas impuseram mundialmente o seu modelo de produção agrícola. Mas, ao mesmo tempo, são milhares as agricultoras e agricultores espalhados pelo mundo e que lutam pelo estabelecimento de um outro modelo de produção e vida no campo.
Assim, a luta contra os agrotóxicos é parte de uma luta maior, pela construção de uma sociedade mais justa e digna para todos. Essa luta maior tem como um dos seus pontos de partida a luta contra os agrotóxicos, pois o alimento saudável é essencial para que todos possam ter condições saudáveis de vida.