Dissertação de mestrado realizada por Maria Rita Reis, aprovada no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UNB), aborda a organização dos Bancos de Sementes promovida por camponeses e organizações rurais em algumas regiões do país. Com o tema “Tecnologia Social de Produção de Sementes e Agrobiodiversidade”, a acadêmica mostra como a ciência e a tecnologia agrícolas são elementos chave nos debates sobre sustentabilidade e têm sido parte do problema com o atual modelo de desenvolvimento rural. Por outro lado, são apresentados os mecanismos contra hegemônicos organizados pelos trabalhadores rurais, com base na agroecologia, para sobrevivência dos camponeses.
A avaliação Internacional sobre o papel do Conhecimento, da Ciência e Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola (IAASTD – sigla em inglês), patrocinada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Cultura, divulgada em 2008, constata que o sistema de conhecimento, ciência e tecnologia relacionado à agricultura enfrenta um impasse pois, embora a produtividade tenha aumentado no último século, a degradação ambiental e a persistência da fome e da pobreza demonstram a insustentabilidade do modelo vigente. Nesse sentido, o estudo propõe a revalorização dos conhecimentos tradicionais, da intersiciplinaridade e da democratização da ciência.
A questão das sementes é emblemática na construção dessa nova abordagem. As sementes são ponto fundamental para qualquer modificação no paradigma tecnológico vigente, sobretudo numa perspectiva de sustentabilidade. Nesse campo fica clara a disputa existente no denominado campo do desenvolvimento sustentável e os conflitos que envolvem a criação de alternativas. Por isso a tese de mestrado parte das experiências contra hegemônicas na área de produção de sementes: bancos de sementes, cooperativas de produção de sementes constiuídas por agricultores, metodologias de melhoramento participativo comunitário descentralizado, etc.
Essas batalhas têm em sua essência a luta histórica dos trabalhadores do campo por sua autonomia. É a partir delas que as políticas hegemônicas são questionadas, com propostas alternativas em curso bem sucedidas e respaldadas em questões como agrobiodiversidade e direito à alimentação, dentre outras. A não utilização dos insumos industriais, como os agrotóxicos, que prejudicam a saúde dos camponeses e dos consumidores dos alimentos, é uma das questões abordadas no estudo, que aponta para uma transição agroecológica.
A pesquisadora se esforça em compreender as relações entre os elementos da rede sociotécnica das sementes, evidenciando a ligação entre a produção de conhecimento, a criação de regulamentos jurídicos e os respectivos momentos históricos. São quase 300 páginas, divididas em 6 capítulos, com vasta referência bibliográfica e dados relativos à produção agrícola e sementes mais especificamente. Começa demonstrando a urgência de transformar as tecnologias sociais de produção de sementes, mostrando em seguida como as sementes foram transformadas, por meio da Revolução Verde, de um bem comum em mercadoria funcional à expansão da agricultura capitalista pelo mundo.
Dando sequência à sua argumentação, Maria Rita ressalta as modificações ocorridas na rede sociotécnica de sementes na era da globalização neoliberal, com a urgência de um complexo marco regulatório sobre os recursos genéticos. Nesse período as políticas de sementes na região sul foram reconfiguradas, então ela evidencia como no Brasil a legislação que entrou em vigor, a Lei de Proteção aos Cultivares (Lei nº 9.456/97) e a Lei de Sementes (10.711/2003), mexe em questões centrais nesse campo. A constituição de espaços contra hegemônicos por movimentos e organizações da sociedade civil desde antes vem crescendo, e a autora aproveita para entrevistar agricultores e lideranças sobre os temas que envolvem as sementes. Algumas dessas experiências são analisadas mais a fundo, como a Rede de Produção de Sementes Bionatur, constituída por famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Todo esse material compõe uma radiografia dos principais avanços e desafios no que diz respeito às sementes no Brasil, indo desde experiências com sementes crioulas realizadas pelos agricultores até o patenteamento de sementes transgênicas por grandes empresas e as políticas públicas relacionadas.
(*) Leia a dissertação “Tecnologia Social de Produção de Sementes e Agrobiodiversidade” na íntegra.