(Ji Paraná-RO) – Cerca de 60 participantes acompanharam na manhã da última terça-feira (15), na abertura da I Caravana Agroecológica e Cultural de Agroecologia de Rondônia, uma análise de conjuntura do Estado para a agricultura familiar. Diversas experiências agroecológicas da região foram visitadas nos últimos dias, e houve uma audiência pública hoje (18) com as organizações sociais integrantes da Rede de Agroecologia Terra Sem Males para debater com os gestores governamentais locais formas de fortalecimento da agroecologia na região. O evento faz parte do projeto Promovendo Agroecologia em Rede, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e entidades do território, com apoio da Fundação Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico.
Ao analisar o desenvolvimento do capitalismo no Estado de Rondônia e na Amazônia, Luis Roberto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou como fundamental para o funcionamento do sistema a centralização da acumulação com a concentração de terras. Segundo ele, o crescimento econômico do Estado foi maior que as média do país na última década por conta também do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mas hoje encontra-se estagnado.
“Ocorreram ciclos, o PIB do estado de 2002 a 2012 teve muitas quedas. Na pecuária esse movimento se repete, e a agricultura vem desde a crise de 2008 com investimentos comprando terras para o gado agroexportador. Houve aumento enorme no preço fundiário, por causa do aumento de produção e consumo da soja para alimentação do gado”, destacou.
A partir de 2012 há uma recessão econômica no Brasil, trazendo a diminuição dos agroexportadores para a economia chinesa e o governo americano tentando quebrar as commodities. É nesse contexto, de acordo com o militante do MST, que o governo realiza cortes nas áreas sociais e caminha numa tendência neoliberal. “Em Rondônia acaba os investimentos do PAC e da área de habitação”, exemplificou.
O crescimento do preço da terra acompanha o preço da soja, que expandiu geograficamente o agronegócio do Mato Grosso para Rondônia. Com a expansão da pecuária e da agricultura, o preço da terra explodiu com a entrada de dinheiro na região, explicou o militante. “É o agronegócio do centro do país chegando, o preço vem determinado com a possibilidade de renda atual e futura com o aumento de 5% ao ano na agricultura e na pecuária 20%. É uma bolha, nesse início de ano já sentimos os primeiros sintomas desse efeito. Aproveitam a baixa qualificação de mão de obra, o baixo custo de produção, a alta capacidade de liquidez da moeda, altos subsídios e facilitações de créditos, dentre outros benefícios”, disse.
Esse crescimento expansivo das fronteiras agrícolas de forma desordenada é um movimento natural do capitalismo na Amazônia. Quase 176 mil pessoas se deslocaram desde a década de 2000, ainda segundo Roberto, cerca de 65% indo a cidades polos e muitos migrantes de outras regiões por conta das construções das hidrelétricas e a construção civil. E Rondônia é o Estado campeão de mortes por conta do conflito agrário. “A tendência nesse momento é a dispersão, por isso é mais difícil articular. Nosso desafio maior é lutar nesse processo”, concluiu.
O olhar dos agricultores
Os participantes colocaram suas opiniões na plenária de abertura, relatando suas experiências frente às dificuldades apresentadas em outras regiões da Amazônia. O agricultor Valdivino Marques Sobrinho, da Articulação de Agroecologia do Tocantins, destacou os malefícios do projeto do governo previsto para sua região. “Esse Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) é um conflito que existe há muito tempo, o exército passou a tomar conta e agora a senadora Katia Abreu, que é ministra da agriculta, abriu uma brecha para incentivar o agronegócio nessa região. Estão passando mel na boca dos lideres dos estados para beneficiar o estado do Tocantins, eles têm terras muito grandes e há muitos conflitos”, afirmou.
A expectativa de alguns participantes é que a caravana fortaleça os movimentos locais que resistem ao agronegócio no Estado. De acordo com Claudio Pereira Sandos, da Via Campesina e do MST, Rondônia está num período muito complexo. “Um governo com discurso de um jeito e que na prática aplica o Estado mínimo. Estão fechando mais de 70 escolas no campo, e sem elas não tem possiblidade da agroecologia, assim como o acesso a terra. A concentração de terra aqui está na mão do agronegócio, tem região que o plantio de soja aumenta em áreas arrendadas pelos fazendeiros. Enquanto não tiver um projeto de estado voltado para o pequeno camponês não haverá agroecologia, daí a importância da caravana num movimento de resistência. Uma articulação do campo e da cidade”, concluiu.
A aproximação do agricultor com o consumidor foi outro aspecto citado na perspectiva da potencialização da agroecologia. “Seria muito importante uma relação forte do agricultor com a cidade, a sustentabilidade também depende de um consumidor consciente. Quebrar essa frieza do capital, estabelecer uma relação familiar também porque estamos levando a saúde. A vida no campo é trabalhosa e cansativa, às vezes as pessoas não tem paciência para conversar nas feiras. Mas é importante estabelecer relações mais fortes para o consumidor entender também a agroecologia: falar de compostagem, reciclagem, alimentação saudável, etc. As famílias são maiores que o agronegócio, por isso precisamos nos unirmos para exigir qualidade dos solos e do nosso alimento”, propôs Welington
“Em Santarém não é diferente, tem a chegada muito forte do agronegócio e outros grandes projetos. Desafio grande por conta da especulação dessas áreas, principalmente nos assentamentos, com companheiros se deixando levar. Quando vamos à feira da produção agroecológica, o que nos falta é como produzir mais sem veneno. Temos dez cadeias produtivas dos movimentos com o Estado, mas a atuação da Cargil é muito forte com mais de 2 milhões toneladas de veneno passando por lá nos próximos anos em nossos portos. Lutamos por uma nova proposta de produção, mas tudo que construímos está sendo destruído porque tem organizações há 8 meses sem receber os projetos de assistência técnica jogando fora todo o trabalho da agroecologia”, criticou Adilson Amaral, do sindicato dos trabalhadores rurais de Santarém, no Pará.
“Vemos um projeto, e não temos nenhum representante da agricultura familiar no legislativo. Hoje temos mapeadas 54 áreas para retomada em Rondônia, e ninguém vai desapropriar essas terras. Os governadores e deputados são aliados da Katia Abreu, temos uma missão muito grande nesse trabalho. Eles priorizam o agronegócio, temos um decreto da presidenta para 30% da agricultura familiar mas não temos produção por falta de condições e assessoria. Desafio muito grande, porque ainda pode ficar pior, falta o apoio do Instituto Federal, as universidades, os municípios para criar consciência. O agronegócio é incompatível com a agricultura familiar, e é impossível imaginar que o governo vá construir essa harmonia”, concluiu Luis Roberto, do MST.