Por Eduardo Sales de Lima,
Em meio à diversidade política, regional e cultural, os povos do campo decidiram se articular em torno da luta pela implementação de um novo modelo agrário no Brasil, e pressionar o governo federal. O Encontro dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que começa nesta segunda-feira (20) e vai até quarta-feira (22), em Brasília (DF), indica claramente essa nova etapa.
Cinco décadas após o histórico Congresso Camponês de 1961, ocorrido em Belo Horizonte (MG), distintas organizações sociais do campo se propõem, novamente em uníssono, lutar pela reforma agrária.
Os movimentos do campo pretendem distinguir, em alto e bom som, qual o modelo de desenvolvimento os trabalhadores anseiam, e qual deve ser, na visão dos camponeses, o modelo a ser superado. “O agronegócio representa um pacto de poder das classes sociais hegemônicas, com forte apoio do Estado brasileiro, pautado na financeirização e na acumulação de capital, na mercantilização dos bens da natureza”, afirma o manifesto preparatório para o encontro, assinado em fevereiro pelo MST, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cáritas, entre outras organizações.
Em termos gerais, se reivindica uma reforma agrária ampla e de qualidade (com produção e acesso a alimentos saudáveis e conservação ambiental, estabelecendo processos que assegurem a transição agroecológica).
Tópicos não menos importantes são o combate à estrangeirização das propriedades e estabelecimento do limite de propriedade da terra. Outro ponto da pauta é a garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas e das comunidades tradicionais: terra como meio de vida e afirmação da identidade sociocultural dos povos.
O encontro de Brasília aponta para uma pressão mais aguda em relação às políticas de desenvolvimento rural. De acordo com José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST e da articulação do encontro, o governo Dilma ainda não se propôs a criar um plano para o campo brasileiro. “As políticas estruturantes estão paradas, há um gargalo em relação à terra cujo responsável é o agronegócio, apoiado pelo governo”, critica.
Identidade e unidade
Se o agronegócio e o capital financeiro, representado pelos bancos, são os grandes inimigos comuns e, além disso, são fortemente representados dentro do Congresso Nacional, Batista defende que “não basta cada movimento lutar por si só”.
Como lembrou Frei Sérgio, na edição 477 do Brasil de Fato, “enquanto lutamos de forma fragmentada o agronegócio vai ‘passando o trator’ no Congresso com seu modelo na sociedade.
“A grande tomada de consciência que está havendo agora para os movimentos, a Fetraf, a Contag, é que as reivindicações eram isoladas. A Contag ficava muito restrita à questão do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ), o MST muito restrito à questão dos assentamentos, o MPA à questão do crédito subsidiado e moradia”, explica Frei Sérgio Görgen, da coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
O isolamento das organizações custou caro. Como lembra Luis Cláudio Lopes da Silva, assessor e membro da Coordenação Colegiada do Secretariado Nacional da Cáritas Brasileira, o processo de desarticulação das forças sociais que atuam no campo determinou derrotas e “que perdêssemos espaço junto ao processo de construção e efetivação de políticas públicas no campo”.
Nessa linha de raciocínio, o dirigente do Movimento Camponês Popular (MCP), Altacir Bunde, exorta os trabalhadores ao afirmar que no atual contexto de agressividade do agronegócio “se torna importante construir uma unidade que seja capaz de lutar realização da reforma agrária e pela garantia da soberania alimentar”.
Mas Elisângela dos Santos Araújo, coordenadora geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), não tem dúvidas de que o encontro em Brasília fortalecerá a identidade camponesa e o projeto de sociedade dos trabalhadores. “Queremos demonstrar que esse modelo de produção atual no Brasil está fadado ao fracasso, porque só pensa no lucro. E nós estamos pensando na vida, numa outra forma de desenvolvimento, e que leva em conta toda essa diversidade. Propomos um novo debate de acesso à terra em que se leve em conta todo o processo de produção, de vida no campo, que passe pela infraestrutura, lazer, educação. Tudo que se precisa para o ser humano viver com dignidade”, explica Elisângela.
Pressão
“É preciso pautar a reforma agrária junto ao governo federal como a principal política de combate à miséria porque não é possível falar em combate a miséria sem Reforma Agrária”, aponta William Clementino, secretário de Políticas Agrárias da Contag. Fora da pauta do governo. É assim que Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB e da Via Campesina considera a questão da reforma agrária e da agricultura camponesa no Brasil. “A realidade das organizações é muito semelhante e há essa disposição de construir unidade; precisamos pressionar”, afirma
O congresso dos camponeses em Brasília não se encerra em si. Segundo Luis Cláudio Lopes da Silva, da Cáritas, após o testemunho da letargia do primeiro ano do governo de Dilma Rousseff em relação à reforma agrária, “a articulação dos movimentos não só é oportuna como central para avançarmos para além das mobilizações, lutas e pautas específicas dos movimentos e das organizações que atuam no campo”.
É preciso planejar lutas conjuntas para o próximo período. É o que defende José Batista, da coordenação nacional do MST. “Nosso objetivo é que essa unidade não seja só momentânea, mas o início de um processo, pois o governo está convencido de que não deve fazer a reforma agrária e demarcar terras”.
Ao final do encontro, haverá uma marcha em Brasília, colocando a Reforma Agrária e o direito à terra para todos como prioridade. (Com informações de José Coutinho Júnior, da Página do MST)
(*) Matéria reproduzida da página do Brasil de Fato.