Por Najar Tubino, na Carta Maior
Rio de Janeiro – Não é exagero, existem milhares de brasileiros organizados em coletivos, associações comunitárias e redes que estão lutando para mudar o perfil do Brasil, para torná-lo menos desigual, desconcentrado, diverso, com participação ativa das mulheres, mas também muito mais criativo, produtivo e economicamente sustentável. A Agricultura Urbana e periurbana é um exemplo disso. A discussão começa pela definição de agricultura dentro das cidades: ela é rural ou urbana. São Paulo, por exemplo, entre os mais de 10 milhões de habitantes foram registrados 400 agricultores pela prefeitura. Dentre eles, 50 a 60 estão na zona norte, onde dois assentamentos do MST que produzem alimentos para a capital. No último Plano Diretor da cidade a zona rural foi novamente delimitada. Ela tinha sumido do mapa.
Isso faz parte da estratégia dos especuladores imobiliários e políticos que são os seus representantes. Mudam as leis, não executam políticas públicas aprovadas e regulamentadas na esfera federal. Em Rondônia, trocando de região, há três anos os grupos ligados à agricultura familiar e a agroecologia tentam realizar um seminário sobre o Plano Nacional de Produção Agroecologia e Produção Orgânica. E não conseguem. Em dezembro, entre os dias 15 a 18, a Rede de Agroecologia Terra Sem Males, que envolve vários assentamentos do MST realizará uma caravana para mostrar os trabalhos realizados na região de Ariquemes, Jaru e Mirante da Serra. Um dos trabalhos envolve uma pesquisa de 12 famílias que produzem de forma coletiva hortaliças, leite, produtos agroflorestais – cacau – que expressa o impacto econômico da produção.
Paranoia dos gestores com a corrupção
A questão começa na definição de política pública para determinado movimento, que é composto de muitas organizações com pontos de vistas diferentes e estratégias diferentes. O problema equacionado necessita de um formato legal, porque senão não haverá recurso público liberado. Para isso precisa da aprovação do orçamento no Congresso Nacional. E, depois, a boa vontade de pessoas, ou setores dentro dos ministérios que coloquem a questão em funcionamento, sem contar com a roda das cadeiras. Na plenária final do I ENAU participaram Rogério Dias, do MAPA, que é o coordenador de Agroecologia, mas tem uma experiência de 33 anos de vivência na máquina pública. Ele ressaltou que é necessário ocupar os espaços, independente dos ministérios envolvidos, e também que houve uma mudança desde a criação do PLANAPO, que não foi uma maravilha na prática, porém deu o pontapé inicial em muitos programas.
Ele também ressaltou que agora a paranoia da corrupção contaminou todos os gestores, que podem inclusive acabar com um movimento com a liberação de verbas que depois os órgãos de controle vão definir como ilegal. Manoel Bonduki, do MDA, questionou e ouviu muitos questionamentos sobre a participação do ministério no apoio aos projetos e ao movimento da agricultura urbana. Afinal, o Brasil é um país imenso, centralizado em três regiões metropolitanas que estão explodindo de problemas de água, moradia, transporte e saúde, sem contar a alimentação e a produção de alimentos. São Paulo com mais de 15 milhões, Rio de Janeiro com 12 milhões e Belo Horizonte com cinco milhões. Mas o restante do país tem realidades totalmente diferentes. O Movimento dos Chacareiros de Roraima está lutando para ser reconhecido, e não entregar suas terras para sojicultores que estão ampliando seus espaços. Em Joinvile, a Associação das Hortas Comunitárias mantém 12 hortas e atende três mil famílias, em terrenos cedidos por tempo indeterminado, com aprovação da Câmara Municipal, mas a luta, como disse o presidente da entidade José Declarindo dos Santos, demorou nove anos, até o reconhecimento final.
MDS desistiu da agricultura urbana
Em Teresina (PI), que tem uma tradição na agricultura urbana, o movimento mantém 42 hortas comunitárias e 12 planos agrícolas, atendendo três mil famílias, e os agricultores inclusive conseguiram o DAP, que é a carteira de identidade da agricultura familiar e a entrada nos projetos sociais do governo federal. Mas recentemente um técnico do Ministério do Desenvolvimento Social fez uma visita de rotina para averiguar o cumprimento dos programas e começou a perguntar aos agricultores sobre os resultados econômicos, se eles não poderiam aumentar a comercialização, o faturamento.
Ocorre que o MDS foi um dos patrocinadores do movimento da agricultura urbana, realizando uma pesquisa nacional em 2007, onde foram identificadas 653 iniciativas desse tema no país. E em 2011 foi lançada a política nacional de agricultura urbana, com verba de R$10 milhões. E, um ano depois, as atividades foram suspensas. Mantiveram os projetos de hortas comunitárias porque envolvem famílias das periferias em situação de vulnerabilidade social como dizem os burocratas. A cadeira do representante do MDS no ENAU ficou vazia na mesa da plenária. O Coletivo Nacional de Agricultura Urbana recorreu ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para encaminhar as questão dos movimentos sociais e garantir um espaço na Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar.
Confronto maior é no Congresso Nacional
Ou seja, é uma teia de iniciativas que precisa ligar com outra teia de contatos e formalidades na esfera pública para chegar à mesa dos brasileiros. E o confronto maior, neste momento, como destacou o deputado federal Padre João (PT-MG), que também participou da plenária, ocorre dentro do Congresso Nacional onde a agenda conservadora pretende aprovar leis que beneficiam os grupos econômicos e as transnacionais – casos da tecnologia TERMINATOR , as sementes estéreis, de um novo conceito de agroecologia que eles aprovaram na Comissão de Constituição e Justiça e a PEC 215, que trata das terras indígenas, unidades de conservação e quilombolas.
Porém, os coletivos estão atentos a estas questões e têm o respaldo da realidade, do dia a dia das populações. As iniciativas são diversas, tanto atendem a periferia com a produção das hortas comunitárias, como atendem a classe média e outras camadas, que compram os produtos sem venenos nas feiras espalhadas pelo Brasil. Em Ariquemes e Jaru os agricultores e agricultoras familiares fazem feira duas vezes por semana para comercializar seus produtos, como disse Milaine Souza Lopez, do setor de produção da Rede de Agroecologia Terra Sem Males, de Rondônia. Em Mirante da Serra, localizada a 60 quilômetros da estrada federal, existem três assentamentos ligados ao MST com 758 lotes e em torno de cinco mil pessoas.
Em São Paulo, são mais de 10 feiras agroecológicas, como conta André Biazoti, do MUDA-SP, que estava presente no Rio e era um dos integrantes da delegação com 18 pessoas, entre elas, técnicos, agricultores, cozinheiros e estudantes. Na capital carioca funciona a Rede Carioca de Agricultura Urbana, mas também é a sede da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da AS-PTA, que é uma instituição com tradição na assessoria técnica de projetos agroecológicos espalhados pelo Brasil.
A onda conservadora quer barrar a participação social
André Biazoti explica que cada vez mais os movimentos que compõem a agricultura urbana estão convergindo para outras iniciativas dos movimentos sociais do campo. Recentemente o MPA fez um congresso em São Paulo e o MST inaugurou uma feira da reforma agrária no Parque da Água Branca. Mas eles também participam do movimento das Bikes, da iniciativa de ocupação de espaços públicos, como os parques Augusta e Búfalo, e também da luta pela preservação ambiental, replantando áreas degradadas na zona sul, onde se cocentram a maioria dos agricultores de São Paulo – região de Parelheiros.
Na verdade todos ressaltaram que a realização do I Encontro Nacional de Agricultura Urbana reforça o movimento no país e dá força para os coletivos redobrarem a briga por novas políticas públicas, porque todos sabem que a onda conservadora tenta barrar qualquer coisa que inclua o povo brasileiro na participação da administração e da divisão dos recursos do país. O próximo passo vai acontecer na primeira semana de novembro em Brasília, na Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que é o órgão máximo da participação social, definido na Constituição e que está em pleno funcionamento.