O governo federal anunciou no dia 4 de julho mais R$ 18 bilhões dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). São diversas medidas que fazem parte do Plano Safra para Agricultura Familiar 2012/2013, cujo valor é 12,5% superior aos R$ 16 bilhões disponibilizado na safra anterior e representa um crescimento de 400% em relação a 2002/2003. Os movimentos sociais do campo reconhecem o avanço, mas defendem que se por um lado o governo dá uma sinalização expressiva para a agricultura familiar, por outro mantém um modelo de desenvolvimento cada vez mais insustentável e dependente dos insumos industriais.
Os juros para o financiamento de custeio da agricultura familiar foram reduzidos, e o novo Plano Safra também conta com outros R$ 4,3 bilhões para programas de seguro, garantia de preço, assistência técnica rural, aquisição de alimentos e combate a miséria. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram destacados como estratégicos por Dilma, que garantiu um mercado maior e mais seguro para o campo.
Agora todos os órgãos públicos poderão usar as regras do PAA, de modo que municípios, estados, restaurantes universitários, hospitais, dentre outros estabelecimentos, poderão comprar diretamente a produção da agricultura familiar. O PNAE teve seu limite de compra por agricultor ampliado para R$ 20 mil, e em 2012 o orçamento do governo para compra da agricultura familiar é de R$ 2,3 bilhões através do PNAE e do PAA. Mas o crédito, segundo alguns movimentos sociais, não fortalece a agricultura familiar se o modelo agrícola adotado continua concentrando terra, gerando desemprego, endividando os agricultores e devastando a biodiversidade com a contaminação de terras e águas.
O aumento de monoculturas segue adiante com o atual modelo de produção agrícola, que além da dependência de insumos comerciais, sementes, adubos químicos e agrotóxicos, submete também o camponês aos bancos e grandes agroindústrias. Esse sistema que gera lucros astronômicos principalmente às multinacionais, implantado há décadas com a revolução verde, é fortemente mantido com dinheiro público. A questão é, para muitas organizações, para onde vai o recurso do Pronaf. Os mecanismos de crédito acabam se contrapondo à transição agroecológica. E as assistências técnicas viram mecanismos de indução do atrelamento da agricultura familiar às multinacionais.
Assistência técnica e conjuntura
Apesar do Plano Safra não mudar nada no ponto de vista da concepção de agricultura, o momento é de fortalecimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que tem sinalizado para a aproximação dos movimentos. Essa é a avaliação de Valter Israel, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que defende a reestruturação do ministério, por ele ser estratégico aos camponeses, assim como a Conab.
“O novo Plano Safra não muda nada, mas é momento de fortalecer o MDA. O novo ministro está aberto ao diálogo, tem recebido e tratado as demandas, embora eles não vão mudar de uma hora para outra. Há novas sinalizações dele no caminho da sustentabilidade e diversificação, da propriedade agroecológica, isso tem mais a ver com a nossa concepção”, disse.
O representante dos pequenos agricultores avalia que uma reestruturação no ministério deve criar políticas para atender também os camponeses mais empobrecidos, que não têm acesso ao crédito. Hoje são ao todo 130 funcionários no MDA, os outros são consultores que não podem fazer uma série de trabalhos por causa da regulamentação, complementou. Segundo ele, o crédito para a agricultura camponesa tem que ser desbancarizado, por fora das regras bancárias e não dos bancos. Um exemplo disso é o CPR (Cédulas de Produto Rural) da Conab, que permite o acesso ao PAA. O Pronaf, no entanto, trazia um viés de especialização, porque financiava uma linha de produção, ao invés do sistema produtivo camponês, concluiu.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), existem cerca de 1900 organizações de trabalhadores rurais, em sua maioria cooperativas ou associações. Juntas, elas abrangem um universo de quase 600 mil agricultores familiares. É um universo pequeno se considerarmos que há, no campo, cerca de 4,3 milhões de agricultores familiares, segundo censo do IBGE de 2006. Os dados do MDA podem não abranger boa parte das organizações, já que em muitos casos não há personalidade jurídica, tratam-se de coletivos ou movimentos organizados, porém informais. A quantidade de agricultores desassistidos pelas políticas públicas no Brasil não é pequena.
De acordo com o secretário de política agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Antoninho Rovaris, a política de Assistência Técnica Rural (ATER) é a cura para o atual modelo de desenvolvimento agrícola, que ele considera doente. Para isso, na sua visão, é preciso potencializar uma lógica com menos dependência química.
“O aumento de recurso, especialmente ao crédito, é significativo, porém outras políticas poderiam ser contempladas, como as ATER. No ano passado não conseguimos aplicar tudo, então carrega no crédito mas outras medidas para viabilizá-lo não são tomadas. A política pública da agricultura familiar não deve ser só crédito. Há 3 anos conseguimos o decreto que traz para o modelo de assistência técnica menos insumos químicos, mas esse modelo não é adotado nas chamadas públicas de ATER para dar início a essa nova forma de sustentabilidade sócio econômica e ambiental. Temos que trabalhar a lógica da agricultura diferenciada sem química”, afirmou.
Concentração de terra e reforma agrária
O último censo agropecuário, realizado em 2006, aponta que em termos de área, a agricultura familiar ocupa apenas 80,3 milhões (24%) de hectares, enquanto o agronegócio domina 249,7 milhões de hectares (76%). Sendo que dos cerca de 5 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, segundo o mesmo censo, 4,3 milhões (84%) são familiares e 807 (16%), grandes propriedades. Em termos de emprego, os pequenos ocupam 12,3 milhões de pessoas (74%), e os grandes, 4,2 milhões (26%). A agricultura familiar produz mais de 70% da comida consumida pela população brasileira, é a maior responsável pela garantia da segurança alimentar do país. Além da alimentação, também gera renda com a venda de húmus, produtos não agrícolas como o artesanato e tecelagem, prestação de serviços e comércio de animais, dentre outros.
No estudo Reforma Agrária e Concentração Fundiária, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constata-se que estabelecimentos menores de 10 hectares correspondem a cerca de 50% do total de terras utilizadas no país, mas abarcam cerca de 2% da área recenseada pelo IBGE em 2006. O censo agropecuário, por sua vez, afirma que 12% dos estabelecimentos de agricultura familiar possuem menos de um hectare de área. Apesar dos avanços no crédito, os agricultores têm cada vez menos terra, que é o bem mais elementar na produção agrícola, para plantar seus produtos.
Em matéria veiculada na página do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), um dos dirigentes da organização, Alexandre Conceição, afirma que o principal problema do novo plano safra é que ele reforça a estrutura fundiária concentrada. Segundo ele, o agronegócio continua avançando e expulsando os produtores do campo graças aos investimentos do governo e a reforma agrária está completamente esquecida no plano.
“O número de pequenos produtores diminui ano a ano graças à política de fortalecimento do agronegócio. Se o governo não trabalhar na desconcentração de terras, o crédito vai beneficiar cada vez menos pessoas. As 186 mil famílias acampadas poderiam dar volume à agricultura familiar e obter os recursos do plano safra para produzir. Novas famílias precisam ser assentadas para fortalecer a pequena agricultura”, propõe o dirigente do MST.