Por Giselle Paulino | Para o Valor, de São Paulo
Há algo diferente na merenda das escolas públicas brasileiras. Macaxeira, batata doce, castanha, produtos sem agrotóxicos e suco de frutas nativas como caju, cupuaçu e açaí começam a aparecer nas refeições de estudantes da rede pública. Desde 2009, com a aprovação da Lei no 11.947 que estabelece que, no mínimo, 30% do total de recursos da alimentação escolar devem ser usados diretamente na compra de alimentos de agricultores familiares locais, muita coisa está mudando. A lei orienta também que assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas sejam priorizados.
Em 2011, R$ 1 bilhão foi destinado para esse tipo de compra mais local. Com aproximadamente 50 milhões de refeições por dia nas escolas estaduais e municipais, o mercado de alimentação escolar no Brasil movimenta cerca de R$ 3 bilhões por ano.
“Garantir que parte do orçamento da merenda beneficie esse público é uma forma de promover o comércio local, privilegiar os produtores, além de criar hábitos de alimentação saudáveis entre os estudantes”, diz Manoel Bonduki, especialista em políticas públicas e gestão governamental da Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). “A lei é de uma simplicidade que não dá para entender porque isso não era feito antes.”
Paragominas, (Pará), Rio Branco (Acre) e Areias (Paraíba) estão entre os primeiros municípios que criaram ações para atender a lei. As iniciativas vão desde treinamento para que as merendeiras criem receitas com produtos locais até a capacitação de agricultores para a produção orgânica. Em Tambaú, cidade próxima a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, região em que predomina a cana-de-açúcar, os agricultores que viviam isolados se organizaram em cooperativas e já vendem para a prefeitura.
Comunidades quilombolas também estão fornecendo para a merenda escolar, como é o caso da Comunidade de Santa Cruz, em Minas Gerais, que já faz parte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo desde 2003. Até então, as 85 famílias que fazem parte da comunidade viviam apenas de subsistência. Além de vender o que já plantava – como feijão, banana, chuchu, folhagem, milho, mandioca, farinha, hortaliça -, a Santa Cruz passou a produzir farinha, leite pasteurizado e iogurte, hoje o carro chefe da economia da comunidade. “Antes a comunidade vendia seus produtos a qualquer preço para o atravessador. Não tínhamos informação e éramos sempre manipulados”, diz Maria Alves de Sousa, suplente na secretaria da Associação da Comunidade Quilombola de Santa Cruz.
As grandes cidades, por estarem longe do campo, enfrentam desafios para implementar o sistema. São Paulo, com economia voltada mais para indústria e serviços, possuia pouco mais de 150 mil estabelecimentos agrícolas, segundo dados de 2006 do IBGE. Ao mesmo tempo, contava com 8,8 milhões de estudantes, o maior contingente do país.
Para adotar a compra local, a Prefeitura de São Bernardo, na região metropolitana da capital, contratou um consultor técnico que visitou os estabelecimentos agrícolas no interior, pesquisou e discutiu com os produtores o que eles tinham a oferecer.
As merendeiras da cidade são levadas para treinamento do campo. “A maioria das merendeiras não tem noção de onde vem o alimento e acaba rejeitando vegetais que não são todos do mesmo tamanho”, afirma Vanessa Angelo Garcia, chefe de Divisão de Alimentação Escolar da Secretaria de Educação de São Bernardo do Campo.
O Estado do Paraná vai comprar R$ 25 milhões de 96 cooperativas da agricultura familiar em 2012. O Distrito Federal vai gastar cerca de R$ 7 milhões. A cidade de Campinas deu uma passo a frente e realizou uma audiência pública para esclarecer as cooperativas de agricultores da região sobre a lei e dar informações sobre os produtos que planeja adquirir e as condições de compra. Cerca de 60 agricultores compareceram.
No passado, os alimentos percorriam um longo caminho até chegar ao destino final. Nas décadas de 70 e 80, grandes empresas nacionais se formaram para oferecer a merenda e acabaram por dominar o mercado. A compra era centralizada em Brasília e depois distribuída para todo o país e o desperdício era grande. Em 2000 o processo começou a ser descentralizado. A chamada pública passou a ser utilizada para convocar os produtores, mais simples que a antiga licitação, que excluía grande parte das cooperativas. O Brasil tem 4,5 milhões de pessoas na agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.
A lei já inspira iniciativas. O Paraná sinalizou a intenção de comprar de agricultores familiares produtos para as refeições universitárias. O Rio Grande do Sul e Distrito Federal criaram leis para adquirir da agricultura familiar alimentos para outras áreas como hospitais e restaurantes populares. O Brasil tem recebido representares de países da América Latina e África para conhecer de perto o programa.
(*) Reproduzido da página do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).