Na Alemanha, rede de hortas interculturais promove espaços de integração para imigrantes através da agricultura urbana
por Uschi Silva e Alan Tygel
“Aqui tem gente do Uzbequistão, Turquia, Croácia, Rússia, Etiópia, Bolívia, Peru. Muitos vêm de um situação de pobreza do campo para a cidade buscando uma vida melhor na Alemanha. Mas quando chegam aqui, encontram uma vida complicada, um outro contexto cultural, outro idioma. Não é todo mundo que vem para Alemanha e encontra trabalho. Nas hortas, essas pessoas se conectam com a sua história, com a sua vida, com suas raízes do campo, trazem as suas sementes, trazem os animais, seu passado e sua biografia pra cá.”
A fala de Severin Helder, que integra uma horta num parque público de Berlim, retrata o que são as hortas urbanas comunitárias na Alemanha, chamadas de Interkulturelle Garten, ou Hortas Interculturais. Nesses espaços, construídos em terrenos ociosos das cidades, moradores se juntam para cultivar plantas alimentares, ornamentais, medicinais, resgatar sementes e trocar conhecimentos. O trabalho é feito nos termos de uma educação ambiental, criando laços de sociabilidade, resgatando os valores solidários e praticando ajuda mútua. As hortas urbanas, em grande parte, são autogestionadas e requerem uma organização coletiva do espaço.
Plantar alimentos na cidade não é exatamente uma novidade na Alemanha. De acordo com o Instituto Goehte (http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/147/pt2975197.htm), ainda no século XIX, em pleno avanço da industrialização, Ernst Hauschild, diretor de uma escola em Leipzig, recomendou aos pais que se juntassem em associações e arrendassem terrenos baldios. A ideia de cultivar legumes para o consumo próprio está consolidada na lei federal que regulamenta essa prática na Alemanha – são os chamados Schrebegarten. Em grandes partes das cidades alemães, é possível encontrar terrenos divididos em lotes de 5m2, onde o cultivo de alimentos revela a importância da agricultura urbana.
O projeto das hortas culturais, no entanto, possui uma diferença fundamental em relação aos Schrebegarten. Ao invés de espaços privados e apoiados por uma política pública, as hortas comunitárias possuem a proposta de serem espaços comunitários e autogeridos, visando a integração social e cultural através do plantio de alimentos. Contudo, ambos propõem o direito de conexão dos cidadãos da cidade com a Natureza.
Saberes, práticas e culturalidades se encontram para debater Agricultura Urbana
Há 15 anos ocorre o Encontro Anual da Rede de Jardins Interculturais da Alemanha. O evento reúne agricultoras e agricultores urbanos, estudantes universitários e instituições que fomentam esta prática no país, todos organizadores da reunião anual. O encontro é todo focado na questão dos refugiados e este ano aconteceu entre os dias 26 e 28 de junho na cidade de Ausgburg, sul da Alemanha, onde existem cerca de 8 hortas urbanas, nas quais participam pessoas vindas de vários países diferentes.
oficina de mapeamento coletivoSegundo Severin, nas Hortas Interculturais “se fala a linguagem da terra, uma comunicação sem palavras. Os refugiados que não falam alemão, se entendem através da prática de agricultura urbana cotidiana. Essa troca de conhecimento, de agriculturas, é muito rica porque quem chega da Turquia vai ter outra história agrícola diferente de quem chega da Rússia, então, vão trocando as experiências e os sistemas de plantio, tudo ali, na horta. As pessoas chegam na horta e pela primeira vez se sentem livres, se sentem humanos.”
Os três dias do evento foram permeados por esse clima intercultural. Ocorreram diferentes espaços para troca de experiências: as palestras seguidas de debates, foram conduzidas por pessoas de referência das Hortas Interculturais, que apresentaram suas hortas e trouxeram a realidade dos imigrantes; os workshops, onde se mostraram diferentes metodologias, como o mapeamento coletivo de hortas, também contou com momentos para a troca com realidades distintas; e a parte prática, que ficou por conta da visita a uma horta comunitária do subúrbio de Ausgburg. O encerramento e celebração do encontro, aconteceram neste mesmo local, com uma fogueira e um jantar feito com alimentos vindos das hortas comunitárias.
O movimento da Agricultura Urbana não encontra fronteiras. Pelo contrário, aproximas pessoas e realidades distintas. Foi assim que Severin Helder descobriu essa prática há 9 anos nas favelas do Rio de Janeiro, ao conhecer o Programa de Agricultura Urbana da ASPTA, a Rede Carioca de Agricultura Urbana e o Verdejar Socioambiental. No regresso à Alemanha, uma certeza: “enquanto houver cidade, continuarei plantando”, afirma com um bom sotaque carioca, ao final da entrevista.
Veja o mapa de hortas interculturais da Alemanha: http://anstiftung.de/urbane-gaerten/gaerten-im-ueberblick