Lábrea (AM) – Pela primeira vez os Apurinã, etnia indígena próxima a Lábrea, no Amazonas, realizaram uma troca de sementes crioulas. Outros povos do Amazonas, Mato Grosso e Acre, tiveram a oportunidade de multiplicar suas culturas originárias e levar novas variedades de alimentos e plantas para alimentação e reflorestamento de seus territórios. A atividade ocorreu na terra indígena Caititu, aldeia Novo Paraíso, que fica próxima à rodovia Transamazônica, e contou com a participação de aproximadamente 100 pessoas e cerca de106 sementes foram levadas pelos povos e organizações presente. O objetivo da Operação Amazônia Nativa (OPAN), organização realizadora do evento, é estimular a troca entre as etnias na região para fortalecer a dinâmica alimentar dos povos.
De acordo com Vinicius Benites, indigenista da OPAN, desde 2013 há um trabalho no sentido de estimular uma possível troca de sementes a partir de um diagnóstico muito rico nas aldeias da região. Enquanto numa comunidade existem cerca de 17 variedades de macaxeira, por exemplo, noutra apenas duas são encontradas, então é em busca desse intercâmbio que a feira de sementes aparece como alternativa. Não é só a troca em si, tem o diálogo sobre o que o índio faz, o que é, e fortalece e valoriza a biodiversidade local, complementou o indigenista.
“Neste ano fizemos em maio o I Encontro de Produtores indígenas do Médio Purus (EPINP) com apoio da Funai, onde fomentamos a troca de sementes e o diagnóstico dos produtores. Formaram-se grupos de discussão dos castanheiros, copaibeiros, etc. Trouxemos um Krahô e uma pessoa da Embrapa, e eles trouxeram poucas, mas de forma bem diversificada. Nesse período falamos das sementes crioulas, da diversidade de seus povos, sabores diferenciados, modos de desenvolvimento diferentes. Então aproveitamos o mutirão agroflorestal: nada melhor para enriquecer o roçado, formas de agricultura, ao fazer uma troca de sementes mostrando a agrobiodiversidade da região. Agora esse tipo de iniciativa deve ganhar cada vez mais espaço”, explicou Benites.
Segundo Maria Apurinã, mulher do cacique da aldeia Novo Paraíso, graças a esse tipo de iniciativa se acabar alguma variedade é possível resgatar com outros parentes. A expectativa do cacique Marcelino Apurinã, é que esta seja a primeira de muitas trocas de sementes na região. Já Marcelino Batata, vice coordenador da Federação das Organizações de Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), que integra seis povos da região, destacou que semente é vida e a valorização do que é passado a outras pessoas e recebido pela comunidade é muito importante para alimentação da comunidade. De acordo com Benki Piyanco, da etnia Ashaninka, do Acre, essa diversidade e conhecimento são fundamentais e precisam ser conservados em bancos de sementes. “Se os índios fizessem um banco de sementes grande cuidado pelos nativos, e com uma lei assegurando seu material, seria possível ajudar outras populações tradicionais espalhadas pelo mundo. Muita coisa se perdeu, e as empresas como a Monsanto estão espalhando sementes transgênicas em todo o mundo. Falam que é mais bonita e produtiva, mas estão nos enganando. As nossas são menores, mas muito mais saborosas e nutritivas. Perdemos algumas achando que eram melhores, mas não são. Se trabalharmos com nossas melhores e em época certas vamos ter qualidade. Não precisamos de sementes de fora do território”, afirmou.
Os Ashaninka levaram variedades de milhos crioulos, mais de dez espécies de macaxeira, plantas medicinais, dentre outras plantas. Têm em sua aldeia 27 espécies de banana, dezenas de milhos, algodão de diversas cores, além de vários tipos de feijão, plantas medicinas e muitas outras. Para eles, esse intercâmbio é muito rico e é preciso ficar atento às empresas que estão patenteando esse conhecimento para cobrar depois. “Nós damos com solidariedade,com amor, com sentimento de igualdade para ter alimento de qualidade para todos. É preciso ter muito cuidado para não pegar sementes envenenadas. Nossas sementes fortalecem a produção no território”, complementou Benki.
Mestre em genética, biodiversidade e conservação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), o agricultor Henrique Sousa, instrutor durante o evento, avalia que esse tipo de iniciativa ajuda a preservar e valorizar o que ainda resta em termos de recursos naturais por parte dos indígenas. “O mundo passa por uma crise de biodiversidade, a erosão genética é uma realidade que afeta o sistema natural e de produção. Assim, iniciativas de troca de sementes contribuem para diminuir a perda de material genético e para a melhoria dos sistemas de produção. E não se reduz à troca de sementes em si: motivam os participantes a cuidarem de seu material genético e partilhar de forma solidária com os seus parceiros e comunidades, podendo gerar uma cadeia de processos no sentido de termos sistemas produtivos mais saudáveis e equilibrados. Os indígenas têm mais recursos genéticos por muito tempo, então precisam cuidar para que não sejam erodidos”, afirmou.
O indígena Claudio Myky, da terra indígena Menkü, localizada no noroeste do Mato Grosso, já participou de algumas trocas de sementes e avaliou positivamente a realização junto aos Apurinã. “A gente pode trocar experiências, e é nesse momento que vemos pessoas diferentes, trabalhando mutirão juntos. Podemos conhecer muitas variedades que não têm na nossa área, eu mesmo estou levando muitas sementes dos parentes para plantar nas nossas casas. Ficamos mais animados, essa é uma prática nova que envolve muito conhecimento”, disse o participante.