Por Gilka Resende, Eduardo Sá e Camila Nobrega
Colaboração: Moisés Matias
O poeta e agricultor Geraldo Gomes, de Minas Gerais, entoou o canto que fala direto ao coração de quem ama a vida: “Eu moro no meio do mato…”. E a música sanfonada desenhava a convivência com as flores, o canto dos pássaros, o som das águas, com as cores e os cheiros da vida ecológica. O hino foi cantado na abertura de uma das maiores manifestações agroecológicas realizadas no Brasil, que marcou o último dia do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na segunda-feira (19).
Uma caminhada de cerca de dois quilômetros, saindo do campus da Univasf, em Juazeiro, até a ponte Presidente Dutra, que liga a cidade baiana a Petrolina, em Pernambuco. À frente estavam pelo menos 2 mil pessoas, entre agricultoras e agricultores da cidade e do campo, ribeirinhos, povos e populações tradicionais de todo país, ocupando a via de 800 metros. Em defesa da agroecologia, balançaram seus chapéus de palha, símbolo da agricultura camponesa, e saudaram o rio São Francisco.
Por cerca de uma hora os manifestantes fizeram a interdição da via, sob o sol forte e nuvens graúdas. A beleza das águas do Velho Chico, que resiste à destruição do agronegócio, encantava os presentes, que fizeram questão de alertar a população ao microfone: “esse rio não aguenta mais tanto agrotóxico das transnacionais”. O vento tremulava bandeiras vermelhas, feministas e muitas outras em defesa da agroecologia e, como dizia uma das canções do protesto, “anunciava esperanças”.
Ninguém melhor para animar o ato sobre a geração de um novo modelo de agricultura do que uma mulher grávida. Helen Santa Rosa, comunicadora popular de Minas Gerais, puxava a cantoria no carro de som com uma barriga de sete meses. “Agroecologia é vida! Agronegócio é morte!”, repetia acompanhada de um coro. “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra e um novo mar. E nesse dia o oprimido na sua voz a liberdade irá cantar. E nesse dia o forte, o grande e o prepotente irá chorar até o ranger dos dentes”, cantava ela, que integra o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM).
Já na subida da ponte um painel medindo oito metros de altura por 12 de largura denunciou: “Agrotóxicos e transgênicos matam. Apoio a agroecologia por uma vida saudável no campo e na cidade”. O grande tecido passou por cima das cabeças que constroem na prática a agroecologia, antes se ser pendurada num dos lados ponte, com o objetivo de informar a população local sobre os riscos do atual modelo de desenvolvimento do país.
Miraci da Silva, de 61 anos, assim como muitos, não escondeu a emoção: “Essa é uma causa que a gente abraça pela libertação de um povo explorado por um sistema político dominante. Nós trabalhadores rurais precisamos lutar, precisamos nos unir contra um modelo de agricultura que só visa o lucro”, afirmou a agricultora do Mato Grosso.
Diálogo da agroecologia com a sociedade
O III ENA defende um modelo de cultivo de alimentos sem venenos e de respeito à natureza e às culturas, além da reforma agrária. Coincidentemente, um grafite bem no pé da ponte sob o rio São Francisco entrava em sintonia com o protesto. Nele, o desenho de um trabalhador à frente da bandeira do país. “O povo brasileiro ainda será respeitado e valorizado. Na bandeira será rescrito “ordem, progresso e respeito”, criticava uma frase em spray.
O trânsito ficou parado por quase uma hora e as reações foram diversas. A população se dividia entre reclamações e buzinaços em apoio. Os moradores de Juazeiro pararam para assistir a passeata. Em certo momento, crianças se amontoaram na porta de uma escola infantil. Riam, mandavam beijos, aplaudiam e abanavam as mãos para os manifestantes.
Ana Maria Pinheiro aplaudia e dançava, observando a marcha. Ela não sabia o que significava a palavra agroecologia, mas viu uma faixa com os dizeres “sem veneno” entendeu que o assunto. “Para mim esse movimento é dez. A carne não tem mais sabor, a galinha também não. As verduras parecem iguais e já quase não temos peixes. Tem química em todo lugar”, expôs.
Indígenas também defendem a agroecologia
A população indígena também fortaleceu o grito. Indígenas Kraho cantavam em sua língua originária a satisfação de estarem no III ENA. “Essa música diz que nós indígenas estamos como pequenas emas correndo, todas felizes”, disse Jecilda Crukoy, do Tocantins. Ela e outros integrantes de povos tradicionais relataram que essa foi uma oportunidade de saber o que “seus parentes passam em outros cantos do Brasil”.
“Viajamos três dias e três noites até Juazeiro. Estou conhecendo mais da agroecologia. Eu converso com outros indígenas, outras aldeias. É bom saber o que eles passam e se unir”, falou Bepnhoti Atydjare, da aldeia Floresta Protegida, no Pará. Ele conta que lá, por não conseguirem mais fazer seus cultivos, as comidas que chegam da cidade “trazem problema de barriga para as crianças”.
De acordo com Leosmar Terena, do Mato Grosso do Sul, os povos tradicionais estão denunciando o modelo de desenvolvimento predominante no Brasil. Para ele, a agroecologia é algo muito mais amplo que a dimensão econômica, ambiental e social, um modo de vida cujo sistema fortalece a relação do ser humano com o passado e sua relação com o futuro, se preocupando com as próximas gerações.
“Reforçamos a agroecologia como a única saída para a sociedade, acima de tudo um modo de vida. A agroecologia indígena é pensada no sentido da sustentabilidade em todas as suas dimensões, não podemos pensá-la sem a inclusão dos jovens, crianças, mulheres, e lideranças. A agroecologia é o fortalecimento de valores tradicionais, de humanidade e solidariedade”, explicou.
Outras manifestações se unem na ponte
Como afluentes outras três manifestações em defesa da agroecologia e contra o agronegócio, realizadas simultaneamente no início da manhã, se somaram à da ponte sob o rio São Francisco, por volta das 10h. Um dos atos reuniu cerca de 300 mulheres no escritório da Embrapa Semiárido em Petrolina. Elas reivindicaram que a empresa de pesquisa trabalhe dentro de uma perspectiva de produção de alimentos saudáveis e diversificados e também denunciaram a falta de políticas públicas voltadas para as mulheres camponesas.
De acordo com Noemi Krefta, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), a sociedade precisa enxergar a importância feminina e a construção da agroecologia sem a participação efetiva delas pode ser uma produção orgânica, mas não será completa e agroecológica. “Falamos sobre a agricultura agroecológica camponesa e feminista que defendemos e também fazemos a denúncia de que nós não aceitamos alimentos geneticamente modificados. É uma ilusão dizer que precisa fazer biofortificação através da transgenia, isso não vai contemplar as nossas necessidades. Entendemos que a natureza tem de tudo para nos oferecer uma nutrição completa”, disse Noemi.
Manifestantes denunciaram os riscos dos transgênicos | Foto: Daniel Leon
Manifestantes denunciaram os riscos dos transgênicos | Foto: Daniel Leon
Também houve manifestação em frente à Monsanto, em Petrolina, uma das transnacionais responsáveis pela disseminação dos transgênicos e agrotóxicos. O terceiro ato ocorreu no Mercado do Produtor de Juazeiro, onde uma grande bola inflável alertando para o perigo dos mosquitos transgênicos da dengue chamava atenção. Nela, a letra T dentro de um triângulo amarelo, símbolo dos organismos geneticamente modificados. Um panfleto explicativo foi distribuído: “não há testes toxicológicos que comprovem não haver riscos no caso de picadas de fêmeas do mosquito modificado em animais ou humanos”, destacou um trecho.
(*) Fotos: Daniel Leon e Fabio Caffé/Imagens do Povo.