Agricultores, organizações sociais, acadêmicos, dentre outros setores da sociedade civil, se reuniram com um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) no seminário nacional “Por uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”, realizado em Luziânia (GO), entre os dias 10 e 12 de abril.
De acordo com Maria Emilia Pacheco, do núcleo executivo da ANA, que estava na coordenação da mesa, a atividade foi um desdobramento dos seminários regionais convocados pela ANA. Segundo ela, o processo foi iniciado em 2010 quando havia o Programa Nacional de Agrobiodiversidade, proposto pela ANA e o Consea, e depois, no início de 2011, as organizações foram chamadas pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para contribuir na construção de uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
“A Ministra veio com a feliz ideia de que a agroecologia tinha que ter uma posição mais importante na política e no governo. Um grupo interministerial foi composto. Esse seminário ainda não finaliza, mas avança num documento síntese para chegar a uma conclusão quanto aos aspectos fundamentais que dão corpo legal a uma política de agroecologia e também na forma da nossa contribuição”, disse Pacheco.
Seis representantes governamentais apresentaram o estágio em que está o encaminhamento da política e reconheceram contradições e dificuldades dentro da máquina do Estado. Pediram para as organizações pressionarem o governo, a fim de garantir as mudanças necessárias nesse campo. Até o final de abril, a ANA vai apresentar um documento com suas propostas ao governo federal. No início de maio, haverá uma reunião entre a ANA e o governo, para se debater a incorporação das propostas da ANA no documento que o GTI irá entregar à Casa Civil para a construção do decreto a ser assinado pela Presidenta Dilma. Dentre as propostas apresentadas pelo grupo interministerial estão: a Anvisa promover a autorização dos medicamentos populares e ajustar a regulamentação dos produtos; o Ministério do Meio Ambiente criar e reconhecer áreas relevantes para conservação e uso sustentável da biodiversidade; o Incra viabilizar créditos de instalação para assentamentos com base agroecológica; a Conab irá propor a alteração nas leis de sementes e sugerir que os agricultores familiares possam usar, trocar e comercializar as sementes crioulas; a Embrapa construir uma plataforma nacional de pesquisa sobre agroecologia etc.
Paulo Guilherme, Secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, disse que há uma oportunidade interna no governo para reforçar as políticas que existem em relação à agricultura alternativa e avançar na construção de novos instrumentos, como a assistência técnica e o crédito.
“Estamos com atraso de 25 anos dessa politica. O poder público nos anos 80 já tinha insumo suficiente para criá-la, e agora de fato é uma oportunidade. As organizações avançaram, a reforma agrária e outras políticas surgiram construindo as condições. No âmbito dos governos no campo não é um processo monolítico, existem conflitos e contradições, e momentos como esse podem servir para indicar um rumo. Há o reconhecimento por parte da ministra, por isso vamos participar e dar continuidade desse processo. Entendemos que, necessariamente, a mudança que queremos construir tem que ser partilhada com a sociedade. Um novo modelo e paradigma que vai além da tecnologia”, defendeu.
Representando a Coordenação de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias explicou que o desafio é bastante grande por causa do tempo, devido à data da Rio+20 que o governo estipulou para a publicação do decreto. Segundo ele, essa política é um passo para fazer as propostas se transfomarem em reformas estruturantes e o momento é propício para lançar também uma série de medidas para o desenvolvimento da agroecologia.
“Há o desafio de fazer uma apresentação concreta para a Casa Civil, com aspectos cruciais no processo. Depois da proposta técnica e as discussões regionais passa pela questão jurídica e o acabamento, para o decreto ser assinado. No primeiro momento a política pode gerar uma frustação por não apresentar medidas concretas que vêm nos planos. Nos preocupamos em cair numa carta de intenções, precisamos listar ações imediatas a realizar. Conseguimos criar ações, mas precisamos transformar isso em medidas institucionais. É preciso um compromisso de governo para quem assumir saber que isso é uma tarefa. O desafio é fortalecer os mecanismos de gerenciamento e controle”, afirmou.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem acompanhado esse processo, sobretudo no que diz respeito às sementes. Sílvio Porto, representando o órgão, destacou que o tamanho dessa política vai ser de acordo com o que a sociedade será capaz de definir na pressão. Ele também sugeriu que o Ministério do Meio Ambiente tome frente desse processo.
“Precisa uma centralidade na visão de onde queremos chegar, e aquilo que a agroecologia representa de referência no desenvolvimento e não tecnologia a ser implementada. Uma primeira versão da minuta do decreto foi produzida e vai voltar para comissão, e fizemos uma relação de prioridades para dar cocretude. Mas o processo ainda vai ser discutido, tem entendimentos fundamentais sobre os entraves considerados pela casa civil. Vocês poderiam definir melhor quais objetivos numa perspectiva que a gente possa incorporar da melhor maneira possivel”, sugeriu Porto.
Luiz Armando, da Anvisa, esclareceu que sua participação se deu principalmente por causa dos dados alarmantes sobre os agrotóxicos no Brasil, por causa das suas consequências em nossa alimentação e na saúde pública. Ele observou que a Anvisa está discutindo também um projeto de inclusão de iniciativas no sistema de regularização dos produtos, porque a agricultura familiar tem sido muito prejudicada nesse processo, inclusive na questão das plantas medicinais e conhecimentos tradicionais.
Para concluir a participação do Grupo Interministerial, Iracema Moura, da Secretaria Geral da Presidência, afirmou que os representantes consideram da maior importância esse assunto e já foram realizadas conversas com o Ministério do Meio Ambiente para entender e se aproximar do processo. Ela explicou que o gabinete convocou toda a equipe para participar e é uma aliada da sociedade civil.
“Queremos garantir ao máximo que as propostas sejam executadas. A finalidade da secretaria é fazer essa articulação com a sociedade e incorporar essas questões no governo com as pessoas que são sensíveis ao tema. A importância da política agrícola nesse contexto de agronegócio, para que de fato a agenda se torne uma política e um plano institucionalizado. Temos que romper com essa cultura que só o estado formula, executa e avalia. Sabemos a importância da participação nesses processos”, apontou.
Questionamentos, propostas e conjuntura na visão dos movimentos
Uma síntese dos encontros regionais promovidos antes do seminário nacional foi apresentada por Paulo Petersen, da direção da AS-PTA e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), relatando as propostas elaboradas coletivamente e avaliando a conjuntura política atual. Segundo ele, houve uma grande convergência na maioria dos pontos abordados, apesar das diferenças locais, e foi possível chegar a um ponto de vista consistente para uma política nacional de agroecologia. A conclusão foi que a opção do Estado brasileiro tem sido de reiterar a lógica do desenvolvimento econômico a partir da inserção do Brasil na exportação de commodities. Um tema de destaque nos seminários regionais foi a regulação de um marco legal de acesso aos recursos por parte das organizações da sociedade civil e o avanço nas sementes crioulas.
“Os territórios ocupados pela expansão das monoculturas, o código florestal, instrumentos que favorecem a compra de terras na Amazonia, etc, são elementos para favorecer o agronegócio. E grandes empreendimentos, hidroelétricas, transposição de rios, ferrovias, grandes obras que estão associadas a um sistema e concepção de desenvolvimento que cria modificações abruptas nos povos de comunidades tradicionais. Uma lógica de desterritorializar a sociedade”, afirmou Petersen.
Neste contexto, é prioridade perceber a função social da terra. Por isso, ainda segundo Petersen, a regularização da terra, a reforma agrária, a demarcação de territórios indígenas e quilimbolas, dentre outras questões, são fundamentais. “A politica deve estar voltada para aumentar a escala e protagonizar as iniciativas agroecológicas realizadas pela sociedade civil. Reconhecimento dos saberes e capacidades locais, suas estratégias e projetos de desenvolvimento, é um desafio paradigmático. Reorientação institucional e fomento dos estudos também é importante. Democratizar o estado, e entender que a sociedade tem forte papel no desenvolvimento. A necessidade de entender, valorizar, a partir da diversidade. Uma politica que não leve em consideração isso, não terá vigência”, destacou Petersen.
Participantes incluiram aspectos considerados relevantes no debate, a fim de levá-los em consideração na construção de uma política nacional de agroecologia. Eles temem que as reuniões não passem de boas intenções de parceiros das organizações dentro do governo, e que muitas propostas não sejam executadas. Aproximar mais os povos indígenas, os jovens e as mulheres, de modo a reconhecer e potencializar suas iniciativas, foram necessidades apontadas. Buscar aliados na mídia também foi proposto, em busca de visibilizar experiências agroecológicas e estimular o debate na sociedade. Levar em consideração a agricultura urbana e tomar como premissa a soberania alimentar e nutricional nas políticas, pois agrega várias dimensões, é essencial num contexto de transgênicos, agrotóxicos e alimentos biofortificados, que têm muitos interesses corporativos. Outra premissa importante é que a política deve ampliar sua dimensão ambiental para as questões econômicas e de sustentabilidade.
Após o seminário, no dia 13 de abril, a ANA realizou uma audiência com o Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, e destacou como o enfoque agroecológico vem perdendo progressivamente espaço no MDA, o que pode ser exemplificado pelo desmonte do comitê de Agroecologia vinculado ao ministério. Segundo os participantes, o crédito Pronaf e as chamadas de Assistência Técnica e Extensão Rural não favorecem a Agroecologia, mas sim atrelam a agricultura familiar ao agronegócio, provocando endividamento. Os movimentos presentes apresentaram a agroecologia como proposta capaz de fortalecer a agricultura familiar brasileira como um todo, e não apenas os setores mais capitalizados. As organizações cobraram uma participação mais efetiva do MDA na construção da política.
O Ministro Pepe Vargas afirmou que tem simpatia pessoal e identidade com a agenda da Agroecologia, e que sua experiência de médico homeopata lhe mostra como os problemas de uma má alimentação se manifestam gravemente na saúde das pessoas. Acolheu as críticas e sugestões, e manifestou interesse em manter uma interlocução permanente com a ANA. Ao final, o ministro foi presenteado com o livro “Agrotóxicos no Brasil”, de autoria da agrônoma Flávia Londres.
Em maio, a ANA irá realizar audiência sobre a política com a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e com o Ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República.