Como avaliar o efeito das diversas políticas públicas federais que tratam da agroecologia é um desafio que tem mobilizado a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). Na última reunião da Comissão, realizada de 11 a 13 de fevereiro, em Juazeiro (BA), o debate envolveu organizações da sociedade civil e gestoras/es de diversos órgãos para iniciar a construção de um conjunto de metodologias para o monitoramento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Planab) e do programa Ecoforte. A previsão, segundo Patrícia Tavares, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República na Cnapo, é “ter o sistema rodando ainda no primeiro semestre”.

Para Flavia Londres, engenheira agrônoma e integrante da secretária executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o debate resultou na proposta de sistematização dos fundamentos metodológicos que vão nortear os projetos de monitoramento que serão construídos a partir de agora nos diferentes órgãos promotores dessas políticas. “A ideia é que a gente siga em interação”, comemora.“É evidente que cada política, por conta de seus próprios mecanismos de gestão, vai ter os seus instrumentos de monitoramento, mas a ideia é que a gente possa constituir um sistema de monitoramento integrado, que se baseie por princípios comuns, com um olhar compartilhado para captar o efeito da interação entre essas políticas nos territórios”, explica.

Oficina em Juazeiro (BA)
Oficina em Juazeiro (BA) envolveu organizações da sociedade civil e gestoras/es de diversos órgãos para iniciar a construção de um conjunto de metodologias para o monitoramento de políticas públicas em agroecologia. Foto: Comunicação IRPAA

“A gente conseguiu ir para a oficina e fazer um trabalho de imersão e análise da experiência, da prática do território, e visualizar como as políticas chegam e são apropriadas por aquele território. Isso nos deu referência e, considerando todo o acúmulo para a construção dessa atividade que vai culminar no sistema de monitoramento, poderemos elaborar as diretrizes dessa proposta metodológica que queremos implementar’, acrescenta Tavares. 

O encontro teve a participação de representantes da sociedade civil que fazem parte dos conselhos nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), de Economia Solidária (CONAES), além da própria Cnapo. Também estiveram na oficina gestoras/es dos diversos órgãos envolvidos na implementação das políticas públicas consideradas estratégicas para o avanço da agroecologia no Brasil. O Planapo e o Planab foram lançados em outubro do ano passado e o programa Ecoforte acaba de divulgar as organizações  selecionadas, que começarão a executar os projetos ainda esse semestre. 

A oficina foi realizada no Sertão do São Francisco, território em que foram implementadas, ao longo das últimas décadas, muitas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar e onde já houve experiências interessantes de monitoramento dessas ações com a participação de organizações locais. “Fomos com um grupo bem preparado, bastante diverso, para um território muito fértil de elementos para exercitar e analisar recursos, mecanismos e metodologias de monitoramento”, acrescenta Londres.

“A oficina de monitoramento e avaliação de políticas públicas, aqui na Bahia, envolveu muitas organizações locais, redes, cooperativas, associações, comitês, a universidade e o núcleo de certificação. Todos puderam expor um pouco da sua trajetória e de sua experiência na prática da agroecologia e da agricultura familiar e a oficina fortaleceu o entendimento desses grupos de que a mudança não ocorre a partir de uma única  política, mas através da diversidade  do histórico de políticas acessadas ao longo do tempo, além do processo de organização social”, conta Clerison Belém, coordenador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA).

Os benefícios da nova proposta, diante das formas tradicionais de monitoramento, são grandes. Os monitoramentos tradicionais de políticas públicas, em geral, se limitam a entender dados quantitativos da execução das políticas, como quantas pessoas foram alcançadas, quantas toneladas de semente foram distribuídas e quantas horas de assistência técnica foram implementadas, por exemplo, mas têm muito pouca capacidade de avaliar a efetividade real das políticas. “Falta entender qual foi o impacto que aquelas políticas tiveram, de fato, na vida das pessoas e na teia organizativa daquele território, no fortalecimento daqueles sujeitos sociais”, afirma Londres.

Além disso,  em um mesmo território há políticas de Assistência Técnica (ATER),  de crédito, os programas  de Aquisição de Alimentos (PAA) e  de Alimentação Escolar (PNAE) e, recentemente, uma nova edição do  Ecoforte. A ideia é que a nova metodologia crie  formas inovadoras de olhar para a execução das políticas públicas, e, a partir dos territórios, entender o legado que essas políticas deixam em sua trajetória, de forma que seja possível observar a interação entre diferentes políticas que incidem em um mesmo território.

No território visitado, a expectativa também é grande. “Os agricultores esperam que essas políticas que deram certo para a agricultura familiar aqui sejam fortalecidas, melhoradas e ampliadas para outras comunidades, e também que os territórios que já foram contemplados possam acessar novas políticas, fortalecendo a agroecologia e a organização social, para produzirem alimento saudável e permanecerem no campo com dignidade”, diz Belém.

“Precisamos estruturar um sistema de monitoramento participativo de políticas públicas que mobilize para a ação política, com o fortalecimento dos espaços de participação social e participação efetiva da sociedade na gestão das políticas públicas”, afirma Patrícia Tavares.