Com a participação de representantes de organizações e redes de agroecologia de todas as regiões do Brasil, no último dia 26, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) promoveu o Encontro Final da Campanha Agroecologia nas Eleições (AnE) 2024.

O evento apontou que, mesmo diante do contexto político-eleitoral brasileiro, que resultou na predominância de candidaturas eleitas pela direita e pela extrema-direita, a iniciativa AnE 2024 mostrou uma grande capacidade de mobilização das organizações e redes de agroecologia em diferentes territórios do Brasil.

Nos dois meses que antecederam as eleições, foram mais de 150 atividades realizadas nos 26 estados brasileiros, organizadas por grupos, coletivos, instituições e redes estaduais e regionais de agroecologia. As ações tiveram o envolvimento de representantes da agricultura familiar camponesa, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, movimentos sociais e instituições de ensino, além de consumidoras/es, gestoras/es públicos e candidatas/os que estavam concorrendo às eleições municipais de 2024.

A Campanha Agroecologia nas Eleições levou para territórios de todos os estados do Brasil o debate sobre a urgência de termos políticas públicas municipais que apoiem as iniciativas de agroecologia vinculadas ao combate à fome, à preservação ambiental, ao enfrentamento das mudanças climáticas e à luta contra as desigualdades sociais.

Ao apresentar uma síntese do que foi feito no período, Amanda Moura, integrante da equipe que coordenou nacionalmente a campanha, destacou que a autonomia das redes na escolha das metodologias possibilitou colocar em prática uma diversidade de formatos e estratégias de ação, definidas de acordo com as realidades dos territórios.

Entre as atividades desenvolvidas, foram realizados: encontros presenciais com foco na apresentação da Carta Política AnE 2024 e na mobilização de candidaturas do campo democrático; rodas de conversa promovendo debates e formações políticas nas comunidades; distribuição de cartas e diálogos corpo a corpo com lideranças comunitárias; lives e encontros virtuais envolvendo organizações sociais e candidaturas; jantares agroecológicos; caravana territorial; e ações de comunicação, como assessoria de imprensa, entrevistas e debates em rádios e produção de áudios, vídeos e peças gráficas para impressão ou divulgação em redes sociais.

Roda de conversa sobre a Campanha AnE 2024 durante reunião da Rota de Comercialização Caminhos da Agroecologia, no Mato Grosso

Apresentação da Carta Política da Campanha AnE 2024 no Encontro Mineiro de Agroecologia, em Simonésia (MG)

Houve também muitas ações que aconteceram em espaços que são referências para a promoção da agroecologia, como as feiras da agricultura familiar. As atividades em espaços públicos foram importantes para aprofundar o diálogo com feirantes e consumidoras/es sobre a relevância de votar em candidaturas comprometidas com o desenvolvimento de políticas públicas que apoiam as práticas agroecológicas.

Barraca da Campanha Agroecologia nas Eleições 2024 em feira no município de Abaetetuba (PA)

O Encontro Final da Campanha AnE 2024 teve ainda um momento de apresentação das ações desenvolvidas em três estados: São Paulo, Maranhão e Sergipe.

Susana Prizendt, integrante do Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA-SP) contou que, em São Paulo, a estratégia adotada consistiu na elaboração de uma Carta Compromisso, com um conjunto de propostas direcionado às/aos candidatas/os nos municípios paulistas, e que teve o seguinte título: Agroecologia, sim! Fome, Sede, Veneno e Destruição Ambiental, não!

O processo foi fruto de uma articulação entre várias organizações do estado e foi coordenado pela Articulação Paulista de Agroecologia (APA), MUDA-SP, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida – SP e Coletivo Banquetaço. 

As propostas reunidas na Carta buscam enfrentar a desigualdade socioambiental presente nos municípios paulistas, considerando que sem a transformação do modelo produtivo de alimentos, tanto no campo como nas cidades, não haverá saúde, justiça social e equilíbrio ambiental. Susana explica que após um intenso movimento de debate e de divulgação da Carta em espaços físicos e virtuais, 103 candidaturas de 35 municípios paulistas assinaram o documento e firmaram o compromisso de atuar para efetivar as propostas. Deste total, 18 candidaturas foram eleitas para o legislativo e nenhuma para o executivo.

No Maranhão, o destaque da experiência apresentada no Encontro Final foi o envolvimento de jovens na produção de vídeos relacionados à Campanha Agroecologia nas Eleições 2024. Segundo Ivanessa Ramos Mariano, do Grupo de Trabalho (GT) de Juventudes da Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), as/os jovens integrantes do GT editaram cinco vídeos relacionando o conteúdo da Carta Política da ANA com a realidade de onde moram.

“Foi muito legal fazer esse processo, porque a gente fez várias reuniões. A partir da leitura da Carta, a gente conseguiu realizar a edição de cinco vídeos e colocar em pauta o nosso enfrentamento, principalmente, em relação à invasão das terras dos quilombos e dos territórios indígenas e à pulverização aérea [de agrotóxicos]. A gente tem vivido muito intensamente isso da violência”, alerta Ivanessa. Ela conta que os vídeos também tiveram o objetivo de ampliar o diálogo sobre temas importantes, como educação, sementes crioulas, justiça climática e racismo ambiental.

Ariana Gomes, secretária executiva da Rama, avalia que apesar de o resultado eleitoral do Maranhão ter sido terrível devido ao avanço de candidaturas da direita eleitas, o fortalecimento da juventude durante o processo de construção da AnE no estado é algo que precisa ser ressaltado. “É muito bonito ver que a juventude não é apenas o futuro. Eu acho que é sempre o presente e que está em defesa de todas essas pautas que são postas. Porque as juventudes são também as mais afetadas, são as mais atingidas com a não demarcação dos seus territórios e com a não efetivação das políticas públicas para a garantia de vidas melhores”, diz Ariana.

Já em Sergipe, a iniciativa apresentada por Jorge Rabanal, da Rede Sergipana de Agroecologia (ReSeA), focou na realização de uma Caravana Agroecológica que passou por cinco regiões do estado e realizou plenárias territoriais. “A gente conseguiu envolver não só candidaturas, mas trazer a voz das denúncias que existem ainda nos territórios e trabalhar, por exemplo, com a pauta das marisqueiras, a questão do impacto da contaminação das sementes transgênicas e as iniciativas das mulheres. Então, teve o envolvimento de lideranças que tinham de fato um pertencimento com aquele território e que enriqueceram a apresentação da Carta Política para os candidatos que passaram nas plenárias territoriais”.

Conforme explica Ana Maria Guimarães, do Movimento Camponês Popular (MCP) e da ReSeA, outro ponto que merece destaque na Caravana que aconteceu em Sergipe diz respeito ao cuidado com a alimentação oferecida nos encontros. “A gente trouxe a comida como um elemento central da nossa metodologia. Cada plenária, em cada território, começava com o almoço. Mas o almoço já era parte da programação, parte dessa vivência com as candidaturas, a Rede e os movimentos. E a gente buscou que a alimentação fosse das próprias comunidades. Um almoço agroecológico e feito pelas mãos de quem a gente sabe que constrói o território e também a política nos territórios”, comenta Ana Maria.

Roda de conversa e almoço da Caravana realizada em Estância (SE)

De acordo com Rabanal, a Caravana também foi um momento relevante para constatar como as eleições municipais de 2024 e as candidaturas para as prefeituras e câmaras de vereadoras/es no interior do Nordeste fazem parte de um processo de difundir as pautas conservadoras da direita. “A gente teve até uma antecipação de cenário político nas plenárias territoriais. Por mais que o Nordeste tenha essa áurea de que salvou o Brasil do bolsonarismo, a gente vê que, no interior, o bolsonarismo está cultivando um pouco as suas entranhas e mostrando nas candidaturas de prefeituras e de vereadores como tudo está bem orquestrado para sustentar esse sistema que está hoje na Câmara dos Deputados”, avalia Rabanal. Ele acredita que há no momento um desafio organizativo das redes e movimentos sociais, que têm que buscar formas para garantir que a ação de incidência política nos territórios continue.

A análise de Rabanal reforça uma percepção que foi apontada também nas apresentações de São Paulo e do Maranhão, no que se refere à necessidade de seguir nos territórios uma ação constante que possa enfrentar o avanço da política conservadora e autoritária nos municípios e, sobretudo, que consiga incidir no ciclo das políticas públicas que nascem dos territórios, manifestando as suas realidades, demandas e desafios para o enraizamento da agroecologia.

Para Ivanessa Mariano, da Rama, as atividades da campanha Agroecologia nas Eleições foram também uma oportunidade para compreender que o trabalho nas comunidades não pode parar. “Já estamos nas eleições de 2026 e, pelos resultados das eleições, agora a gente sabe que precisa intensificar esses processos, fazendo mais rodas de conversa. E nisso o GT de Juventude pode ser muito ativo, porque a gente sabe a problemática e o enfrentamento que o Maranhão tem”, garante Ivanessa.

Sarah Luiza Moreira, do GT Mulheres e do Núcleo Executivo da ANA, ressalta ainda que os resultados da Campanha AnE 2024 mostraram que, mesmo perante tantos desafios, o povo está atento e organizado, reivindicando que o enfoque agroecológico esteja, de fato, na agenda política e nos programas de governo. “É importante garantir que o apoio à agroecologia esteja presente nas políticas públicas, porque ela tem uma proposta e uma contribuição concreta e cotidiana, a partir dos saberes dos povos desde seus territórios, para construir uma realidade mais inclusiva e justa, com comida de verdade no campo e na cidade”, afirma Sarah.