Durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) de 2022, fomos isolados de qualquer processo de negociação, diálogo ou participação. Vivíamos os governos antidemocráticos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que agravaram a crise social, política, econômica, sanitária e ecológica. Tempos de flexibilização ambiental, desestruturação de órgãos de fiscalização, privatização de áreas protegidas, perseguição às organizações de direitos humanos, movimentos sociais e servidores públicos, aumento de conflitos fundiários e assassinato de lideranças e ativistas ambientais.
Esse cenário de destruição foi rechaçado pela sociedade brasileira com a eleição do presidente Lula. Hoje o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), liderado por Marina Silva, e o Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sônia Guajajara, buscam maior interação com a sociedade civil, especialmente com os movimentos sociais vinculados à biodiversidade, para definição de seus posicionamentos. Posicionamentos essenciais de um país megadiverso, membro do G20 e protagonista nas negociações da CDB.
Entretanto a agricultura empresarial e as grandes corporações podem influenciar a posição brasileira. Há um discurso dominante no Brasil de que o agronegócio “sustenta” o país e que as soluções apresentadas por esse modelo resolverão os problemas da crise ambiental e climática. De fato esse modelo de desenvolvimento resulta numa realidade desastrosa.
Apesar da redução do desmatamento, há aumento indiscriminado das queimadas em todas as regiões, especialmente no Pantanal, Cerrado e Amazônia. Quase 12 milhões de hectares foram queimados em 2024. Vivemos uma constante liberação de agrotóxicos e de novas sementes
transgênicas, inclusive do trigo. Nosso regime hídrico está sob alerta e experimentamos a possibilidade de exploração petroleira na foz do rio Amazonas. Vivenciamos recentemente uma das maiores tragédias socioambientais da nossa história: as enchentes no estado do Rio Grande do Sul, que impactaram mais de 1,5 milhão de pessoas. Nesse sentido, precisamos estar vigilantes contra posições que tendem ao retrocesso socioambiental e que impactam negativamente os territórios e direitos tradicionais. É preciso garantir os direitos dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e agricultores(as) familiares, especialmente à terra, ao território e à água e pela defesa da sociobiodiversidade. Precisamos negar a privatização de bens comuns, as iniciativas do capitalismo verde e a financeirização da natureza, pois só acumulam capital e excluem os povos das florestas, das águas e do campo.
Povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e agricultores(as) familiares do Brasil, cientes dos temas em discussão na 16ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica, do Protocolo de Cartagena e do Protocolo de Nagoia, viemos, por meio desta carta aberta: a) denunciar políticas e processos em curso no Brasil que afetam nossos territórios e a biodiversidade; b) manifestar nosso posicionamento e nossas recomendações, aspirando a um país socialmente e ambientalmente justo.