No dia 20 de março, véspera do Dia Mundial das Florestas, 49 lideranças geraizeiras do Norte de Minas, homens, mulheres e jovens, encontraram-se sob as sombras do Piquizeirão, considerado o maior pé de pequi do mundo. É o último remanescente de uma população de imensos pés de pequi que cobriam as vastas chapadas das altas serras do Espinhaço, entre os municípios de Montezuma, Vargem Grande e Rio Pardo de Minas. O motivo do encontro: discutirem a proposta de um projeto de lei que torna o Piquizerão patrimônio material das comunidades geraizeiras e darem continuidade na luta pela criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS – Nascentes dos Gerais.
Irmã Iria Maria animou a celebração relembrando as mulheres bíblicas que tanto resistiram contra a violência e a exploração. Não sem razão, pois, no dia 01 de março de 2014, conforme consta de Boletim de Ocorrência de número REDS 2014-004704329-001 emitido pelo 3º GP/2 Pelotão da Polícia Militar de Salinas, duas mulheres geraizeiras, a jovem Thayres Santos, de apenas 18 anos e sua mãe, Maria Joelice, foram covardemente humilhadas e presas, sendo conduzidas algemadas até a delegacia de Novorizonte. Motivo? Por filmarem e denunciarem a violação de direitos que estava sendo cometida pela guarnição da Polícia Militar em suas residências em função de uma denúncia anônima que resultou na ordem de busca e apreensão de armas na propriedade de Orlando, uma das lideranças do Movimento Geraizeiro. Nada foi encontrado.
Em mais uma tentativa de criminalizar as comunidades que resistem contra a degradação dos cerrados e de suas águas, as duas mulheres tiveram os seus direitos humanos violados. Por protestar de forma organizada e pacífica contra o avanço de milhares de ha da monocultura do eucalipto implantada em territórios das comunidades tradicionais geraizeiras, exatamente nas cabeceiras e áreas de recarga. O que está por traz são os interesses de empresários que a todo custo tentam dar continuidade na grilagem de terras públicas no Norte de Minas contando com o beneplácito do judiciário e do governo do estado.
Sob as bênçãos do Piquizeirão as lideranças narraram os 12 anos de luta pela proteção de seus territórios e pela criação da RDS Nascentes dos Gerais (anteriormente RESEX Areião Vale do Guará) em uma área de 38 mil ha que ainda se encontra parcialmente protegida contra a cobiça dos carvoeiros associados ao complexo Siderúrgico Florestal de Minas Gerais. Narraram mais de uma dezena de empates promovidos por mulheres, homens e jovens para evitar que as máquinas subissem ao Areião, o corte a foice de 120 ha de mudas de eucalipto que foi plantado em uma das nascentes do Córrego Vale do Guará, as Romarias do Areião realizadas anualmente, o plantio de quase 2 mil mudas de árvores nativas nas nascentes e áreas degradadas e a instalação do Acampamento Geraizeiro Quintino Soares com o apoio da OLST, no município de Montezuma.
O Sr. Mito lembrou que neste Acampamento, em apenas 20 dias, colheram 7.200 caixas de pequi que foram carregados para Brasília e Goiânia em 12 caminhões trucados. Que todos os pequis foram coletados do chão, sempre com a preocupação de deixar outros tantos para os animais ou para a regeneração dos cerrados. Que, apesar da perda de praticamente 100% das lavouras em função do terceiro ano seguido de seca, tiraram uma renda bruta de R$ 72.000,00 (setenta e dois mil reais), distribuídos entre as 35 famílias que ainda vivem no Acampamento. Ele lembrou: ainda vivem porque hoje estamos entregando o acampamento em função de mais uma ordem de despejo, agora em favor da Fazenda Estância Lagoa da Pedra, de Sete Lagoas. Tramitando há mais de um ano na Vara Agrária, o ICMBIo, apesar de seguidamente alertado, não entrou como parte da ação reclamada pela equipe de advogados que vem defendendo na justiça, as famílias geraizeiras que lutam pela criação da RDS. Por isso o despejo.
Mas, os Geraizeiros deixaram claro os recados que enviam à Sete Lagoas, à Belo Horizonte e à Brasília: não vão deixar a Empresa Estância Lagoa da Pedra cortar um pé de planta nativa do cerrado e que nenhum caminhão de carvão vai sair da área de terra pública que estão tentando grilar; não vão aceitar que o Governo de Minas Gerais faça nenhum contrato de arrendamento com empresas eucaliptoras e que vão denunciar à Comissão de Direitos Humanos da ALMG as seguidas violações de direitos promovidas pela Polícia Militar de Minas Gerais; e que vão entregar a própria vida na defesa do território tradicional geraizeiro apesar da omissão do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente que reluta em criar a RDS em função dos interesses escusos de empresas – eles afirmam: “a guerra está apenas começando, é a guerra pela vida!”
Montezuma, aos 20 de março de 2014
(*) Fonte: Blog Nas Imensidões dos Geraes.