O seminário, ocorrido nesta terça-feira (21), no 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, ampliou o debate sobre políticas públicas para o próximo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), confrontando expectativas de movimentos sociais e governo, que anunciou um orçamento de R$ 1,4 bi para políticas públicas nesta área
O seminário Políticas Públicas na Boca do Povo levou ao público do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia um debate que percorre o país desde setembro. A iniciativa homônima da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) vem realizando oficinas nas 27 unidades da federativas para atualizar informações sobre políticas já existentes ou em tramitação e alimentar a construção de propostas para políticas de agroecologia em níveis estadual e federal.
O seminário teve apresentações de Sarah Luiza Moreira, representante da ANA na CNAPO (Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica), Mazé Moraes, da Marcha das Margaridas e Contag, Fernanda Machiaveli, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), e Michela Calaça, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República.
As propostas para o III PLANAPO ouvidas nos encontros regionais serão apresentadas ao governo na CNAPO, para que sirvam de referência para a construção do Plano. No seminário, Moreira adiantou percepções da primeira etapa da iniciativa. Segundo ela, as propostas mostram claramente a diversidade da realidade nas diferentes regiões e biomas.
“Cada estado priorizou um dos seis eixos temáticos que havia no Planapo II e foram usados como referência, e todo o debate surgiu em um processo construído em diálogo com as Peapos (Políticas Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica)”, afirmou, acrescentando que todos os estados apontaram questões ligadas à emergência climática, que nem constava dos eixos anteriores.
Moreira destacou a importância da participação popular para a construção dessas propostas em um espaço autônomo de reflexão e diálogo, que é a CNAPO. Nessa comissão, a conexão entre sociedade civil e Governo deve resultar na construção de um Planapo inclusivo.
Fernanda Machiaveli abriu sua apresentação dizendo que hoje não há dúvida que a agroecologia é o principal caminho para o desenvolvimento agrário. “Reli o plano [Planapo] criado em 2013. Na época, o Brasil estava em vias de sair do mapa da fome e ainda não havia crise climática. A agroecologia surge agora como um caminho de resposta para dar conta desses novos desafios”, afirmou. Para ela, dois grandes desafios do momento são conectar o Brasil às agendas internacionais e o tratamento a ser dado pelo governo para a redução dos agrotóxicos, e os ministérios precisam ter uma atuação articulada nestas frentes.
Mazé Moraes relembrou o histórico de construção do Planapo a partir das demandas da Marcha das Margaridas e o período de desconstrução dessas políticas. “A pauta da agroecologia só se manteve forte por causa das experiências nos territórios”, ela afirmou, “portanto foi muito acertada a proposta da ANA de pensar a construção de um novo Planapo a partir dos territórios.”
Michela Calaça, disse que a pauta da Marcha das Margaridas ajudou a espraiar a agroecologia pela Esplanada e que no início do novo governo ficou claro que era importante a concepção de que a agroecologia fosse assunto para vários ministérios. “Foi importante colocar o debate em mais ministérios, como Igualdade Racial e Povos Indígenas, por exemplo”, disse Calaça.
Para ela, “alguns programas que estão sendo assumidos pelo governo, como as Cozinhas Solidárias, constroem políticas públicas, conscientizando estômago, cérebro e coração”.
Ao encerrar as apresentações e abrir o debate, Flavia Londres, da secretaria executiva da ANA, comemorou o momento de muita esperança, lembrando o quanto será importante monitorar todo esse processo. O debate trouxe também denúncias.
Maria Emília Pacheco, ex-presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que integra o núcleo executivo da ANA, manifestou sua preocupação ao ver o governo usar palavras distintas como se fossem sinônimos, a exemplo de bioeconomia e biodiversidade. Ela alerta que essa “confusão” se trata de uma disputa a partir da ótica do mercado. “Estamos vendo na Amazônia novas formas de apropriação que nada têm a ver com agroecologia”, alertou.
Carlos Eduardo Leite, também integrante do núcleo executivo da ANA e da ONG Sasop, ressalta a fragilidade dos decretos e a necessidade de transformar a agroecologia em um sistema de políticas públicas. “Precisa ter uma lógica dentro da estrutura do Estado. Como fazer a intersetorialidade entre essas políticas? Como os diferentes planos do governo dialogam entre si?” Ele lembra também que, este ano, os editais foram insuficientes e pergunta: “até que ponto teremos mais recursos para 2024?”
Segundo Machiaveli, houve um desmonte administrativo e silenciamento da sociedade civil no último governo, muito mais profundo do que se esperava, mas a boa notícia é que, em 2024, o MDA, juntamente com o Incra, terá um orçamento de 1,4 bilhão de reais para políticas públicas nesta área. O volume de recursos equivale ao orçamento total do MDA neste ano.