O Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Aarticulação Nacional de Agroecologia (ANA) esteve reunido entre 24 e 26 de outubro em Brasília
“Planta a semente na terra. Não será em vão. Não te preocupes a colheita, planta para o irmão.” Muitos encontros e reuniões de agricultoras e agricultores familiares e de povos comunidades tradicionais, segmentos guardiões da biodiversidade Brasil afora, são embalados por esse refrão. Na Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o seu Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade vem há cerca de duas décadas exercitando a tarefa de identificar e de articular experiências locais e de redes territoriais que se auto-organizam a partir do princípio do direito dos povos ao livre acesso e uso da biodiversidade.
Aprender com a prática e refletir a partir de casos concretos é a orientação metodológica que tem permitido ao GT promover, ao longo do tempo, um ambiente de trocas e o fortalecimento de redes de agrosociobiodiversidade.
Entre os dias 24 e 26 de outubro, um seminário do GT Biodiversidade da ANA¹ aconteceu em Brasília. Na ocasião, houve relatos de experiências agroecológicas, o planejamento de ações coletivas e o diálogo com alguns setores do governo Lula. Foram compartilhados aprendizados dos trabalhos realizados pela Rede de Sementes da Agroecologia do Paraná (ReSA), pelo Movimento Camponês Popular (MCP) em Sergipe, pela Cooperativa dos Bancos Comunitários de Sementes (Coppabacs) em Alagoas, pelo Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb), pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e pela Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro.
Experiências agroecológicas
A ReSA tem como estratégia central a valorização de guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade e a organização de feiras de sementes. Seu calendário de 2023 já incluiu cerca de 30 encontros de trocas de sementes e de conhecimentos no Paraná. Já o MCP tem investido na seleção, produção, melhoramento, beneficiamento e comercialização de sementes e de derivados de milho livre de transgênicos. Como parte da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), a Coppabacs destaca os avanços e desafios ligados à criação e à implementação de uma política estadual de sementes em Alagoas e a iniciativa que visa comprometer o governo a investir em sementes crioulas locais pelo menos 30% do orçamento destinado a compra total de sementes.
A estratégia no campo jurídico também integra a luta histórica das quebradeiras de coco do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins pela garantia de acesso aos territórios onde estão as palmeiras fruto de seu sustento. O Miqcb apresentou as experiências de leis estaduais e municipais chamadas de Babaçu Livre. Essas foram criadas como forma de assegurar os direitos das quebradeiras de coco, mas seu cumprimento não é automático e exige muita mobilização e articulação de apoios. As cercas das fazendas e a terra concentrada nas mãos de poucos são o maior desafio. Aliás, durante os debates, a Conaq trouxe para a pauta a urgência de se destravar os processos de regularização fundiária dos territórios tradicionais, única forma de essas comunidades terem assegurados seus diretos de reprodução de seus meios e modos de vida.
Outra experiência agroecológica apresentada está acontecendo no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. Para gerar integração e organizar um processo de fortalecimento da produção e da circulação de sementes crioulas, essenciais na agroecologia, um grupo de guardiões e guardiãs da biodiversidade está visitando comunidades geraizeiras, indígenas, quilombolas, da agricultura familiar e de assentamentos da região para elaborar um catálogo popular de sementes. O processo também tem como objetivo identificar potenciais novas guardiãs e guardiões que possam se somar à rede, em especial jovens e mulheres.
Diálogos com o governo
Os debates realizados a partir das trocas dessas e de outras experiências agroecológicas orientaram o GT Biodiversidade da ANA na elaboração de uma pauta com temas prioritários para diálogo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
O saldo das conversas indica que o momento de reconstrução pelo qual o país passa inclui a construção de uma agenda que articule apoios da sociedade civil, de movimentos sociais e de mandatos parlamentares populares a fim de cobrar e orientar a retomada e aplicação de políticas públicas em favor da agroecologia e da soberania e da segurança alimentar e nutricional e seus espaços de controle e participação social, assim como conter a voracidade dos setores conservadores e reacionários do Congresso Nacional, que cada vez mais avançam sobre o orçamento do Executivo. A volta da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), em articulação com as políticas estaduais de agroecologia já aprovadas em várias regiões, é um caminho promissor para essa retomada.
[1] O texto “Agroecologia, biodiversidade e sementes crioulas em debate” foi originalmente publicado no Brasil de Fato. O artigo é de Gabriel Fernandes, coordenador executivo do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata CTA-ZM, e da comunicadora Gilka Resende. Ambos integram o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).