Na abertura do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em Porto Alegre, o teólogo e filósofo Leonardo Boff falou sobre a importância do cuidado do homem com a natureza e o equilíbrio do sistema ecológico. Antes da sua intervenção Carlos Eduardo Leite, representando a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), explicou que o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) está em processo preparatório há um ano e será realizado no final de maio de 2014, em Juazeiro (BA). Diversas caravanas agroecológicas e culturais estão ocorrendo no país para dialogar com a sociedade sobre esse tema.
Boff participou da elaboração da Carta da Terra e na Bolívia colaborou para o dia da Mãe Terra, é autor de dezenas de livros sobre ecologia, alguns deles premiados, e acompanha os movimentos sociais contribuindo para os debates.
“O pensamento que criou a crise não pode ser o mesmo que vai nos tirar da crise, tem que ser outro, significa que devemos inventar uma nova forma de habitar o planeta, de produzir e consumir, de nos relacionar entre nós e a terra”, iniciou sua fala referindo-se a um pensamento de Albert Einstein.
O segundo ele, estamos num momento crítico da história da terra e da humanidade, e devemos fazer um pacto para cuidar da terra e uns dos outros para não arriscar a nossa destruição e da diversidade. São questões que não são tomadas a sério pelos donos do mundo, complementou. Durante a reunião das Nações Unidas sobre como diminuir o aquecimento, com representantes de 192 povos, a secretária geral para aquecimento, Cristina Gutierrez, chorou durante entrevista coletiva ao denunciar que as nações do mundo nada fizeram para criar um fundo de combate ao aquecimento.
É no contexto de uma tragédia anunciada que o pensador defende uma mudança de caminho para sustentar o mundo, já que o modelo vigente crucificou a terra: “esse sistema há quatrocentos anos se propôs a ganhar o máximo com o mínimo de tempo e investimento, com novas tecnologias e potência de concorrência, desconsiderando o sacrifício feito aos bens e serviços da natureza e a totalidade do sistema terra”, disse.
A metafísica ocidental, em sua opinião, reproduzida pelos técnicos atuais acredita que a terra é um baú cheio de recursos entregue ao exercício da nossa liberdade e voracidade. Esse projeto nos trouxe muitas comunidades, nos levou até a lua, inventou o antibiótico, só que essa ciência simultaneamente criou uma máquina de morte que pode destruir por vinte cinco formas diferentes toda a vida no planeta terra.
“Criou intervenções tão agressivas no sistema terra que a colocou num profundo estresse. Ela precisa em um ano e meio aquilo que nós tiramos em um ano, um planeta com recursos já limitados com um processo ilimitado. Ela já não suporta mais, se manifesta na doença, sua febre se manifesta hoje no aquecimento global. Construímos uma máquina de morte, esse modelo de civilização, de acumulação de bens materiais a custa dos bens e serviços da natureza.
A visita a fora do planeta despertou uma consciência planetária de uma única casa comum, extremamente frágil, e temos que defendê-la porque ela mostra sua vulnerabilidade. O escritor defende que é preciso entendê-la como órgão vivo e nós seres erráticos parte dela. “Somos expressão da sua complexidade e existência, salvando a terra estamos salvando a nós mesmos, se ela está doente é porque estamos doentes”, sentenciou.
O trabalho com a agroecologia seguindo os ritmos da natureza é um caminho a ser trilhado, respeitando o sistema de cada bioma em sinergia com a vida. É preciso criar um novo paradigma de convivência e cuidado para sustentação de toda a comunidade da vida. Como somos interdependentes a cooperação deve ser a lei mais suprema do universo. Um novo modelo civilizatório, porque o atual está mostrando que a relação da natureza com o desenvolvimento está produzindo um choque que poderá ser desastroso.
“Como nunca antes na história o destino comum nos conclama a um novo começo, que requer uma nova mente e um novo coração, uma interdependência de todos com todos, e o sentido de responsabilidade sem o qual não garantiremos um modo de vida local, regional e global. Não se trata de uma reforma, cobrir o corpo da terra de esparadrapos, temos que sanar esse corpo ferido e doente”, disse.
A agroecologia é justamente esse novo começo, porque produz ouvindo a natureza e respeitando os seus recursos. Só que não escutamos a mensagem que ela nos passa, a submetemos a nossa vontade e racionalidade e ela agora está nos punindo. Os grandes empresários são os mais analfabetos, segundo o intelectual, porque são eles os grandes responsáveis por essa crise. Temos que viver a ética do cuidado. “Se tratarmos com cuidado a terra, ela responde com generosidade”, concluiu.