Com importantes avanços para refeições mais saudáveis, PNAE requer reajuste de R$ 761 milhões em 2026 para repor perdas dos últimos dois anos.
Por Yuri Simeon
Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) poderá começar o próximo ano com um grande dilema: em 2026 o programa avança em diretrizes para a promoção de uma alimentação cada vez mais saudável, com maior participação da agricultura familiar e menor limite para ultraprocessados, mas por outro lado acumula 14,25% de perda no seu poder de compra desde o último reajuste, em 2023, comprometendo a capacidade de implementação das novas diretrizes.
É o que mostra estudo divulgado pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ). A nota técnica aponta a necessidade de um reajuste de R$ 761 milhões para o PNAE recuperar o poder de compra do início de 2023, quando houve o último reajuste.

A situação é ainda mais preocupante quando analisada a perda do poder de compra desde 2010, primeiro ano de execução do programa após sancionada a Lei do PNAE (11.947/2009). O programa perdeu quase metade (47,4%) do seu poder de compra ao longo dos últimos 15 anos, diante de reajustes esporádicos, abaixo da inflação dos alimentos.
Em razão deste cenário, o ÓAÊ lançou a campanha Reajusta PNAE Sempre, pela aprovação em lei do reajuste anual e permanente do PNAE, com base na inflação dos alimentos (IPCA – Alimentos e Bebidas) acumulada de cada ano.
“Todos os anos lutamos pelo reajuste para manter o poder de compra do PNAE, que é o mínimo. A alimentação escolar não pode continuar sujeita à vontade política do Congresso Nacional e Governo Federal ou aos constantes ajustes fiscais e à oscilação no preço dos alimentos. Esse é um direito e um investimento certeiro para o combate à fome. Precisamos de um reajuste anual e automático”, defende a coordenadora do ÓAÊ, Mariana Santarelli.
Ao longo de 15 anos, o programa recebeu apenas quatro reajustes, em 2010, 2013, 2017 e 2023. A consequência de poucos reajustes, com valores abaixo da inflação dos alimentos, é uma perda do poder de compra, gerando um déficit cada vez maior.
Para repor as perdas desde 2010, o programa precisaria de um reajuste de 90,3%, equivalente à R$ 4,8 bilhões. Esse reajuste significaria, por exemplo, que o valor per capita (por estudante/dia) saltaria de R$ 0,50 para R$ 0,95 nas modalidades de ensino fundamental e médio regular, onde se concentram 27,8 milhões de estudantes – 70% dos atendidos pelo programa.
Esse valor per capita deve ser complementado pelos estados, municípios e Distrito Federal, mas em muitos casos o recurso federal é a única garantia para o fornecimento da alimentação escolar. Nas regiões Norte e Nordeste mais de 30% dos municípios declararam não conseguir complementar os repasses em 2022.
Ausência de reajustes dificulta garantia de uma alimentação saudável
A partir de 2026, 85% do orçamento do PNAE deverá ser utilizado para a compra de alimentos in natura ou minimamente processados, limitando à 10% o uso de recursos para a compra de processados e ultraprocessados.
E o percentual mínimo dos recursos do programa destinados obrigatoriamente para a compra direta de alimentos da agricultura familiar aumentará para 45% após nova medida sancionada pelo presidente Lula em setembro de 2025.
“São importantes medidas para a defesa de uma alimentação escolar adequada e saudável, mas desafiadoras considerando a ausência de previsões de aumento de recursos para o programa”, analisa Luana de Lima Cunha, assessora de Políticas Públicas da FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas.
O reajuste é viável
Em parecer jurídico elaborado pelo doutor em Ciência Política Francisco Tavares, à pedido do Observatório, é ressaltada a legalidade do reajuste do PNAE, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), se respaldando em parâmetros jurídicos como a “vedação ao retrocesso nos direitos sociais”, “garantia do mínimo existencial” e “consideração do aumento real de despesas”.
De acordo com o parecer, ao corrigir uma despesa pública segundo a variação da inflação, o que se faz é mantê-la em termos idênticos, não representando um novo gasto. “A simples determinação de correção inflacionária das despesas com alimentação escolar não implica criação de nova despesa e portanto, não fere a LRF”, salienta.
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional 15 projetos de lei propondo reajustes anuais ao PNAE. O projeto de lei nº 2754/2023, de autoria da senadora Teresa Leitão, sugere especificamente a utilização do subgrupo “Alimentos e Bebidas” do IPCA para o cálculo do reajuste anual, de forma alinhada ao que propõe o Observatório.
O reajuste do PNAE também foi incluído no relatório divulgado na terça-feira (14) pelo deputado Moses Rodrigues (União-CE), relator da Comissão Especial para o projeto de lei 2614/2024 – do novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Segundo a coordenadora do ÓAÊ, “a quantidade de propostas legislativas que tratam do financiamento do PNAE evidenciam uma preocupação crescente com a adequação do orçamento do programa, uma oportunidade para aperfeiçoar aspectos de sustentabilidade financeira na lei desta política que é referência mundial”, enfatiza.
Orçamento da alimentação escolar não é priorizado
Para estimar o custo do reajuste ao Estado brasileiro, o ÓAÊ apresentou uma projeção de dez anos, elaborada pelo pesquisador e doutor em Economia Adriano Paixão. O cálculo toma como base o orçamento destinado ao PNAE em 2024 e a estimativa da inflação dos alimentos e números de matrículas para a próxima década. Com reajustes feitos progressivamente a cada ano, o programa atingiria um investimento adicional de R$ 3,37 bilhões no orçamento em 2034.
“Um valor baixo considerando a importância do PNAE ao alimentar diariamente mais de 39 milhões de estudantes em todos os municípios do país”, pontua Débora Olimpio, assessora executiva e de pesquisa do Observatório. “É preciso olhar o PNAE como um exemplo de política a ser fortalecida e multiplicada, visando a segurança alimentar. Não falta orçamento, falta prioridade”, complementa.
Como comparação, as isenções fiscais concedidas às indústrias de bebidas açucaradas e alcoólicas fizeram o Brasil deixar de arrecadar R$ 9,5 bilhões entre 2015 e 2024. Além de outros R$ 7 bilhões que deixaram de ser arrecadados da indústria de ultraprocessados. O Instituto de Efectividad Clinica y Sanitária (IECS) estima que o país deixa de arrecadar R$ 3,1 bilhões por ano com as isenções à indústria de refrigerantes. No caso da indústria de agrotóxicos, as isenções somaram R$ 21 bilhões somente no primeiro semestre de 2024.
Para Cunha, nutricionista e especialista em Saúde da Família, ao manter essas isenções e não fornecer reajuste ao PNAE, se impede o avanço na promoção de uma alimentação mais saudável e adequada para a sociedade brasileira.
“É muito preocupante o Brasil continuar concedendo benefícios fiscais para produtos que comprovadamente adoecem nossa população, enquanto o mesmo país não protege o poder de compra de uma política que fornece alimentação saudável e adequada para milhões de estudantes”, alerta a assessora da FIAN Brasil.
“Estudantes passam boa parte de seus dias na escola. O PNAE é uma importante ferramenta para formar hábitos alimentares mais saudáveis para as novas gerações. E isso também influencia nos hábitos de toda a família”, explica.
Por outro lado, para cada R$ 1 do PNAE investido em compras da agricultura e pecuária familiar, há um aumento de mais de 50% no valor para o PIB desses segmentos, aponta estudo publicado pelo ÓAÊ.
Para Paixão, “é urgente que o Estado brasileiro implemente uma regra de atualização permanente e automática para o PNAE tendo em vista a importância do programa e o seu impacto na educação pública brasileira”, conclui.