Pesquisa da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) analisou 503 experiências de agroecologia, que envolvem mais de 20 mil pessoas em 307 municípios, de todos os estados do Brasil

Dados comprovam que, no Brasil, mais de 73% dos gases do efeito estufa (GEE) são provenientes dos sistemas alimentares, ou seja, da produção agropecuária e da forma como esses produtos circulam pelo país e chegam à nossa casa e à casa de norte-americanos, chineses, latino-americanos, europeus, entre outros. Portanto, mudar esse padrão de emissões e diminuir seu impacto exige uma transformação nos reais “motores” da crise climática por aqui: plantio, colheita, beneficiamento, empacotamento, distribuição, gestão energética, consumo e manejo de resíduos. 

Para entender como as iniciativas de agroecologia estão enfrentando as mudanças climáticas e reestruturando os sistemas alimentares diretamente nos territórios, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) realizou o mapeamento nacional “Agroecologia, Território e Justiça Climática”, publicado no dia 25 de setembro, na plataforma Agroecologia em Rede. A publicação em português com análises dos resultados será lançada no 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em outubro; e as versões em espanhol e inglês, na Cúpula dos Povos, evento que acontece paralelamente à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em novembro deste ano. 

O projeto é coordenado pelo Grupo de Trabalho Justiça Climática e Agroecologia da ANA, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e as ONGs AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, Associação Agroecológica Tijupá e Fase – Solidariedade e Educação, e conta com o apoio do Agroecology Fund, do International Development Research Centre (IDRC) e do World Animal Protection (WPA). 

Além de dados sobre como as experiências agroecológicas estão contribuindo para a adaptação e mitigação às mudanças climáticas no Brasil, o mapeamento traz percepções do impacto sobre a produção de alimentos, a saúde da população e do meio ambiente, assim como dados sobre os grupos que protagonizam as iniciativas, os fatores que agravam as mudanças climáticas e o ainda limitado acesso a políticas públicas, entre outras informações. 

O “Mapeamento Agroecologia, Território e Justiça Climática” foi realizado de abril a junho de 2025 e identificou 503 experiências de agroecologia que têm promovido adaptação, mitigação e resiliência frente às mudanças climáticas nos territórios. 

As iniciativas apontam, na prática, soluções em curso para a transformação dos sistemas alimentares, e são protagonizadas por, ao menos, 28 grupos: agricultoras/es familiares, camponesas/es, educadoras/es, estudantes, agricultoras/es urbanos, jovens, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais. As iniciativas estão localizadas em 307 municípios e envolvem mais de 20 mil pessoas. Destacam-se alguns dados apontados pelas experiências mapeadas:

Ameaças e impactos das mudanças climáticas

  • As mudanças climáticas levaram à diminuição da produção em 56,3% das experiências e à perda de alimentos em 48,1%. 
  • Para 66% das experiências, os impactos das mudanças no clima passaram a ser percebidas nos últimos 10 anos.
  • 73,4% das experiências perceberam o aumento da temperatura e 70,8% identificaram a alteração do calendário das chuvas.
  • Entre os principais impactos das mudanças climáticas registrados, está o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativas (36,2%), espécies animais nativas (30,4%) e espécies e variedades vegetais agrícolas (19,7%), destacando-se ainda a percepção do aumento de doenças nas criações animais em 12,3% das experiências.
  • No que se refere à saúde humana, 34,4% das experiências perceberam o aumento de enfermidades associadas às mudanças climáticas, como doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental.
  • A piora da qualidade do ar foi notada em 42,9% das experiências, sobretudo, em grandes centros urbanos e áreas de mineração.
  • 326 iniciativas (64,8%) identificaram quais sujeitos intensificam as mudanças climáticas nos territórios, e o agronegócio foi citado por 221 experiências.

Características e soluções apresentadas pelas experiências mapeadas

  • A pesquisa revelou que 35% das experiências mapeadas são voltadas para produção, beneficiamento, acesso a alimentos e mercados, refletindo o papel da agroecologia na promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e na ampliação do acesso ao alimento saudável.
  • Outros principais focos das experiências foram a conservação da agrobiodiversidade e a convivência com os territórios (31,4%) – que incluem salvaguardas de sementes e raças animais, práticas de regeneração ecológica, como manejo do solo, salvaguarda de espécies e Sistemas Agroflorestais (SAFs).
  • As feiras foram apontadas como a principal forma de comercialização  da produção agroecológica (14,5%).
  • Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foram as principais políticas públicas federais acessadas, mas somente 37,2% das experiências acessaram políticas públicas.
  • A construção de conhecimento foi foco de 14,7% das experiências.
  • O mapeamento identificou que há, pelo menos, 28 grupos envolvidos nas experiências, sendo que mais de 35% das iniciativas são gestionadas por mulheres. Pessoas negras são responsáveis por mais de 36% das iniciativas, e povos indígenas por quase 4%. 
  • As mulheres negras apareceram como responsáveis por 95 experiências, ou seja, cerca de 19%.
  • 214 (42,5%) experiências cadastradas atuam com agricultura urbana, as mulheres negras são protagonistas de 49 delas.
  • 479 experiências utilizaram práticas de comunicação para divulgar suas ações, e o  Instagram foi a plataforma mais usada (74,0%), seguido pelo WhatsApp (60,2%), enquanto reuniões nas comunidades e feiras foram consideradas canais prioritários de divulgação por, respectivamente, 42,3% e 32,4% das experiências.
  • Como práticas que contribuem no enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas sentidos em todas as regiões do Brasil, a salvaguarda de sementes apareceu em 37,18% das experiências, e a salvaguarda de raças crioulas de animais em 9,15%.
  • Em relação à gestão da água, destacaram-se as práticas de manejo da água (42%), tratamentos ecológicos de esgoto doméstico – biofossas, fossa ecológica, círculo de bananeira etc (26,2%), fossa bananeira (23,9%), cisternas e captação de água de chuva (22,3%) e barraginhas ou caixas de contenção de enxurradas/caixas secas (9,3%).
  • Quase 50% das experiências perceberam que a organização de grupos e comunidades é uma prática que contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Alertas passaram a ser mais notados há 10 anos e temperatura foi o principal sinal

Para 66% das experiências, as mudanças no clima passaram a ser percebidas nos últimos 10 anos. Os sujeitos que protagonizam as experiências percebem de distintas formas os impactos das mudanças climáticas. 

O aumento da temperatura foi um fenômeno citado por mais de 73% das experiências. Em sequência ao aumento da temperatura, cinco categorias apontam para transformações no ciclo da água: alteração no calendário de chuvas (70,8%), diminuição das chuvas (57,3%), chuvas extremas (37%), alagamento de áreas (26%) e aumento das chuvas (25%).

No imaginário social brasileiro, longas estiagens são características associadas, na maioria das vezes, ao semiárido ou à Caatinga. Porém, ao analisar as experiências mapeadas, observou-se que “emergência hídrica” foi a categoria utilizada para descrever a diminuição pluviométrica no bioma Pampa, localizado na Região Sul do país. Redes e organizações têm atuado ali para implementação de sistemas de captação e armazenamento de água da chuva em comunidades quilombolas. Essa vivência cotidiana de estiagem reafirma a situação de instabilidade e fragilidade que o Planeta está diante.

O comportamento regional também é crucial para analisar outro dado que desafia o imaginário social: 20,8% das experiências da Amazônia apontaram que há secas na região. Em termos regionais, a Amazônia e o Nordeste tiveram índices de percepção do aumento da temperatura acima da média nacional, 81% e 82%, respectivamente. Na maior floresta tropical do mundo e na região semiárida estão também a maior quantidade de percepções sobre desertificação, 20,8% e 29,1%. Em termos de biomas, os dados são explícitos: seca no Pampa, na Amazônia e na Caatinga.

Essas alterações aparecem associadas ainda à percepção de como as mudanças climáticas têm contribuído com a erosão do solo (34,4%). 

Os impactos na agricultura também são notados com a diminuição e a perda da produção, assinaladas em 56,3% e 48,1% das experiências, respectivamente. Esses dados apontam para um cenário de aprofundamento da insegurança alimentar e nutricional devido não somente à retração da quantidade de alimentos disponíveis, mas também da qualidade alimentar. 

Alterações na composição da fauna e da flora nativas foram percepções das experiências. Foi identificado o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativas (36,2%), espécies animais nativas (30,4%) e espécies e variedades vegetais agrícolas (19,7%). O desaparecimento destas espécies desequilibra os sistemas agroalimentares, assim como produz significativa perda biocultural. Ainda se destaca a percepção do aumento de doenças nas criações animais em 12,3% das experiências. 

No que se refere à saúde humana, 34,4% das experiências percebem o aumento de enfermidades devido às mudanças climáticas, como doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental. A piora da qualidade do ar foi percebida por 42,9% das experiências, sobretudo, em grandes centros urbanos e áreas de mineração.

Como a agroecologia responde à crise climática: foco e práticas em destaque 

As ações relacionadas à produção, beneficiamento, acesso a alimentos e mercados representam os focos principais de 35% das experiências mapeadas. Segundo Helena Lopes, pesquisadora da Fiocruz e integrante do GT Justiça Climática e Agroecologia da ANA, o dado reflete o papel da agroecologia tanto na promoção da segurança alimentar e nutricional como na democratização do acesso ao alimento saudável. “Isso ocorre, por exemplo, sob a forma de feiras, mercados institucionais, parceria com cozinhas solidárias, bancos de alimentos, trocas e doações de alimentos”, ela explica.  

O mapeamento também identificou que outra prioridade das experiências está vinculada às estratégias de conservação da agrobiodiversidade e convivência com os territórios (31,4%): são combinações de práticas de regeneração ecológica, como manejo do solo, Sistemas Agroflorestais (SAFs) e salvaguarda de espécies vegetais e animais, agrícolas e nativas. O destaque é para as agroflorestas (10%), que desempenham múltiplos papéis: produção de alimentos, reflorestamento/recaatingamento, diminuição da temperatura, conforto térmico e absorção de gases de efeito de estufa.

A salvaguarda de sementes – que se refere à conservação de sementes adaptadas aos territórios – aparece em 37,2% das experiências, e a salvaguarda de raças crioulas de animais em 9,15%. O mapeamento identificou diferentes iniciativas de salvaguarda, como casas e festas de sementes crioulas, processos coletivos de multiplicação de variedades e criação de redes de guardiãs e guardiões de sementes. 

Entre essas iniciativas, está a Missão Sementes de Solidariedade, uma ação coletiva articulada por 23 organizações, coordenada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e suas cooperativas, que tem por objetivo “apoiar comunidades camponesas do Rio Grande do Sul afetadas por eventos socioambientais extremos”. A ação distribuiu sementes, mudas e ramas, além de garantir assistência técnica a comunidades atingidas em 2023 e 2024. As doações alcançaram 59.318 kg de sementes de milho, 16.140 kg de sementes de feijão e 4.800 kg de sementes de arroz, entre outras variedades.

A pesquisa também identificou iniciativas da agricultura familiar que valorizam a criação de raças nativas de animais e raças adaptadas aos diferentes territórios, garantindo o bem estar animal e formas de alimentação saudáveis e com autonomia. Essas experiências vão na contramão da atividade pecuária convencional, que tem reduzido consideravelmente as raças animais e instituído formas de criação animal baseadas na alimentação com rações transgênicas e em condições que favorecem o aparecimento de doenças. 

A experiência de Valorização das Guardiãs das Raças Nativas na Agricultura Familiar no Semiárido Paraibano, por exemplo, tem como foco as agricultoras e jovens guardiãs de raças nativas de animais (galinhas de capoeira, caprinos e ovinos), a construção de estratégias para cuidado dos animais – com oficinas sobre alimentação e sanidade – e a organização de fundos rotativos de animais de raças nativas. 

A pesquisa identificou ainda uma série de iniciativas de construção do conhecimento (14,7%), que busca elaborar compreensões sobre a relação entre agroecologia e mudanças climáticas. A promoção da saúde foi foco de 4,6% das experiências, com destaque para a saúde das pessoas e do ambiente. Por fim, 2,2% das experiências identificaram que seu trabalho têm como foco a gestão de resíduos sólidos e 1% afirmou ser sobre produção de bioinsumos. 

A pesquisa buscou captar qual o foco prioritário para as/os próprias/os protagonistas das experiências. Mas é importante ressaltar que as iniciativas não restringem sua atuação ao foco escolhido. Experiências de produção de alimentos, por exemplo, têm trabalhado com a produção de bioinsumos. Assim como as práticas de conservação da biodiversidade e dos territórios são compreendidas como inseparáveis da saúde, uma vez que, para a agroecologia, cuidar da terra é cuidar da vida.

Nos distintos territórios, as experiências têm percebido como suas práticas contribuem com o enfrentamento das mudanças climáticas, seja no âmbito da adaptação, da mitigação ou da promoção da justiça climática. Entre elas, destacam-se o manejo e a conservação do solo (70,7%) e da água (42%), a diversificação dos sistemas produtivos (63%), o plantio de árvores e reflorestamento (56,9%), a compostagem (52,7%) e o tratamento ecológico de esgotos (26,2%). 

“Ao adotar a diversidade como princípio orientador, as experiências também demonstram como a agroecologia é capaz de agregar distintas espécies, conhecimentos e culturas, que coexistem num mesmo território”, afirma Lopes. Ela lembra também como a análise do conjunto das experiências apresenta  estratégias coletivas baseadas em valores como cooperação, solidariedade e complementaridade com a natureza. 

As ameaças do agronegócio e a demanda por apoios adequados

Por outro lado, a agrobiodiversidade dos sistemas agroecológicos é ameaçada pelo agronegócio que, ao lançar mão do uso indiscriminado de agrotóxicos, plantios em monocultura e uso de transgênicos, coloca em risco as sementes crioulas, a saúde do solo e das águas, assim como a presença de vida – humana, animal e vegetal. 

No mapeamento, 221 experiências (43,9%) apontaram que o agronegócio tem intensificado as mudanças climáticas nos territórios. Grandes empresas e corporações são propagadoras de conflitos devido ao uso de agrotóxicos (55,5%), aos monocultivos (42,3%) e às contaminações por transgênicos (24,5%). 

Embora somente 37,2% das experiências tenham afirmado que acessam políticas públicas, o mapeamento ressalta que os territórios apontam, de fato, caminhos para o enfrentamento às mudanças climáticas e para a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional. Nesta perspectiva territorial, conclui-se que o Estado deve apoiar estratégias que, simultaneamente, são capazes de transformar os sistemas agroalimentares e combater a emergência climática. 

As soluções que vêm das cidades

Experiências agroecológicas nas cidades tiveram um resultado expressivo: das 503 experiências analisadas, 214 disseram estar em meio urbano ou periurbano. A análise dos dados da pesquisa também aponta que 42,5% apresentam a agricultura urbana como um tema e/ou envolvem diretamente agricultoras/es urbanas/os em suas ações. Das 214, as mulheres negras são protagonistas de 49 delas. 

Essas experiências resistem frente à especulação imobiliária (47%) e ao uso intensivo de agrotóxicos (39%), e mais da metade (53,7%) das experiências localizadas em áreas urbanas e periurbanas consideraram a piora na qualidade do ar uma consequência das mudanças climáticas. Esse impacto é especialmente percebido na Região Sudeste e está intimamente associado ao uso do solo urbano. 

Apesar dos desafios, os caminhos apontados pela agricultura urbana e protagonizados pela sociedade civil nos territórios envolvem a conservação e manejo do solo em arranjos coletivos e comunitários, a diversificação da produção – em hortas, roças, Sistemas Agroflorestais (SAFs) e quintais – e a constituição de circuitos curtos de produção, consumo e descarte de alimentos. Em relação ao descarte de alimentos, destacam-se técnicas como a compostagem que promovem a circularidade dos nutrientes e reduzem a emissão de gás metano pela contaminação de resíduos orgânicos nos lixões e aterros sanitários e o plantio de árvores em áreas urbanas, buscando reduzir os efeitos de “ilhas de calor” e o aumento da temperatura.

As experiências nos territórios expressam ainda a potência da agricultura urbana na promoção da justiça climática, protagonizadas, em grande parte, por mulheres em periferias urbanas. A agricultora urbana Alexandra Santos, da Horta Planta Vida, localizada em uma ocupação urbana em Belo Horizonte (MG), conta que a partir da transformação do local, que antes era um lixão, construíram uma horta comunitária de solo fértil, onde se produz de forma agroecológica alimentos saudáveis. “Os alimentos são consumidos, doados, trocados e vendidos dentro e fora da Ocupação, gerando trabalho, renda, segurança alimentar e nutricional e recuperação ambiental”, diz Santos

O papel da economia da agroecologia rumo à justiça climática

A construção social de mercados, a economia solidária e outras formas de economia foram temas identificados como relevantes por 40% das experiências. Das iniciativas que autodeclararam ter como foco a produção e beneficiamento e a construção social de mercados, as feiras assumem protagonismo no destino da comercialização, alcançando 14,5% do total. Elas são fundamentais no campo da agroecologia e constituem espaço de trocas de saberes, valorização cultural e garantia de acesso a alimentos frescos, saudáveis e sazonais.

Os mercados institucionais também são expressivos na economia da produção e comercialização de alimentos agroecológicos. Apesar de grande parte das experiências não acessarem políticas públicas, nos casos em que acessam, destaca-se a comercialização para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 

Outra política pública destacada é a Lei da Agricultura Orgânica. Entre as diferentes formas de garantia da qualidade da produção, os Sistemas Participativos de Garantia (SPG) costuram redes de produção, construção de conhecimento e desenvolvimento sustentável regional. O grupo Orgânicos Jequitinhonha, por exemplo, formado por famílias agricultoras do Alto Jequitinhonha (MG), tem atualmente 25 famílias certificadas. “As práticas adotadas pelo grupo incluem a substituição de técnicas convencionais por métodos agroecológicos, como o uso de compostagem, o controle biológico de pragas e o manejo sustentável do solo e da água. Toda a produção é livre de agrotóxicos, com foco na preservação da saúde dos consumidores, dos próprios agricultores e do meio ambiente. (…) Além de promover a saúde e a segurança alimentar, os produtos ganham valor agregado, permitindo o acesso a programas públicos como o PNAE e o PAA, que oferecem até 30% a mais de remuneração para alimentos orgânicos”. 

Saúde coletiva e plantas medicinais como estratégias de enfrentamento às mudanças do clima 

Promoção da saúde foi foco de 23 experiências, com destaque para a produção de plantas e ervas medicinais e Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). No entanto, a saúde aparece de forma mais ampliada quando se analisa o tema “Práticas de cuidado em saúde e medicina tradicional”, com o qual 103 experiências se identificaram. Esse dado revela interfaces entre saúde e agroecologia no enfrentamento às mudanças climáticas, a exemplo das chamadas agroflorestas medicinais. 

Na experiência das mulheres do bairro Pintos, em Mossoró (RN), elas têm construído caminhos para a saúde mental na interseção entre gênero e segurança alimentar e nutricional. A horta comunitária criada para alimentação das famílias e comercialização também é um espaço de partilha sobre temas penosos como violência, racismo e desigualdades de gênero. O aumento da temperatura e o adoecimento das pessoas, como doenças cardíacas, diminuição da imunidade e adoecimento mental, estão entre as suas percepções sobre as mudanças climáticas

Já na experiência desenvolvida no bairro Paranazinho, zona periférica de Pien (PR), a família do Sítio Espaço Florescer tem se dedicado à produção de alimentos agroecológicos, à salvaguarda de sementes e às plantas medicinais. Integrada à Rede de Sementes da Agroecologia (ReSA), contribui com a conservação da biodiversidade, e as plantas medicinais cultivadas destinam-se ao Programa Farmácia Verde do Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde é tratada como indissociável às práticas, garantindo alimentos e ambiente saudável, ao mesmo tempo em que também tem lugar institucional.

Gestão da água, enchentes, falta de chuva, excesso de água

Frente a tantos impactos provocados pelas mudanças climáticas, importantes tecnologias sociais são criadas e multiplicadas nos territórios. Um total de 374 experiências identificaram que realizam a gestão comum da terra e solo, 331 da água, 303 das sementes, 223 das florestas, 223 das matas e 184 dos rios. 

Especialmente em relação à gestão da água, fundamental à produção agrícola e sensível ao contexto de degradação ambiental, têm destaque nas experiências mapeadas as práticas de enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas a partir do manejo da água (42%), tratamentos ecológicos de esgoto doméstico – biofossas, fossa ecológica, círculo de bananeira etc (26,2%), fossa bananeira (23,9%), cisternas e captação de água de chuva (22,3%) e barraginhas ou caixas de contenção de enxurradas/caixas secas (9,3%).

No Rio Grande do Sul, agricultoras/es têm sofrido prejuízos nas suas atividades agropecuárias devido à irregularidade do regime hídrico, intercalando períodos de estiagens severas e chuvas intensas. “O município de Rolante (RS) conta com boa disponibilidade hídrica de rios e nascentes. Por outro lado, tem sofrido constantes danos ambientais, como enchentes na zona urbana, deslizamentos de terras, assoreamento dos rios e destruição das plantações por causa das enxurradas”. 

Um projeto de extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Rolante atua no mapeamento de nascentes junto aos órgãos municipais, registro, identificação da situação de proteção, avaliação da quantidade e qualidade da água vertida da fonte. A partir disso, são realizadas práticas de recuperação e preservação das nascentes, como plantio de mudas de árvores nativas para formação de mata ciliar, cercamento para evitar acesso de animais à fonte, limpeza do local e montagem de estrutura para filtrar e coletar a água para os diversos usos nas propriedades. 

Soluções baseadas em métricas de carbono limitam compreensões sobre as mudanças climáticas

As experiências apontam que não é possível enfrentar as mudanças do clima de forma individualizada. Quase 50% das experiências percebem que a organização de grupos e comunidades é uma prática que contribui para o enfrentamento das mudanças climáticas. 

Isso revela um esforço de driblar o imaginário social sobre as mudanças climáticas pautado exclusivamente na métrica de carbono, como discute a pesquisadora Camila Moreno em seus estudos sobre o tema. “A construção coletiva do conhecimento, citada por 268 experiências, aparece como uma proposta de reverter a abstração do carbono, estabelecendo conexões entre os gases atmosféricos e as facetas cotidianas da transformação do clima”, explica Helena Lopes.

Esse é o caso da experiência realizada na região amazônica, no município de Morros (MA). Ali a Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Povoado Patizal conta com 43 membros de dez diferentes povoados. Juntas/os constituíram o Acordo Socioambiental da Associação, um instrumento de gestão territorial que reúne regras de condutas coletivamente definidas no cuidado com os bens comuns. 

Agricultoras/es identificaram que as nascentes e corpos d’água têm sido duramente afetados pelas mudanças do clima, devido à irregularidade das chuvas, ao aumento da temperatura e à redução da umidade do solo, e a partir daí adotaram práticas adequadas para proteção ambiental e manejos adequados do solo e da água para assegurar a continuidade da produção agrícola e a qualidade de vida no território.

Já nas seis aldeias da Terra Indígena Cachoeirinha, em Miranda (MS), a ação “Guardiões do Clima”, que atua com a formação de lideranças indígenas entre crianças e jovens, a transformação do clima é analisada a partir das referências tradicionais e do diálogo com os conhecimentos científicos. 

Para Ariadnny Antônio Cebalio, de 18 anos, “ser uma Guardiã do Clima é entender e conhecer o meu território para, assim, achar uma solução lógica de melhora”. Para Alexandre de Arruda Antônio, de 16 anos, “cuidar do clima e do território não é responsabilidade só de quem vive aqui, mas, sim, de todos. A natureza é nossa casa comum e precisa de união e respeito”.