Por Viviane Brochardt

Viva a democracia! Na última quinta-feira, dia 25 de abril, o povo de Portugal saiu às ruas para celebrar os 50 anos da Revolução dos Cravos, um marco que, em 1974, colocou fim a um período de regimes autoritários (a Ditadura Militar e o Estado Novo, este último também conhecido como salazarismo), que por 48 anos (1926-1974) perdurou naquele país europeu. 

Durante o período totalitário que precedeu a Revolução dos Cravos, Portugal vivia sob a censura, tendo que passar livros, jornais, discos e filmes por “exame prévio” para, então, serem liberados. Mulheres precisavam da autorização de maridos ou pais para viajar e não podiam usar biquíni, por exemplo. Partidos políticos eram proibidos. As crianças eram doutrinadas nas escolas em valores do Estado Novo. Homens jovens eram obrigados pelo regime ditatorial a lutar em guerras em Angola, Moçambique e Guiné, a chamada Guerra Colonial. O país enfrentava forte crise econômica que, associada às guerras, fez muitos de seus cidadãos emigrarem. 

Com o lema “Democratizar, Descolonizar e Desenvolver”, a Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura e também criou as condições que levaram países que ainda viviam na condição de colônias portuguesas, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe, a conquistarem independência. 

Neste ano, além de celebrar cinco décadas de democracia, centenas de milhares de pessoas foram às ruas também para marcar posicionamento político frente ao momento de crescimento do extremismo de direita em Portugal. Nas eleições legislativas que aconteceram em março deste ano, o Chega, partido de extrema direita, aumentou de 12 para 50 a sua bancada de deputados na Assembleia da República, formada por 230 membros. O avanço da direita em Portugal, fenômeno que se percebe também em outros países, é visto como ameaça à bandeira da liberdade e aos “princípios de abril”.

Em pronunciamento feito na véspera das comemorações da Revolução dos Cravos, o atual presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no que poderia ser um alinhamento com o princípio “descolonizar”, afirmou que Portugal deve assumir os crimes cometidos nas antigas colônias, o que gerou polêmica no país e forte reação de partidos de direita, que levantam a bandeira contra a imigração. André Ventura, representante do Chega, questionou o presidente: “Pagar o quê? Pagar para quem?” e seguiu criticando Rebelo de Sousa ao dizer que o presidente “foi eleito pelos portugueses” e “não pelos guineenses, brasileiros e timorenses”. 

Do outro lado do Atlântico, o governo brasileiro se adiantou e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, disse que já fez contato com o governo português para tratar de ações de reparação relativas à escravização de pessoas levadas à força da África, ao massacre de indígenas e aos bens saqueados. Para a ministra brasileira, o pronunciamento do presidente português aconteceu depois de cobrança pública feita por movimentos de mulheres negras brasileiras durante o 3º Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes das Nações Unidas, que aconteceu na Suíça uma semana antes das comemorações da Revolução dos Cravos. 

As mulheres propuseram ao governo português medidas como a criação de museus e centros de memórias, a inclusão no currículo escolar português sobre a temática da colonização e acordos de colaboração com o Brasil e outros países que foram colônias de  Portugal para promover a reparação com investimentos financeiros, da salvaguarda de memórias e de revisão dos pactos de nacionalidade e trânsito entre os países.

Enquanto as ações reparadoras ainda estão no campo das intenções, vale seguir celebrando a liberdade conquistada, que permite cobranças públicas, e os direitos adquiridos, que em uma democracia precisam ser para todas e todos. Que os frutos do 25 de Abril possam ser colhidos pelos portugueses e pelos diversos povos que em solo lusitano decidiram viver, trabalhar e seguir construindo este país.