Por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia para a Mídia Ninja
Com o aumento da crise econômica devido à pandemia, a alta dos preços dos alimentos e a preocupação com a volta da fome no país, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) criou as Cozinhas Solidárias e hortas urbanas para combater a insegurança alimentar e nutricional das pessoas que vivem nas ocupações organizadas por eles. Até o momento, estão em funcionamento 19 cozinhas em todo o país, e dezenas de hortas para fortalecer a alimentação local e gerar renda para as famílias sem teto nas periferias das cidades. Esta é mais uma experiência identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Apesar de o Brasil ser o segundo maior exportador mundial de alimentos, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), mais de 19 milhões de brasileiros estão em situação de fome no país. Os dados da Rede Brasileira de Pesquisa e Soberania Alimentar de 2020 revelam um crescimento de quase o dobro (10,3 milhões) de pessoas nessa condição em relação ao ano passado. A Pesquisa de Orçamento Familiar (2017/2018) do IBGE, por sua vez, mostrou que a situação de segurança alimentar era vivenciada por apenas 63,3% dos domicílios pesquisados em todo território nacional.
Nesse contexto, foi aberta a primeira Cozinha Solidária do MTST, no dia 13 de março de 2021, em Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Seis meses depois, quase 20 unidades estão abertas em periferias dos centros urbanos em quase todo o Brasil. Com as doações, foram distribuídas mais de 79 toneladas de alimentos, que viraram 132 mil marmitas para pessoas que estão em situação de insegurança alimentar e nutricional. Além da distribuição de marmitas, as Cozinhas Solidárias se tornaram espaços coletivos de acolhimento, trocas, aprendizados e muita solidariedade.
O MTST está presente em 11 estados e Distrito Federal, envolve aproximadamente 50 mil famílias organizadas dentro e fora de ocupações de terra urbana e cerca de dez ocupações em terrenos no Brasil. Antes desse projeto das Cozinhas Solidárias, já existiam em torno de dez cozinhas comunitárias fora das ocupações em todo o país, que atendiam aproximadamente 10 mil pessoas . Hoje, são 19 já abertas e seis em fase de planejamento em São Carlos (SP), Osasco (SP), Salvador (BA), Rio Branco (AC), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE).
De acordo com Ana Paula Perles, da coordenação nacional do Movimento, até dezembro estão previstas cerca de 26 cozinhas em 12 estados e Distrito Federal. A proposta é ampliar as hortas para os terrenos em ocupações e juntar com as doações de alimentos que recebem por meio das plataformas digitais, além das compras nos supermercados, para combater a insegurança alimentar dos sem teto.
“A ideia do projeto é não ficar completamente refém dos alimentos que vêm dos grandes mercados. Produzimos alimentos saudáveis e as cozinhas oferecem também outros serviços de apoio e acolhimento, como atendimento jurídico, de saúde e reforço escolar. Divulgamos um jornal quinzenal explicando o porquê da cozinha e de onde vêm os alimentos, para manter as pessoas bem atualizadas, pois estamos voltando para o mapa da fome. As cozinheiras recebem ajuda de custo e formação, porque muitas delas são do próprio Movimento ou do bairro, em sua maioria, mães e chefes do lar”, afirmou.
Uma das cozinhas mais desenvolvidas é a Prof. Paulo Bandeira, que fica no bairro Benedito Bentes 2, em Maceió (AL), e atende 200 famílias. Sua capacidade gira em torno de 200 refeições por dia desde março deste ano. As hortas servem para a manutenção da cozinha e também para gerar renda, pois estão conseguindo vender alguns temperos para a vizinhança. Todo o dinheiro é revertido para o projeto. Uma das hortas fica na ocupação Dandara, no mesmo bairro. Atualmente, têm uma área de 14 hectares, que era abandonada e foi conquistada há três anos em diálogo com o governo estadual, onde produzem diversos alimentos: macaxeira, batata, feijões, abóbora, milho, hortaliças e plantas medicinais, além de criarem animais de pequeno porte.
Para a responsável pelas cozinhas solidárias e hortas orgânicas no estado, Eliane Silva, da coordenação nacional do MTST em Alagoas, essas iniciativas surgiram durante a pandemia para gerar renda para as famílias e combater a insegurança alimentar e nutricional. No início, o Movimento estava distribuindo cestas básicas com recursos captados via vaquinha online, mas depois, com a diminuição do auxílio emergencial e o aumento do preço do gás e das comidas, passaram a desenvolver esses projetos.
“Assim que nasce uma ocupação, a primeira ação é a criação da cozinha voluntária. A nossa fica num dos maiores bairros periféricos de Maceió (AL), um local com desigualdade social muito grande. A ideia das hortas é promover sustentabilidade com a produção de alimentos saudáveis, sem venenos, para gerar renda e manter as cozinhas. Queremos participar das feiras orgânicas e familiares da cidade e estimular que qualquer pedaço de terra possa ser usado para a produção de alimentos orgânicos, para combater a fome e gerar renda para as pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar”, afirmou a militante.
São vários exemplos como esse espalhados por todo o Brasil. Em um bairro de Boa Vista (RO), por exemplo, desde abril estão atendendo cerca de 200 famílias todos os dias da semana, mas ainda não conseguiram desenvolver uma horta. Estão com um projeto para plantar em outro município, já que não têm terra na ocupação da capital. Atendem cerca de 30 famílias e contam com 16 voluntárias na cozinha, muitas delas imigrantes venezuelanas. Segundo as lideranças locais, todo dia chega gente atrás de comida, mas não estão conseguindo atender a todos nem sabem até quando conseguirão sustentar o projeto. Os alimentos são comprados nos mercados locais ou doados por parceiros.
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