Por Eduardo Sá, da Articulação Nacional de Agroecologia para a Mídia Ninja
A agricultura familiar do Sertão do São Francisco, que envolve dez municípios baianos, tem ampliado a comercialização dos seus produtos a partir do Serviço de Inspeção Municipal (SIM). Os consórcios públicos estabelecidos pelo governo do Estado em parceria com as prefeituras e as entidades de assessoria técnica da sociedade civil têm fortalecido as estruturas das agroindústrias e gerado renda e segurança alimentar na região. Essa é mais uma experiência identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Tudo começou quando o ainda existente Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) passou a apoiar empreendimentos no entorno. Foi reconfigurada a relação do poder público com as entidades e agricultoras/es familiares locais e incentivada a implantação do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA).
No decorrer desses processos, houve uma articulação por parte da sociedade civil nas câmaras municipais, que viabilizou uma lei, decretos e normativas nos municípios garantindo os direitos das/os agricultoras/es venderem seus produtos formalmente. No ano de 2019, foram efetivados convênios da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), para a implantação do SIM em dez consórcios públicos em todo o Estado da Bahia com investimento de cerca de R$ 1,8 milhão. Com o objetivo de estruturar os mercados locais com circuitos curtos de comercialização, onde as/os agricultoras/es passaram a vender seus produtos de origem animal com registro no SIM em feiras, supermercados e por meio de compras institucionais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A partir da experiência em dois territórios, Sisal e Jacuípe, as ações foram ampliadas por todo o território do Sertão do São Francisco (TSSF), através do convênio do Pró-Semiárido, que é executado pela CAR com financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), e o Consórcio Sustentável do Território do São Francisco (CONSTESF). Atualmente, todos os dez municípios atualizaram a legislação, contam com uma sala do consórcio SIM nas secretarias municipais de agricultura, com equipamentos, sistema implantado e assessoras/es técnicos contratados do consórcio para dar suporte às prefeituras. Empreendimentos de pesca, piscicultura, apicultura, queijarias, abatedouros de diversos animais etc., são alguns dos projetos apoiados. Todos os cuidados devido à pandemia estão sendo tomados.
De acordo com Jussara Oliveira, assessora de políticas públicas do Projeto Pró-Semiárido/CAR, a experiência com SIM nos territórios do São Francisco faz parte de um processo educativo em que as agroindústrias vão se estruturando e ganhando qualificação para comercializar seus produtos, podendo chegar a nível nacional – do SIM ao SISBI-POA. Passado o esforço de implantação, complementou a gestora, agora os serviços municipais com a coordenação do consórcio estão sendo consolidados para as/os agricultoras/es acessarem cada vez mais os mercados formais, inclusive os institucionais.
“Com o SIM foi possível reduzir custo para as agricultoras/es familiares e as prefeituras, que passam a contar com a estrutura e a assessoria de técnicas/os dos consórcios, e colocar os produtos de origem animal dentro da legalidade exigida para sua livre circulação nos municípios integrantes do consórcio. Além de diminuir a burocracia para viabilizar a comercialização dos produtos beneficiados, facilita também a gestão das entidades envolvidas e faz girar a economia local com o dinheiro circulando nas cidades. Além disso, as/os consumidoras/es passam a acessar alimentos seguros”, afirmou.
Gestoras e gestores avaliam que houve uma evolução significativa nos últimos anos para as famílias que se inscreveram no programa, e a maioria delas está hoje certificada. Algumas, inclusive, estão experimentando o turismo rural por meio da gastronomia. Foi estabelecido entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e alguns consórcios que, no prazo de três anos, os serviços municipais se adequem ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi). O objetivo é viabilizar a comercialização de pelo menos um empreendimento em nível nacional, garantir que as demais agroindústrias com o SIM ampliem a sua comercialização para os demais municípios consorciados, e potencializar ainda mais a economia em torno dos empreendimentos.
Quais as vantagens para as agricultoras e os agricultores?
A Central de Comercialização das Cooperativas da Caatinga (Central da Caatinga), que dá suporte à comercialização das cooperativas e associações na região do Sertão do São Francisco, envolve cerca de 2.500 famílias da agricultura familiar. Com o SIM, a Central passou a vender também nos mercados locais e tem aumentado o rendimento de muitas organizações que fazem parte da sua rede. É um exemplo de como o apoio do poder público com a inspeção pode ajudar na produção e gestão dos empreendimentos. Atualmente, a Central está visando a construção de um armazém da agricultura familiar para melhorar a estocagem e venda dos produtos agroecológicos, orgânicos e da sociobiodiversidade local.
As organizações que integram a Central estão empenhadas na intensificação da base de produção de caprinos e ovinos, por exemplo, nos abatedouros para beneficiar os produtos com mais qualidade. Visam viabilizar uma marca para comercializar os alimentos processados de defumados e embutidos para gerar ainda mais renda aos agricultores (as). A avaliação dos seus representantes é que o processo está avançando e tem tudo para dar certo.
De acordo com Adilson Ribeiro, presidente da Central da Caatinga, com o apoio do governo estadual e de entidades parceiras, como o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), ficou mais fácil formalizar os empreendimentos e organizar as iniciativas informais. A comercialização de ovos, derivados de leite de cabra, entre outros produtos, foram muito fortalecidos na comercialização com o SIM abrangendo todo o território.
“As ações conduzidas pelo Consórcio do São Francisco são bem estratégicas, tem facilitado muito nossos processos e a comercialização na região, inclusive a construção de algumas agroindústrias já com a inspeção estadual. Já são criadas com a lógica da comercialização, como os frigoríficos, abatedouros, laticínios derivados de caprinos e ovinos, além da fruticultura, com trabalho de organização da base para comercialização”, destacou Ribeiro.
Como funcionam as inspeções?
O SIM é responsável pela inspeção e fiscalização da produção familiar industrial e sanitária dos produtos de origem animal, que são manipulados, depositados e comercializados no município. A agricultora ou o agricultor vai à secretaria de agricultura municipal ou ao escritório do consórcio e solicita uma avaliação do seu terreno ou agroindústria para poder vender seus produtos, e é realizada uma avaliação geral para o registro e autorização. Após todo um processo de capacitação, suporte nas estruturas e documentações, o estabelecimento recebe o registro de inspeção e passa a comercializar formalmente com um selo atestando sua qualidade sanitária.
Os produtos registrados começam a ter mais visibilidade nas lojas, supermercados, feiras e políticas públicas, fazendo com que aumente a produção e melhore o preço. As/Os agricultoras/es da região passam a fornecer matéria prima a esses estabelecimentos, fazendo a economia local também circular. Após o cumprimento de todas as exigências de higiene, que segue um manual detalhando todas as atividades, as agroindústrias passam a ser visitadas pelos inspetores do consórcio e do município.
Segundo Washington Nóbrega, veterinário responsável pelos projetos no Sertão do São Francisco, a partir das solicitações, em 2019, já foram acompanhadas 32 unidades de beneficiamento. Uma casa de mel e uma queijaria de leite de cabra estão entre os seis empreendimentos de origem animal registrados até o momento, que têm o selo do SIM para comercializar em todo o território. Segundo ele, as inspeções podem ser permanentes, como no caso dos abates de animais, ou periódicas nos entrepostos de ovos, queijaria, mel etc, dependendo do risco de contaminação da unidade.
“Em março, lançaram um decreto (Nº 10.032/2019) dando oportunidade de os municípios com SIM comercializarem nos dez municípios. É uma vantagem enorme para as cidades mais afastadas. Fizemos um cadastro na plataforma do SISBI, e temos a expectativa de fazer a adesão de uma agroindústria do território para as demais comercializarem. Com o SIM, houve produtos que quase triplicaram os preços, como os queijos, após receber o selo de inspeção, e é notória a melhoria dessas famílias. É uma cadeia importante, porque gera emprego e renda”, destacou o técnico.
Essa entrevista foi publicada originalmente no site da Midia Ninja. Para acessar, CLIQUE AQUI.