Prefeito Isaac Pyianco com agriultor familiar. Foto: Moisés Moreira (registro feito antes da pandemia)

Por Eduardo Sá

O prefeito reeleito em Marechal Thaumaturgo, cidade que faz fronteira entre o Acre e o Peru, o indígena do povo Ashaninka e professor Isaac Piyãko (PSD), de 49 anos, quer fortalecer a agricultura familiar na região com a ampliação e diversificação da produção. Sua meta é comprar, via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), cerca de 60% dos alimentos da agricultura familiar, o dobro dos 30% previstos na Lei n° 11.947/2009. Esta é mais uma experiência identificada pela Campanha Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Piãko é o primeiro prefeito indígena da cidade que, apesar de abrigar cinco etnias, desde a sua criação em 1992 sempre foi ocupada por muitos seringueiros. A proposta do seu segundo mandato é focar mais no meio rural em parcerias com associações, cooperativas, ribeirinhos e indígenas da região. Desde a época em que morava na sua aldeia, devido ao excesso de alimentos industrializados chegando ao povoado, articulava os agricultores e as agricultoras  buscando a regionalização da alimentação escolar indígena. Quando assumiu a prefeitura pela primeira vez, em 2017, estimulou as organizações locais, que começaram a entregar os alimentos ao Pnae no ano seguinte.

Foi muito importante porque sensibilizamos as famílias a entregar aqueles alimentos que as escolas estavam necessitando, como as hortaliças, a farinha e seus derivados, o milho, frango etc. Organizamos uma cadeia produtiva para fornecer alimentos às escolas garantindo a segurança alimentar das crianças. Assim, melhoramos a qualidade da alimentação, do ensino e trabalhamos a questão econômica da família ao incentivar o produtor a diversificar sua produção”, afirmou o prefeito.

Com este envolvimento dos agricultores e organizações, foi possível ter excedentes de alimentos, mas a pandemia deu uma desaquecida na produção. A prefeitura tem incentivado o aumento de itens do cardápio e espera atingir um percentual maior de compras neste ano, de modo a procurar também outros mercados para a comercialização. No ano de 2019, cerca de 70 famílias chegaram a comprar via Pnae, somando ao todo R$ 269.473,92 de alimentos da agricultura familiar, segundo a prefeitura.

“Vamos estimular os agricultores e, tendo mais produtos, chegaremos a 50% ou 60% de compra no PNAE, dependendo do nível de articulação dessas organizações. Estamos fazendo projeção para prestar assistência técnica a essas famílias para melhorarem cada vez mais. Os sistemas agroecológicos de plantios na praia, nas barrancas dos rios do Vale do Juruá são altamente sustentáveis e produtivos. As pessoas plantam de abril a setembro e têm uma variedade muito grande”, destacou Piãko.

Hortaliças entregues ao PNAE pela agricultura familiar. Foto: Moisés Moreira

A estratégia da prefeitura é continuar estimulando essa produção via Pnae para depois ampliar para outros mercados. Há uma cultura muito forte de mais de 20 variedades de feijão orgânico, que são divulgadas no Festival do Feijão de Marechal Thaumaturgo, com apoio do poder público do município. É uma forma de também incentivar a diminuição de desmatamento e dos plantios de queimada, a partir do fomento à produção ecologicamente adequada.

Agora na pandemia, de acordo com a prefeitura, foram comprados para 75 famílias mais de 1.500 pintinhos para produção de galinha caipira, 28 estufas foram oferecidas para o plantio de hortaliças e 18 mil mudas de café para 28 famílias interessadas. Com a pandemia, o edital de 2020 chegou a ser publicado e vários contratos assinados, algumas propostas foram habilitadas mas, na hora do fornecimento, as pessoas estavam isoladas em quarentena. Por isso,  houve um percentual bem abaixo do esperado. Estão trabalhando para melhorar neste ano, segundo a prefeitura.

A principal organização local está passando por um processo de regularização documental para futuramente atender o Pnae. Atualmente, a Cooperativa Sonhos de Todos (Coopersonhos) trabalha apenas com a borracha e o feijão. Segundo Antônio Maceno, da diretoria da entidade, o projeto, hoje, envolve cerca de 120 famílias mas, devido às dificuldades de acesso, é muito difícil diversificar a produção para distribuição e comercialização. Só dá para chegar ao local após horas de barco ou avião monomotor, explicou.

“Nosso produto mais forte é a borracha nativa da região. No no ano passado, vendemos às empresas perto de R$ 113 mil. O feijão, a gente vende para o comércio local. No passado, chegou a R$ 60 mil. Estamos organizando a cooperativa e temos expectativa de trabalhar com algumas políticas, como o Pnae, ainda este ano. Estamos providenciando os documentos necessários e organizando nossa produção”, afirmou.

Assistência técnica e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

Muitos territórios da cidade fazem parte de áreas de preservação ambiental e reservas extrativistas, além de assentamentos de reforma agrária. O município também tem forte liberação de recursos voltados aos empreendimentos familiares rurais para estes setores por meio de um termo de cooperação técnica com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os sistemas agroflorestais e o pequeno agroextrativismo, assim como pequenas criações de animais, são contemplados por estas iniciativas viabilizadas por meio da Assistência Técnica de Extensão Rural (Ater).

Nos últimos dois anos, mais de R$ 3 milhões em crédito foram liberados pelo órgão para a criação de aves, bovinos, suínos, aquisição de kits para manejo da produção agrícola, meios de transporte, piscicultura etc. Uma equipe da prefeitura, composta por dois engenheiros e dois técnicos agrícolas, presta assistência técnica às famílias para implementar os Projetos de Assentamento Sustentável (PDS) contemplados.

Tapioca produzida pela agricultura familiar. Foto: Moisés Moreira

Segundo Marcos Santos de Souza, técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, somente no Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Triúnfo/Porongaba, comunidade localizada na margem  direita do velho Juruá, 52 famílias são atendidas por esta política.  De 2018 a 2020, aproximadamente 334 famílias foram contempladas em toda a região e muitas das que assinaram contratos aguardam liberação do recurso.

Outra política muito importante para a agricultura familiar no município é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que está em vigor na região desde 2012, chegando a envolver 96 famílias agricultoras nos últimos anos. Com a pandemia e o fechamento das escolas, no momento apenas 54 estão envolvidas. Os alimentos são entregues aos Hospitais da Família, aos Centros de Referências de Assistência Social (Craas), e nas escolas que estão temporariamente fechadas.

De acordo com Ivania Silva da Conceição, da Secretaria de Estado de Produção e Agronegócio (SEPA), que trabalha na execução do PAA na cidade, é muito difícil articular  agricultoras e agricultores, pois na região as distâncias são grandes e o acesso é por via fluvial, exigindo deslocamentos   de barco e estrutura. Eles estavam atualizando as Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento que viabiliza o acesso às políticas públicas, mas devido à falta de quadro técnico e motoristas, além da pandemia, as visitas estão muito limitadas.

“Nos últimos anos, ocorreram muitas entregas de banana, feijão, farinha, goma, verduras, polpa de frutas etc. No ano passado, foi liberado cerca de R$ 2 mil pra cada produtor, mas nem todos entregaram esse valor. Esse ano liberaram R$ 3 mil, mas poucas entregas estão ocorrendo por causa da pandemia”, afirmou Ivania.

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