Por Eduardo Sá
Desde a década de 1990, vêm sendo implementadas várias políticas públicas que fortalecem a segurança alimentar da população de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. As redes da sociedade civil contribuem com o poder público para a construção de um arranjo institucional com legislações e equipamentos públicos, dentre vários outros instrumentos, em benefício da agricultura familiar e urbana. Tudo em busca de uma alimentação saudável, inclusive da parcela mais vulnerável da cidade, e para geração de renda para agricultores e agricultoras familiares e urbanas/os da região metropolitana de Belo Horizonte. Esta é mais uma iniciativa identificada pela campanha Agroecologia nos Municípios, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Em 1993, a partir do diálogo amplo das organizações sociais com a Câmara de Vereadores e a gestão municipal, foi criada a Secretaria Municipal de Abastecimento (SMAB), na gestão do então prefeito Patrus Ananias (PT). Vários programas governamentais começaram a se estruturar no município, em paralelo a uma crescente articulação da sociedade civil em torno da agroecologia. Naquele período, foram criadas várias políticas: Plantio em Espaços Alternativos, Hortas Comunitárias, Hortas Escolares, Centros de Vivência Agroecológica (CEVAEs), Programa Abastecer, Comboio do Trabalhador, dentre outras. Atualmente, as ações e os programas de segurança alimentar e nutricional e agroecologia estão sob gestão da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (Susan), vinculada à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC).
Nesse processo, surgiram diversos movimentos sociais e ONGs, como a Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE), promovendo acompanhamento técnico, processos formativos, encontros, intercâmbios entre agricultores (as) e mutirões para plantio e manejo de áreas produtivas. Foi criada a Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (Amau), em 2004, que, a partir de uma caravana, identificou mais de 20 iniciativas de agricultura urbana na região e vem promovendo o intercâmbio e o fortalecimento de grupos e organizações. As mobilizações também ocorrem em níveis estadual e nacional, por meio da Articulação Mineira de Agroecologia (AMA) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Graças a essas articulações, em parceria com a cooperação internacional, foi possível estabelecer um diálogo permanente com os governos. É nesse contexto que a agricultura urbana e a segurança alimentar e nutricional são valorizadas favorecendo a implementação dos projetos Cidade Cultivando para o Futuro (CCF), Da Semente à Mesa e do Plano de Ação de Agricultura Urbana de Belo Horizonte. Em setembro de 2011, foi instituída a Política Municipal de Apoio à Agricultura Urbana, através da Lei nº 10.255, como parte integrante da política municipal de abastecimento. Atividades como o cultivo de hortaliças, plantas medicinais, espécies frutíferas, flores, manejo florestal, dentre outras experiências, fazem parte desse contexto.
De acordo com a assessoria da Susan, o orçamento investido na política para o setor na capital mineira vem crescendo nos últimos anos. Em 2016, chegou a R$ 60,06 milhões e, em 2020, atingiu o valor de R$ 82,6 milhões. Como o cenário de 2021 ainda está em definição e em decorrência da pandemia, a pasta ainda não tem um orçamento preciso para informar.
Inovações a partir dos avanços históricos
São quase três décadas de acúmulo de iniciativas que já se configuram como políticas de Estado, fortalecendo a relação de estímulo ao diálogo permanente na criação, consolidação e controle dos programas, projetos, serviços e ações de segurança alimentar e agroecologia. Após os históricos trabalhos do Banco de Alimentos (387.905 toneladas de alimentos foram doadas, em 2019, e 2,3 milhões de refeições complementadas com doações), restaurantes populares (atualmente, existem cinco restaurantes. Em 2019, forneceram quase 2,6 milhões de refeições) e alimentação escolar (em 2019, foram cerca de 84,7 milhões de refeições), muitas políticas inovadoras estão sendo implementadas tendo a agroecologia como princípio transversal.
“Nos últimos quatro anos, imprimimos esforços que vão desde o reordenamento e requalificação de serviços já existentes à melhoria da estrutura e ampliação de recursos humanos, como também da inovação. São ações que reconectam a cidade com a região metropolitana, com as organizações da sociedade civil, com os/as produtores/as e trazem a agroecologia como centralidade, demonstrando que é possível, mesmo numa cidade de grande porte, investir esforços para a sustentabilidade, a produção de alimentos e melhoria da renda”, acredita Darklane Rodrigues Dias, subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional.
A prefeitura disponibilizará até abril deste ano, por meio da Diretoria de Fomento em Agroecologia e Abastecimento (DFAB), 30 pontos de comercialização e fornecerá barracas e jalecos para agricultores/as urbanos/as selecionados/as por meio de chamamento público. É um novo marco para a cidade, que nunca teve uma feira com apoio público específico para a agricultura urbana. O processo encontra-se em fase final de conferência de documentação das propostas vencedoras.
A Central de Abastecimento da Agricultura Familiar e Urbana (Cafa) é outro equipamento recente que tem se destacado dentre os programas de fomento à agroecologia e construção social de mercados. Também a partir de um chamamento público, que priorizou a articulação entre cooperativas da agricultura familiar, organizações e movimentos sociais, a prefeitura cedeu um espaço para apoiar o armazenamento e a distribuição dos alimentos na cidade. A Rede Sisal: Circuitos de Comercialização Solidária da Agricultura Familiar e Urbana, que é composta por 90 organizações que atuam em 100 municípios, envolvendo em torno de 840 famílias, é a responsável pela gestão e tem como missão proporcionar suporte comercial às organizações.
A partir das infraestruturas de agroindústria, cozinha pedagógica, espaço de armazenamento e de estoque, câmara fria, caminhão e prestação de serviços, a Cafa assessora empreendimentos da agricultura familiar, urbana e beneficiários/as da reforma agrária com apoio da Susan.
De acordo com Luiza Azevedo Ribeiro, coordenadora da Rede Sisal e integrante da Cooperativa Camponesa Central de Minas Gerais (Concentra), o objetivo é fortalecer empreendimentos sociais da agricultura familiar e urbana, na perspectiva da solidariedade e da agroecologia, de forma a ampliar a capacidade de acesso aos mercados institucionais e convencionais, otimizando a logística com a criação de um entreposto de produtos, além de fomentar a formação e capacitação em agroecologia e cooperativismo.
Desde 2018, está em construção um Sistema Participativo de Garantia da Região Metropolitana de Belo Horizonte (SPG-RMBH), integrando-se a um processo de mobilização das organizações sociais locais que vinham, desde 2017, articulando-se com setores do governo estadual e instituições de pesquisa e extensão. Trata-se de um mecanismo legal para garantir a qualidade da produção orgânica e agroecológica por meio de um processo coletivo envolvendo universidades, organizações do estado, comerciantes e consumidores. Integra o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISORG/Mapa) previsto no Decreto nº 6.323/2007 e regulamenta a Lei nº 10.831/2003 sobre a Agricultura Orgânica.
A criação da Associação Horizontes Agroecológicos, que envolve 96 agricultores/as, é um dos resultados desse processo e será a organização social responsável pelo credenciamento como Organismo de Participativo de Avaliação de Conformidade (Opac) junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
“A Susan/PBH fortaleceu essa iniciativa da sociedade civil e uma agenda de trabalho coletiva na RMBH, por meio da formalização de um protocolo de cooperação e criação de um comitê interinstitucional para promoção da agroecologia na região, que envolveu instituições públicas de assistência técnica e de pesquisa, organizações sociais e prefeituras de municípios vizinhos”, explicou Daniela Adil, diretora de Fomento à Agroecologia e Abastecimento.
Alguns programas de formação em agroecologia também estão ocorrendo, como a Trilha da Agroecologia, que nos últimos anos já formou oito turmas, e o curso Promotoras/es da Agroecologia, que na primeira edição realizou 10 módulos. Essas iniciativas buscam a difusão e facilitação do acesso, assim como a promoção do direito humano à alimentação adequada. De forma também inovadora, estão aprimorando referenciais conceituais e metodológicos que dialogam com as realidades locais e estimulam uma visão agroecológica de toda a cadeia de produção, comercialização e distribuição dos alimentos.
Edição: Viviane Brochardt
Esta matéria foi originalmente publicada no site Mídia Ninja. Para acessar, CLIQUE AQUI!